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Restaurante, Cozinha de Autor, Santarém, Ó Balcão
©Mariana Valle LimaÓ Balcão

Ó Balcão: a ambição de Rodrigo Castelo deixou de caber numa taberna

A um tirinho de Lisboa, Rodrigo Castelo reinventa a cozinha ribatejana. Desta vez, deixou cair a taberna do nome e refinou o restaurante onde espera vir a conquistar uma estrela Michelin. Fomos ao Ó Balcão e saímos de lá satisfeitos.

Cláudia Lima Carvalho
Escrito por
Cláudia Lima Carvalho
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A ardósia que anunciava os pratos mesmo por cima da cozinha já não existe – e era ela que saltava à vista quando se entrava na Taberna Ó Balcão, em Santarém. Aí, destacam-se agora vinhos, e as paredes brancas deram lugar ao verde. Mudaram as mesas e as cadeiras, estas últimas desenhadas pelo próprio chef Rodrigo Castelo, mas está lá o balcão forrado a azulejos e os pratos que decoram a parede à entrada. São resquícios da taberna que agora se chama apenas Ó Balcão. O pequeno restaurante está mais requintado, com Rodrigo Castelo a piscar o olho à estrela Michelin, mas a alma ribatejana continua intacta.

Ó Balcão
Mariana Valle Lima

“Há muito tempo que isto não era uma taberna”, começa por dizer o chef, que abriu a Taberna Ó Balcão em 2013 e rapidamente a tornou ponto de peregrinação graças ao seu receituário tradicional do Ribatejo, entre petiscos e pratos de tacho, repleto de interpretações criativas. “Antigamente havia um bocadinho o estigma na cabeça das pessoas, que quando vinham aqui não sentiam isto tão luxuoso, agora está cheio de pormenores que não tinha”, explica Rodrigo Castelo.

A carta é um deles. Saiu do quadro e da vista de todos para chegar à mesa num envelope fechado, marcando o tom da experiência que acontece sempre num registo de proximidade. Já na cozinha, o chef não precisou de mudar muita coisa, afinal o respeito pelo produto, e pelos produtores acima de tudo, sempre esteve na sua matriz. “A comida, que era cheia de sabor, está cá toda na mesma, está é refinada, com mais técnica”, aponta o chef. “Antigamente éramos mais agressivos, bem mais brutos”, comenta em tom de brincadeira. “As pessoas dizem que agora está tudo muito harmonioso.”

Chef, Rodrigo Castelo, Ó Balcão
©Mariana Valle LimaRodrigo Castelo

E não é por acaso. O menu de degustação (75€), que é agora a aposta forte da casa, foi pensado ao mais ínfimo detalhe. “Estão pesadas as proteínas, estão pesados os hidratos, está pesado o glúten, o açúcar, para que as pessoas cheguem ao fim e se sintam bem.”

Não há nada aqui que não seja feito em casa, do pão aos fumados, da salmoura à cura, tão importante nos peixes de rio que Rodrigo trabalha, mas também nas carnes. A cozinha do restaurante é até pequena para tudo o que se faz, não contasse o chef com uma parceria essencial com a Escola Superior Agrária de Santarém, onde estudou e onde mantém hoje um espaço e uma cozinha de produção.

É isso também que distingue o seu trabalho. Rodrigo Castelo está preso à terra onde cresceu e homenageia-a como ninguém. No menu de degustação, em que logo ao início dá a provar cecina e língua de vaca, curadas de forma diferente por si, há uma sopa de peixe do rio com ovas de barbo e lúcio curado, seguindo-se a fataça com caldo de peixe assado e pêra grelhada. Há um cremoso de caranguejo e lagostim do rio e uma falsa cabidela de enguia fumada e cevada, que se segue ao prato de carne, uma maturada com puré de nabo e jus. É o Ribatejo à mesa.

Restaurante, Cozinha de Autor, Ó Balcão, Santarém
©Mariana Valle Lima

“Eu passo horas e horas a fio à conversa com os produtores, a fazer perguntas, a tentar perceber. Eu perguntava-lhes: olha lá, se o lúcio fosse de mar era o quê? E isso tudo começou assim”, conta. E o mesmo acontece com os frutos secos e a carne. “Nós conhecemos realmente os peixes, as carnes, os vegetais na sua essência, como começam e como acabam. Eles aqui não podem acabar, têm que viver e para viver nós temos de tentar não adulterar muito.”

Cada prato, cada momento – são 13 – é pensado como um acto de uma peça de teatro. E no final “estás bem, não tens fome, nem estás cheia”. “É como aquele espectáculo que vamos e vimos de lá com saudades, queremos ver mais um bocadinho. Aqui dava para comer mais um bocadinho, mas ainda bem que não se come para deixar aquela saudade e criar a vontade de voltar.”

Ó Balcão
Mariana Valle Lima

Ainda é possível pedir à carta, mas ao contrário do que acontecia não há hoje um dia em que não se sirvam menus. O objectivo é claro e Rodrigo Castelo não o esconde de ninguém: conquistar uma estrela Michelin. “Desde que comecei a ser cozinheiro que digo que um dia gostava de ser como os melhores e o objectivo de qualquer cozinheiro que faz este tipo de cozinha é chegar lá”, diz, não deixando transparecer qualquer pressão. Até porque confia plenamente no que faz. “Mas é importante serem as pessoas a sentir isso.”

São os clientes, garante, os seus melhores inspectores. “São eles que vêm todos os dias.”

E com esta mudança até as pessoas dali têm passado mais pelo restaurante, que se quer distinguir também pelo seu compromisso com “desperdício zero”. “E também tentamos que o nosso quilómetro seja cada vez mais o quilómetro zero.”

Ó Balcão
Mariana Valle Lima

No final da refeição, o Ribatejo é celebrado novamente à mesa, desta vez com a oferta de um dominó, onde vem o menu daquele dia. Uma memória de infância de Rodrigo Castelo, uma homenagem ao avô e ao pai. Um convite ao regresso.

Rua Pedro de Santarém, 73 (Santarém). Seg-Ter 12.00-16.00/19.00-22.30, Qui-Sáb 12.00-16.00/19.00-22.30.

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