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Áurea
Francisco Romão Pereira

No Áurea, Pedro Mendes tem uma missão: “pôr as pessoas a comer algas no dia-a-dia”

Chef regressou a Lisboa para abrir o restaurante do novo hotel de cinco estrelas da Baixa, o Art Legacy. A cozinha é de autor, assente no receituário nacional.

Cláudia Lima Carvalho
Escrito por
Cláudia Lima Carvalho
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Algas e bolotas, eis dois ingredientes que não vemos, habitualmente, servidos à mesa, pelo menos de acordo com o nosso receituário, e que em nada assustam Pedro Mendes, que se tem vindo a afirmar com uma cozinha muito própria. Depois de uns anos no Algarve e mais uns quantos no Alentejo, o chef está de volta a Lisboa com um restaurante onde se quer mostrar por inteiro. No Áurea, no novo hotel cinco estrelas da cidade, o Art Legacy, em plena Baixa, Pedro Mendes focou-se nas algas para contar também a história de Lisboa. À carta ou no menu de degustação, não há um prato em que as algas não entrem.

Olhar para os recursos que temos, sem medo de preconceitos, desmistificando o que há para desmistificar, é um caminho que Pedro Mendes percorre com gosto e gozo até. “Parecendo que não, já aqui ando há uns aninhos”, diz o chef, descontraído, depois de mais um serviço. Chegou ao Áurea, na rua homónima também conhecida como Rua do Ouro, em Outubro, para abrir o restaurante pouco depois, em Dezembro. Uma corrida contra o tempo que nunca o desconcertou. “Já há algum tempo que queria vir para Lisboa e queria fazer uma coisa muito minha, muito pessoal. Queria mostrar o meu trabalho, os anos de investigação, de estudo, de treino”, começa por contar, revelando que quando o desafio lhe foi lançado não havia ainda um conceito definido na sua cabeça. “Mas há uma coisa que sempre pautou a minha vida profissional: eu gosto que as pessoas sintam que estão naquela região. Seja no Algarve, seja no Alentejo, ou neste caso em Lisboa. Isso para mim era a condição”, explica. “Se estamos em Lisboa temos de sentir Lisboa à mesa.”

Áurea, Pedro Mendes
Francisco Romão PereiraPedro Mendes

À primeira vista, e olhando para a carta, a relação pode não ser imediata, dado o foco nas algas, mas Pedro Mendes não tem dúvidas. “Evidentemente, estamos a falar de uma cozinha da autor, mas a essência é a cozinha portuguesa.” Mesmo que do receituário tradicional as algas não façam parte. “Nos Açores, há um prato que leva a erva-patinha, mas é o único registo que temos no nosso país. Os países orientais consomem algas com frequência, faz parte da sua cultura gastronómica. E nós estamos Lisboa, o sítio de onde partimos para o mundo, e onde o mundo nos chega, e nunca nos deu para explorar esse manancial, quanto mais não fosse para exportar”, aponta. “Inicialmente, confesso que ainda estive hesitante se, apesar de utilizar as algas, iria explorar isto mais profundamente. Cheguei à conclusão que, de facto, é isso que tenho de fazer e que quero fazer, porque é o que eu gosto”, completa.

Áurea
Francisco Romão PereiraBrás de algas e vieiras

Apesar de dizer que ainda está no início desse caminho, em 2021 o chef lançou o livro Algo com Algas, no qual reunia 40 receitas, algumas delas aproveitadas no Áurea, como o Brás de Algas, servido também com vieiras (18€). “Eu utilizo as algas maioritariamente como ingrediente, mas há certas preparações em que não faz sentido e por isso são um apontamento”, contextualiza Pedro Mendes, deixando claro que não há um prato em que as algas não apareçam. “Substituem bastante bem uma proteína, aliás eu podia servir o Brás de algas sem as vieiras e não ficávamos mal”, atesta. “Se eu não disser nada, as pessoas dizem que estão a comer bacalhau à Brás – e, mesmo quando digo que não tem bacalhau, há uma dúvida”. 

