A Time Out na sua caixa de entrada

Procurar

O Bando debaixo da árvore: assim viveu o último imperador de Moçambique

Escrito por
Miguel Branco
Publicidade

Em Netos de Gungunhana, d’O Bando, estamos sob a copa da árvore que explica a vida do último imperador de Moçambique. Uma lição de história e português para ver a partir desta quinta-feira no São Luiz. 

Sabemos disto desde miúdos. Desde que pedem aos encarregados de educação para assinar a autorização para a dita. Depois é fazer fila para entrar no auditório, dois a dois, meninos, já sabem. Do que falamos aqui? Pois claro, do formato onde tudo se aprende: a conferência. Há um painel de oradores com o nome indicado à sua frente, normalmente especialistas em alguma coisa, e um apresentador para orientar a coisa. É isto. E isto é também a primeira parte de Netos de Gungunhana, espectáculo d’O Bando que estreia esta quinta-feira no São Luiz. A encenação é de João Brites, a dramaturgia é de Miguel Jesus, tudo a partir de As Areias do Imperador, de Mia Couto e à volta do universo de Gungunhana, o último imperador do Império de Gaza, território que deu origem a Moçambique.

João Brites, que também sabe disto desde miúdo – que a conferência é onde tudo se aprende – não hesitou: “Em vez de ter que explicar a história do Gungunhana no espectáculo, que pouca gente conhece, pensei em fazer uma conferência onde se percebe alguma coisa da história e depois arrancar com o espectáculo”. Embora, claro, o espectáculo já lá esteja, na conferência, onde vários especialistas – cuja especialização aqui incide apenas no facto de serem familiares do imperador, netos, mais precisamente – discursam sobre o que lhes sobra de Gungunhana, costumes e passado, sobretudo. Mas não só: há um confronto de sotaques (porque sim, lógico, Gungunhana tinha muitas mulheres e família em todo o mundo) onde, às tantas, se propõe que falemos num português mais padronizado; há definição de personagens e um jogo de troca de lugares. Quase apetece dizer que podiam fazer mais conferências deste género.

Concluída a conferência há uma mudança gradual, as areias vão-se movendo em danças de cadeira, em coreografias com talheres, em canto da terra. Aqueles netos vão-se relacionado, o exército português perto do povo moçambicano, os brancos junto dos negros e os negros junto dos brancos. “Escolhemos fazer o espectáculo em torno da família Nsambe, que tem dois filhos, um que está do lado do exército português, outro que está do lado dos zulus e de Gungunhana, e ainda tem a filha, Imani, tradutora e intérprete. É uma família que é o paradigma de uma família que tem os filhos na guerra, no Iraque, no Irão, e a gente não sabe como é que isto acontece. Baseamo-nos muito em Imani para contar a história do Gungunhana”, explica João Brites.

E mais do que entender a genealogia e a essência do último imperador – que para uns foi salvador e para outros ditador – importa ainda falar de oralidade. É muito a língua, o português, as suas derivações que aqui importam. Prova disso é que o espectáculo é feito entre O Bando, o Teatro do Instante, de Brasília, e a Fundação Fernando Leite Couto, de Moçambique. Estamos, portanto, num elenco multicultural, com elementos dos três sítios, e que fará este espectáculo ir em digressão para ser repensado para cada sítio, para a sua medida. “A gente sabia que queria trabalhar juntos. Por acaso recebemos a visita do Mia Couto, que estava a escrever As Areias do Imperador, e que nos falou das diversas visões da história, o lado polifacetado do Gungunhana. Mais: do ponto de vista mítico, o Gungunhana é tratado como um herói grego. Não estou a tentar defini-lo, dizer que ele é assim ou de outra maneira qualquer, estou a tentar servir-me de um mito que me serve para reflectir sobre o colonialismo e o poder”, enquadra o encenador.  

E por falar em enquadramentos adiantemos ainda que tudo isto nasce e vive debaixo de uma árvore gigante que cobre parte do palco e da plateia. Da chuva estamos protegidos.

De Mia Couto Encenação e cenografia João Brites Dramaturgia Miguel Jesus Com Alice Stefânia, Bruno Huca, Diego Borges, Fernando Santana, Raul Atalaia, Rita Couto, Sufaida Moyane, Suzana Branco e Té Macedo

São Luiz Teatro Municipal. Qua-Sáb 21.00. Dom 17.00. 5-15€.

+ As melhores peças de teatro para ver esta semana em Lisboa

Últimas notícias

    Publicidade