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Animal Farm
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No Museu do Oriente mostra-se o zoo da vida contemporânea

Em “Animal Farm”, o fotógrafo Chou Ching-hui encena as “gaiolas invisíveis” da vida moderna e tece duras críticas ao capitalismo que assombra a sociedade e, em particular, a arte contemporânea: “A parte mais cruel é a licitação por obras de arte”.

Joana Moreira
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Joana Moreira
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“Vivemos todos aprisionados num jardim zoológico, numa vida restrita.” A frase está inscrita na parede negra no interior do Museu Oriente, em Lisboa, onde desde quinta-feira, 14, se pode ver “Animal Farm”, uma exposição do fotógrafo e artista multimédia taiwanês Chou Ching-hui, que usa a “jaula” do jardim zoológico como uma metáfora para a “jaula” da vida moderna.

É sobre as regulações invisíveis nas nossas vidas. Estamos presos nestes hábitos, diz o artista à Time Out, por intermédio de uma tradutora. Vamos para casa no mesmo caminho que voltamos, é como se estivéssemos presos no trânsito. Poderá a arte servir para quebrar esse estado? Chou recusa ser tão taxativo. A arte está só a tentar fazer perguntas. Não tenho respostas para isso e não é a minha responsabilidade. Tento fazer perguntas através desta exposição e o público pode reflectir sobre os seus ambientes e a sua situação de vida. É esse o propósito desta exposição

O título, “Animal Farm”, é inevitavelmente associado ao romance de George Orwell publicado em 1945, mas o artista garante que não passa de uma coincidência. Nem sequer acabei esse romance”, diz, embora admita que sabe “as ideias do livro”. “A ideia principal é semelhante. Muitas pessoas perguntam porque não uso o nome ‘Human Zoo’ como título da mostra, mas acho que é demasiado directo. ‘Animal Farm’ permite-nos pensar em jaulas, pensar em restrições, mas não é tão linear”.  

Animal Farm
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Linear é a proposta para descobrir todas as obras que ocupam as duas galerias, Sul e Nascente, no piso térreo do museu em Alcântara, onde a exposição pode ser vista até 26 de Outubro. O percurso faz-se de forma sequencial pelos três temas que dividem a mostra: Consciência do Comportamento Colectivo, Consciência da Sobrevivência e Consciência do Corpo. Cada um destes inclui instalações, vídeos e fotografias de grande escala que mostram cenários surrealistas que evidenciam os excessos e as contradições da sociedade actual. Numa das imagens, vários artistas encontram-se prostrados diante de cavaletes e telas, com os pés enterrados no solo coberto de moedas. É um dos grandes temas que atravessa a obra de Chou: a relação entre a arte e o capital. 

Falo de diferentes tópicos neste projecto, do corpo, às cirurgias plásticas, mas o problema mais sério está relacionado com o capitalismo”, frisa o artista, perante uma instalação artística em que uma gaiola surge suspensa sobre um espaço forrado a moedas. “Hoje as pessoas estão ocupadas em fazer muito dinheiro. Estão a ficar mais gananciosas do que nunca, encurraladas pelo dinheiro. É uma das grandes regulações invisíveis das pessoas modernas”, afirma. Chou não tem dúvidas que o poder da arte contemporânea enquanto ferramenta para desafiar e criticar o poder está em perigo. Aliás, numa sociedade capitalista a parte mais cruel é a licitação por obras de arte.

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Durante cinco anos, o fotógrafo taiwanês não encenou apenas a vida contemporânea em opulentas composições fotográficas. Fez também pequenos vídeos que funcionam como extensões dessas imagens. Há muitos detalhes numa fotografia, coisas a acontecer. As pessoas gostam de descobrir o que se passa nesses detalhes e ficam em frente às fotografias por um longo período de tempo só a tentar perceber o significado dos detalhes e da própria fotografia. O propósito do filme é precisamente ser simples e poderoso. Quis fazê-lo o mais simples possível”, explica antes de entrarmos numa sala escura, com três ecrãs a exibir imagens one shot, sem cortes nem edição. Quanto aos protagonistas, já os vimos antes: nas fotografias. 

É apenas uma das auto-referências em “Animal Farm”, que desafia a atenção para descobrir outros encontros entre objectos e personagens. Mais um exemplo? A enorme gaiola dourada na instalação logo à entrada está também numa das imagens de grande escala que ocupa uma das paredes do museu. Talvez o maior easter egg seja, no entanto, uma pequena árvore, com fitas em torno do tronco, que está presente em quase todas as imagens, em menor ou maior escala. É uma metáfora desta exposição, revela o artista, quando o notamos. A fixação com esta espécie de bonsai deve-se à história de uma mulher doente que, numa visita ao médico, olhando para a pequena árvore no consultório, a sente magoada. Para Chou Ching-hui, o objecto simboliza a saúde mental. É uma metáfora para a nossa situação actual. No caso da árvore está presa por amarras visíveis. Nós estamos presos por algo invisível”.

Museu do Oriente. 14 Jul-26 Out. Ter-Qui 10.00-18.00, Sex 10.00-22.00, Sáb-Dom 10.00-18.00. 6€

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