[title]
Quando somos miúdos, tudo é motivo de descoberta e brincadeira. E, não raras vezes, também de muita inquietação. As perguntas acumulam-se à medida que o mundo se afigura cada vez maior. Mas, ao contrário do que costuma acontecer com os adultos, não saber tudo não os preocupa por aí além. O que os preocupa é deixarem de se preocupar. É por isso, aliás, que passam a vida a aborrecer os mais velhos com questões fora da caixa. Em Gaspar – Um musical no fundo do mar, apesar de não haver pais à vista nem irmãos a quem azucrinar o juízo, há uma dessas crianças traquinas e ansiosas com o estado das coisas, que não pára até descobrir porque é que as coisas são como são. Com texto de João Cachola e encenação de Vicente Wallenstein, é a terceira criação da companhia As Crianças Loucas e a segunda em parceria com a banda de rock portuguesa Zarco, que estará em palco, a tocar ao vivo. A estreia está marcada para sábado, 12 de Novembro, no Teatro Maria Matos.
“Éramos cinco actores da Escola Superior de Teatro e Cinema, tínhamos acabado de sair do conservatório e queríamos fazer um espectáculo. Já nem sei bem se surgiu primeiro a companhia, se o projecto, mas estreamo-nos [na Escola de Mulheres] com E todas as crianças são loucas, uma criação colectiva inspirada em O Coração de Trevas, [romance] de Joseph Conrad, e Apocalypse Now, [filme] de Francis Ford Coppola, que depois levámos ao CAL – Primeiros Sintomas e ao Teatro Nacional D. Maria II”, recorda Vicente Wallenstein, que co-fundou As Crianças Loucas com João Cachola em 2017. Desde então, tem reunido artistas de diferentes áreas para a produção de objectos artísticos, de exposições e concertos a leituras encenadas e peças de teatro musical. Este ano, o artista realiza um sonho antigo: leva à cena a sua primeira produção para a infância, que acompanha um rapaz que, um dia, aborrecido, desce pelo ralo da banheira em direcção ao fundo do mar. É lá que se depara com uma enorme quantidade de sapatos.
“Sempre vi muitos espectáculos para a infância, até por questões familiares [a mãe é Madalena Wallenstein, coordenadora da Fábrica das Artes, programa para crianças e jovens do CCB] e acabei por desenvolver esse interesse”, confessa, deixando claro que, apesar de se denunciar o impacto do homem no planeta Terra, não há qualquer pretensão de entrar por assuntos cientificamente complexos nem dar soluções para o futuro. A ambição é mais modesta: querem apenas explorar e convidar à reflexão sobre questões ecológicas, que também já estão muito presentes no dia-a-dia dos mais novos. “É importante desafiá-los a pensar e, acima de tudo, a tomarem consciência da importância que têm no meio em que se inserem e como uma pequena acção faz a diferença, porque todas as acções têm consequências e uma boa acção contribui naturalmente para, de alguma forma, melhorar a situação actual”, diz, reforçando a importância de ser criativo. “Tentámos retratar de uma forma divertida essa vontade de ver soluções para além do que é óbvio. Os miúdos têm uma capacidade de imaginar coisas que não existem que nós adultos já não temos, porque estamos em caixas, com palas nos olhos.”
O que é que está ao nosso alcance fazer? E por onde começar? Estas são duas das grandes questões com as quais o jovem protagonista se vai confrontando. A orientar Gaspar (Vicente Gil), temos uma ventosa (Catarina Rabaça), um amigo (Vasco Barroso) e, claro, a sua própria consciência, interpretada pelos Zarco, banda composta por João Sala (teclas e voz), Fernão Biu (guitarra e voz), “Joe Sweats” (guitarra e voz) e Pedro Santos (bateria). “Esta criação para a infância teve um outro contexto, que não chegou a acontecer. Era para ter sido um álbum de música, que estava a fazer com os Zarco, mas às tantas disse-lhes ‘acho que devíamos pegar nisto e transformar numa peça de teatro’ e deixámos o João Cachola aproveitar, acrescentar e modificar o que quisesse”, revela. “A música sempre esteve e vai continuar a estar muito presente nos nossos espectáculos, mas não pensamos neles exactamente como musicais. São peças de teatro com música ao vivo, e os momentos cantados também são de interpretação.”
Além da música original, que vai do rock progressivo ao rap e ao fado – e que poderá dar origem a um audiolivro –, Gaspar – Um musical no fundo do mar também conta com uma forte componente visual e multimédia, nomeadamente através da cenografia de Kuka e de projecção de vídeo, com design gráfico e animação de Beatriz Bagulho, que também assina a direcção de arte e os figurinos. Em cena no Teatro Maria Matos até 18 de Dezembro, o espectáculo deverá continuar a circular pelo país depois disso.
Teatro Maria Matos (Lisboa). 12 Nov-18 Dez, Sáb 16.00, Dom 11.00. 12€
+ Crianças não pagam até 16 de Dezembro no Oceanário de Lisboa
+ Leia já, grátis, a edição digital da Time Out Portugal deste mês