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Edifício, Edifício Franjinhas, Nuno Teotónio Pereira
©Inês FélixEdifício Franjinhas

No centenário de Nuno Teotónio Pereira, é tempo de o descentralizar

Habitação, trabalho, religião. A obra do arquitecto Nuno Teotónio Pereira é diversa e inovadora, mas nem só de arquitectura se escreve o seu legado. Falámos com a família, responsável pelo lançamento de um novo site que celebra a sua vida, obra e causas.

Renata Lima Lobo
Escrito por
Renata Lima Lobo
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O Bloco das Águas Livres, o “Franjinhas”, a Igreja do Sagrado Coração de Jesus ou a Estação de Metro do Cais do Sodré. Quase todos os lisboetas conhecem estes edifícios, todos diferentes e com propósitos distintos, mas com uma coisa em comum: o arquitecto Nuno Teotónio Pereira (1922-2016). Mas o que se sabe mais sobre um dos grandes nomes da arquitectura portuguesa do século XX? À boleia do centenário do seu nascimento, a família juntou-se para lançar uma plataforma online sobre a sua vida e obra, uma porta de entrada digital para a divulgação do seu trabalho e também das muitas causas às quais esteve ligado.

Foi em meados de 2019 que os Teotónio Pereira se juntaram para começar a desenhar algo que celebrasse o legado deste arquitecto pensador, pai e avô de duas gerações que se sentaram à mesa para pensar o centenário de nascimento de Nuno. Mas de olhos postos no futuro, mantendo viva a filosofia de vida de um homem também ligado a questões sociais e políticas, que lhe valeram quatro estadias na prisão, antes do 25 de Abril. Foi, por exemplo, co-fundador da publicação clandestina Direito à Informação (1963-1969), da cooperativa cultural Pragma (1964-1972) e do BAC – Boletim Anti-Colonial (1972), iniciativas que fazem parte da sua biografia publicada no novo site oficial – uma parte deste projecto que também inclui testemunhos de pessoas que com ele se cruzaram, nos mais variados contextos, e que foram chegando de forma espontânea.

A família lançou um primeiro desafio por e-mail a algumas centenas de pessoas que foram convidadas para os aniversários dos 70 e 80 anos do arquitecto, e partiram daí. Mas alguns foram chegando por outras vias, como conta a filha Luísa: “A certa altura encontrei uma referência a uma entrevista feita pelo Mário Mesquita e contactei-o a perguntar se nos podia enviar essa referência. Em resposta, ele enviou a história dessa entrevista e é uma informação nova para nós e para a história portuguesa.” Um “processo colectivo de permanente construção”, descreve o neto Tiago, e um site “feito a várias vozes”, continua Luísa, que reflecte o espírito colaborativo de Teotónio Pereira. “Diz-se que no seu atelier da Rua da Alegria todos os projectos tinham autoria partilhada. Não é muito vulgar. É uma marca dele e um testemunho importante”, sublinha.

Aqui encontra ainda os 45 acontecimentos biográficos mais importantes do seu percurso, cada um deles com um texto associado, um trabalho em curso, já que representa nove décadas de uma vida cheia. Além disso, a família decidiu publicar também notas autobiográficas escritas pelo próprio arquitecto, nomeadamente as suas Memórias Inacabadas, um dos muitos contributos do próprio para a concretização deste projecto. “Houve alguém que nos facilitou muito a vida e que se chama Nuno Teotónio Pereira. Tinha um sistema de organização que deixaria qualquer um de nós envergonhado”, explica Tiago, um dos netos que ajudou a construir este braço digital do centenário, ao qual se vão juntando iniciativas um pouco por todo o país. Luísa continua: “A bibliografia activa, também a deixou toda organizada. São à volta de 750 entradas, ele tinha tudo organizado por ordem cronológica, com notas e com muitas preparações de comunicações que fez. Tem textos completos, manuscritos, impressos... Ele é a fonte principal do site.”

Até ao final do ano, o tema central das celebrações será o Direito à Habitação, mas este projecto não se irá esgotar em 2022. “É claro que vai além do centenário. Estou em crer que temos material para muito tempo. À medida que vão surgindo temas e contributos que justifiquem, vamos continuar a trabalhar nisto”, diz Tiago. Entretanto, pode ir acompanhando todas as novidades no site, que irá revelando as iniciativas em torno deste centenário, não só em Lisboa, mas em todo o país.

Igreja Sagrado Coracao de Jesus
©Mariana Valle Lima

O ARQUITECTO EM LISBOA

Franjinhas
Inaugurado em Abril de 1972, este edifício de escritórios na Rua Braamcamp foi projectado por Nuno Teotónio Pereira e João Braula Reis. Ostenta o galardão de Prémio Valmor e é Monumento de Interesse Público desde 2011. No interior, encontra apontamentos estéticos do artista plástico Eduardo Nery e foi daqui que a 25 de Abril de 1974 Celeste Martins saiu com um ramalhão de cravos vermelhos para se dirigir para o coração da revolução. Era o dia de aniversário do Franjinhas, e a festa foi cancelada, mas os cravos ficaram para a história.

Bloco das Águas Livres
Inaugurado em 1953 na zona das Amoreiras (Rua Gorgel do Amaral), é uma das pérolas arquitectónicas da cidade, classificada como Monumento de Interesse Público em 2012. É também o mais conhecido exemplo em Portugal da arquitectura inspirada nas obras de Le Corbusier (1887-1965), arquitecto francês de origem suíça que criou as chamadas Unités d’Habitation, um novo estilo de arquitectura que englobava espaço para serviços, convívio e lazer, promovendo a criação de uma pequena comunidade independente. O projecto é também assinado por Bartolomeu da Costa Cabral, e no início de 2021 os condóminos lançaram o seu próprio site, que pode conhecer aqui.

Igreja do Sagrado Coração de Jesus
Mais uma obra assinada com outro arquitecto, neste caso Nuno Portas. Esta igreja, vencedora do Prémio Valmor de 1975 e Monumento Nacional desde 2010, foi construída em substituição de uma outra que aqui existia e é possível que já tenha passado por ela sem dar conta. Localizada entre a Rua de Santa Marta e a Rua Camilo Castelo Branco, passa despercebida a transeuntes mais distraídos por se integrar perfeitamente na malha urbana, tendo o betão como o elemento central da construção. A primeira missa foi aqui celebrada em 1966.

Estação de metro do Cais do Sodré
Inaugurada em 1998 (e Prémio Valmor em 2008) é uma das mais frequentadas estações de metro de Lisboa. E é também uma galeria de arte pouco apreciada por quem anda sempre a correr. A arquitectura é de Nuno Teotónio Pereira e de Pedro Botelho, enquanto que a intervenção plástica ficou a cargo do pintor surrealista António Dacosta (1914-1990), que antes de morrer legou alguns esboços para esta estação. Falamos de gigantes painéis de azulejos que representam um coelho, também ele sem tempo a perder, que remete para o mundo de Alice no País das Maravilhas.

+ Bloco das Águas Livres: modernista e agora digital

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