A Time Out na sua caixa de entrada

Procurar
Canalha
Francisco Romão Pereira João Rodrigues e Lívia Orofino

O Canalha não é uma tasca nem uma casa de pasto. É o restaurante de bairro de João Rodrigues

O chef, que saiu do Feitoria no ano passado e que tem andado a percorrer o país a cozinhar com produtores, abriu o seu primeiro restaurante. Descontraído e barulhento, com muitos pratos para partilhar.

Cláudia Lima Carvalho
Escrito por
Cláudia Lima Carvalho
Publicidade

Ir às mesas falar com as pessoas nunca foi das coisas que mais gostou de fazer. Apesar de todo o reconhecimento, João Rodrigues sempre passou mais tempo dentro da cozinha. Quem o vê hoje atrás do balcão do Canalha, restaurante que acaba de abrir na Rua da Junqueira, em amena cavaqueira com quem ali se senta, não suspeitaria. O chef está feliz, sem grandes peneiras, dramas ou conceitos, como faz questão de dizer uma e outra vez. A paixão, essa, não esmorece – nem se fica por aqui. 

Canalha
Francisco Romão Pereira

Pouco passa do meio-dia e, quase do nada, a casa compõe-se. No balcão, sobram poucos lugares e para mesas é preciso esperar. “Nós bem tentámos dizer que o restaurante só abria dia 7 para estarmos rotinados, mas ninguém nos quer dar uma hipótese”, começa por brincar João Rodrigues, que deixou o Feitoria em 2022, depois de 13 anos no restaurante com uma estrela Michelin do Altis Belém. “A pandemia fez-nos pensar a todos. Em mim, pelo menos, teve um impacto grande naquilo que é a minha visão em relação a mim e à gastronomia. Sabia que a seguir ao Feitoria teria que vir algo muito diferente, mais pessoal, onde houvesse uma liberdade grande e onde me divertisse”, conta.

Começou com o Residência, que o tem levado a percorrer o país e a cozinhar nos lugares mais inóspitos, rodeado de produtores da zona, dando vida ao levantamento feito no Projecto Matéria, que iniciou ainda no Feitoria. Faltam, neste momento, dois encontros, o próximo dos quais acontece já este fim-de-semana no Alentejo, em Vila Alva. “Juntei-me aos meus sócios, donos do grupo Paradigma [que detém os restaurantes Ofício e Lota d’Ávila], para desenvolvermos projectos diferentes”, explica João Rodrigues.

Canalha, João Rodrigues
Francisco Romão PereiraJoão Rodrigues

Voltando ao Canalha, o segundo passo deste novo percurso, a música, numa playlist ecléctica em português, compõe o ambiente, agitado q.b. O serviço é rápido, mas sem pressas. “Queria ter um espaço destes em Lisboa. Fazia sentido. É um restaurante para as pessoas estarem bem, divertidas, confortáveis. Ninguém vai ser enxotado. As pessoas podem estar o tempo que quiserem”, aponta. “O nome tem a ver com esse lado canalha, de rua, uma atitude.” É tudo menos um insulto. A influência vem de Espanha. “É uma vivência um bocadinho espanhola. É o tipo de sítio que eu mais gosto, onde me sinto melhor.

“Eu sou muito ecléctico, gosto de todo o tipo de restaurante e não faço confusão. Não vou comparar um fine dining com uma tasca ou com um street food. Em tudo, há bom e mau, e eu gosto de um sítio como gosto de outro, mas efectivamente é neste tipo de restaurantes que se encontram muito em Espanha onde vibro mais.”

Canalha
Francisco Romão Pereira

Sabendo o peso que o seu nome carrega e a expectativa que gera, João Rodrigues não quer ter amarras. O produto não é todo nacional, mas é igualmente escolhido a dedo, e nas paredes há até espaço para as televisões que devem estar para chegar. De forma simplista, podemos dizer que o Canalha não é um restaurante de floreados. “O Matéria e o Residência são 100% portugueses e têm como premissa redescobrir o território e partilhá-lo. Este restaurante tem uma ideologia diferente”, explica o chef. “Eu sei que as pessoas provavelmente vêm à espera de encontrar tudo mega XPTO e perfeito, mas não é essa a ideia. A ideia é ser altamente descontraído, ter barulho, estar cheio. Ir à mesa, falar com as pessoas, os talheres caírem… Não tem de ser tudo polido, nem perfeito. Não queremos isso.”

Canalha
Francisco Romão PereiraRaspado de presa de vaca

Para João, a melhor definição do Canalha é ser “um restaurante de produto”. E o que é que isso significa? “É um restaurante onde o produto não está disfarçado, onde se percebe exactamente o que se está a comer. Tem uma cozinha muito directa. Se é lula, sabemos identificar a lula no prato. Se é carne, sabemos identificar a carne. Se são cogumelos, são cogumelos.”

