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O Banho de Tomoko, a mais recente criação da Escola de Mulheres, com encenação de Marta Lapa, estreia esta quinta-feira e fala-nos de perda e de uma forma de luto que é continuar a andar.
Dois corpos morrem à vez. Ele coloca-se em pose de corrida, como se fosse arrancar, mas dali só para o chão, como se o ar fosse povoado por partículas que chupam a vitalidade dos seus músculos. Ela tenta avançar, apalpa o que a rodeia como se estivesse cega, só naquele momento. Há uma espécie de suspensão do tempo, um desespero que lhes prende os pés, corrida de obstáculos sem nada de atletismo. Um e outro vão sendo cadáver, para que se perceba que eles estão nisto juntos, que muito da sua resistência se faz do reconhecimento dessa dependência.
O primeiro espectáculo da Escola de Mulheres para a temporada 2019/20 chama-se O Banho de Tomoko, um texto de Catarina Santiago Costa, que parte da fotografia homónima do fotojornalista W. Eugene Smith, onde uma mãe dá banho a uma filha com doença de Minamata, uma patologia provocada por mercúrio lançado à baía do pequeno porto de Minamata, no Sul do Japão, que se instalou nos peixes e na cadeia alimentar dos habitantes locais e fez com que inúmeras crianças nascessem com membros deformados e doenças neurológicas. Ora, a encenação de Marta Lapa é muito menos concreta do que esta ideia, mas agarra-se fortemente ao sentimento de luto, de eu-não-queria-nada-disto: “O objecto surgiu primeiro que o texto. Lançámos algumas coisas, a ideia de perda, a ideia de muro, para já porque politicamente é uma coisa que me bate, não só os muros-cliché que existem agora, mas também os muros interiores, também a ideia de travessia, sim, isso está muito presente. O que começou por ser algo mais abrangente e político tornou-se algo mais pessoal, ligado à ideia de perda, ligado à fotografia de O Banho de Tomoko”, explica a encenadora.
E quando aqui falamos de objecto, falamos desta noção cénica, nesta ditadura dos músculos que convém não confundirmos com coreografia. É uma urgência qualquer, uma ida, mesmo que se saiba que não se vai chegar. E, gradualmente, as palavras foram encontrando o seu lugar nos gritos dos corpos dos dois intérpretes: Vítor Alves da Silva e Teresa Coutinho. A actriz, aliás, apressa-se a admitir: “Houve uma fase de apalpadelas, de relação entre os corpos, na altura pôs-se a possibilidade de não haver tanto texto, mas depois começámos a ir aos poemas da Catarina e a perceber que era um material sobre esquecimento e perda, ou seja, as coisas que eram quase improvisações começaram a ganhar outro sentido. Perda, conjugalidade, por aí.”
Tudo isto num espaço cénico em V, delimitado por cadeiras de um lado e de outro, onde o desenho de luz (de Paulo Santos) assume papel central, é ele que nos dá o poder das imagens, da imobilidade, o alheamento do resto da luz, a possibilidade de apropriação dos olhares deste casal. E não só. Também o som, coisa que podia ser descrita como uma fábrica de fim do mundo, um vale onde cada respiração é um eco vezes infinito, ou ainda como diálogos entre órgãos vitais (fígado e estômago a tomar café), “sinapses” que Pedro Moura, sonoplasta de serviço, tenta traduzir do seu cérebro.
N’O Banho de Tomoko – neste que é mais que uma fotografia – não sabemos bem, sabemos que temos que ir, ou pelo menos tentar.
De Catarina Santiago Costa
Encenação Marta Lapa
Com Teresa Coutinho e Vitor Alves da Silva
Música original Pedro Moura
Luz Paulo Santos
Clube Estefânia – Escola de Mulheres. Qui-Dom 21.30. 6-12€.