Áurea
Francisco Romão PereiraCarabineiro do Algarve com xerém de algas

Para o chef, “lançar um livro não fecha nenhum capítulo”, sendo os seus pratos a forma mais directa de partilhar o seu conhecimento e trabalho. “A cozinha pode continuar a ser um laboratório de ensaios nesta missão que eu tenho de pôr as pessoas a comer algas no dia-a-dia”, assume, com a confiança de quem já travou essa luta com a bolota. No Alentejo, decidiu pegar nesse ingrediente e servi-lo no restaurante do Alentejo Marmòris Hotel & SPA, hotel de cinco estrelas em Vila Viçosa. “Com as bolotas criava muito pagode, muita desconfiança, era sempre uma coisa estranha. Ouvia a piada batida de que era comida para os porcos”, recorda. “Com as algas tem sido um caminho menos difícil, as pessoas estranham, mas não é uma coisa que lhes faça confusão e provam com entusiasmo. A aceitação é muito maior”, continua.

É a atenção dada a estes ingredientes que o distingue. “O meu trabalho como cozinheiro é criar pratos e criar coisas novas, tendências novas e, em certa medida, criar essa tal falha que existe, neste caso com as algas, e criar receituário que possa ser reproduzido e de preferência reinventado”, defende Pedro Mendes, para quem, “não havendo história, torna-se mais interessante”. “Estamos na crista da onda.”

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Francisco Romão PereiraO menu de degustação arranca com este amuse bouche

O menu de degustação, e são três as possibilidades – vegetariano (75€), cinco (85€) ou sete momentos (120€) –, é possivelmente a melhor forma de conhecer o trabalho do chef, começando desde logo pelo amuse bouche em que é servido um crocante de algas com bivalves e ervas marinhas, numa alusão ao trabalho de Pedro Mendes no Algarve, seguindo-se uma referência alentejana com bolota com cabeça de xara e, por fim, Lisboa numa pastel de nata de bacalhau. A partir daí, “o menu de cinco momentos é virado para o mar, só com peixes e mariscos”. “No menu maior, já incluímos dois momentos com carne que também têm, lá está, um apontamento de algas.” 

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Francisco Romão PereiraAlho francês e ervas marinhas

À carta, é possível também provar alguns dos pratos servidos no menu, como as ostras com alho francês e ervas marinhas (18€), o carabineiro do Algarve com xerém de algas (24€) ou o lombo de bacalhau, sames, línguas e grão (26€). 

“E depois nas sobremesas a Cátia [Marques, chef pasteleira] está a trabalhar cada vez mais esta parte não só das algas mas também das halófitas, que, no fundo, acabam por se relacionar”, explica Pedro Mendes. Por enquanto, as algas surgem aqui como apontamento. Há, por exemplo, uma falsa maçã, com poejo e caramelo (10€) e um arroz doce e amêndoa amarga (11€). 

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Francisco Romão PereiraMaçã, poejo e caramelo

“Em 900 quilómetros de costa, há mais de 600 espécies de algas identificadas e estamos a trabalhar só para aí uma dúzia. Só estamos a arranhar a superfície ainda”, conclui o chef, em jeito de promessa, mas também de convite. “Os lisboetas cansaram-se da Baixa ou acham que a Baixa já não é dos lisboetas, mas eu tenho aqui um bocado a presunção de querer abrir a porta aos lisboetas, quero que isto seja um sítio onde se sintam em casa.” Ao almoço, há até um menu executivo (24€) com três momentos (couvert, principal e sobremesa, vinho/cerveja/refrigerante e café).

Áurea
Francisco Romão Pereira

Um cinco estrelas irreverente

Carlos Faustino, director-geral do hotel, faz questão de frisar que o esforço e investimento que foi feito no restaurante para que se proporcione uma experiência diferenciadora e de qualidade a quem chega são os mesmos feitos em todo o hotel, projectado pelo arquitecto Luís Rebelo de Andrade. Em parceria com a marca holandesa Moooi, de cores bem vincadas e padrões exóticos, não fez um quarto igual (e são 53, sete dos quais suites). 

“Para cada canto que olhamos, vemos muitos detalhes e todos esses detalhes foram pensados ao pormenor. E o serviço que pretendemos oferecer aos nossos hóspedes vai nessa linha. Todos os detalhes contam para tornar a experiência o mais genuína possível”, garante o responsável, exemplificando com a escolha das marcas presentes em cada quarto, das amenities Bvlgari à roupa de cama e toalhas da marca portuguesa Sampedro, até às colunas Marshall. 

Rua Áurea, 175-191 (Baixa). 21 145 3090. Seg-Dom 12.00-22.30

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