Canalha
Francisco Romão PereiraTortilha aberta de camarão e cebola

Também por isso, à entrada do restaurante, fica a montra com a carne, o peixe e o marisco para ser feito a gosto. Mas há muito mais para pedir, de entradas mais simples como salada russa (4,50€) e pastéis de bacalhau (3,20€/duas unidades), a um raspado de presa de vaca Simental Alex Castani (16,10€) – os produtores vêm assinalados na carta –, que por estes dias se repete em cada mesa. Há molejas de borrego alentejano grelhadas (9,20€), alho francês assado, com pinhões e vinagrete de mel e limão (12€), ou uma tortilha aberta de camarão e cebola (17,90€). De destacar ainda um prato já clássico de João Rodrigues, a lula de toneira grelhada e manteiga de ovelha (25€), além de um guloso carabineiro salteado com ovo frito e batata Laura Raul Reis (29,50€) e um bitoque de lombo (16€). Ao almoço, há sempre os especiais do dia. “Como queremos estar inseridos numa vida de bairro achamos que o prato do dia é uma necessidade”, defende o chef. 

Canalha
Francisco Romão PereiraLula de torneira grelhada e manteiga de ovelha

No dia em que nos sentámos à mesa, numa terça-feira de chuva, havia pataniscas de bacalhau com arroz de feijão (12€) e iscas (12€), além de uma sopa juliana (3,50€). “No prato do dia é cozinha tradicional, sem revivalismo. Não é o bacalhau à Brás transformado, é o bacalhau à Brás”, exemplifica, contando que poderá sempre haver outros pratos fora da carta. “Tem muito a ver com a temporada. É muito provável que hoje não haja uma coisa, amanhã não haja outra. Que amanhã haja um produto porque nos apareceu alguém. Este é um restaurante que tem muito a ver com isso”, diz. “No fundo, é uma casa onde eu quero receber as pessoas. Fazemos comida descomplicada, fácil, espero que saborosa, para que as pessoas possam voltar mais vezes. Não há aqui grandes dramas nem conceitos sequer. Não é uma tasca, não é uma taberna, não é uma casa de pasto, é um restaurante. Um restaurante de bairro.”

Canalha
Francisco Romão PereiraIscas e pataniscas

A acompanhar, uma carta de vinhos bem composta, pensada por Daniel Rocha e Silva (Essencial). “A filosofia é um bocadinho a mesma, neste caso, não nos fecharmos só nas nossas fronteiras. Sabíamos de antemão que não queríamos isso para o restaurante, nem vamos mentir sobre isso. Procuramos efectivamente uma ligação ou que haja algum sentido nas escolhas dos produtos. E eu acho que o Daniel segue a mesma linha que nós em termos de qualidade de produto. [Preocupa-se em] saber como é que ele é feito para garantir que temos um produto limpo. Há aqui um match bom.”

Até abrir o Monda, restaurante onde se revelará por inteiro na Lourinhã, é no Canalha que João Rodrigues estará de corpo e alma, mas não sozinho. A chefiar a cozinha está a brasileira Lívia Orofino. “Acho que quando não partilhas a imagem e o nome da pessoa que está contigo é porque alguma coisa não correu bem. A Lívia teve bastantes anos comigo no Feitoria e sempre provou ser uma pessoa com uma atitude absolutamente extraordinária, com uma capacidade de trabalho muito acima da média, com uma sensibilidade muito grande também e, portanto, eu achei que era a pessoa certa para aqui. Era a altura de lhe dar uma oportunidade e é a altura também de ela se mostrar ao mundo.”

Canalha
Francisco Romão PereiraLívia Orofino e João Rodrigues

Quanto ao Monda, João Rodrigues, revela que nada terá a ver com este Canalha. “Será uma coisa completamente distinta, muito mais profunda, muito mais a ver com o que eu fazia antes, mas com um lado muito mais pessoal. Não esquecer que o Feitoria está dentro de um hotel e, por muito que queiramos vender a ideia que não é, é. E será sempre. No Monda, serei eu a 100%. Será tudo.” Se tudo correr como previsto, ainda abre em 2024, lá para o final do ano.

Rua da Junqueira 207 (Alcântara). 962 152 742. Ter-Sáb 12.00-15.00/19.00-23.00

No Café do Príncipe Real, a nova carta de arroz promete aquecer os domingos mais frios

+ Um ano depois, o Chez Chouette procura a irreverência da juventude para se reinventar

Últimas notícias

    Publicidade