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O encontro de Luis Miguel Cintra e Camilo numa estalagem de Barcelos

Escrito por
Miguel Branco
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Canja de Galinha (com miúdos) é o novo espectáculo de Luis Miguel Cintra, em cena no Museu da Marioneta. Parte de Camilo Castelo Branco para chegar à vitalidade. Receita para a sociedade curar a constipação.

Deves casar na mesma, a simpatia vem depois. Uma voz materna assim o diz a Ludovina, sua filha. Esta apresenta-se à boca de cena, em trajes menores, com o seu amado, que não é aquele com quem o seu pai, Aniceto, a quer juntar. Ludovina come uma maçã e suspira, aquele “ai por favor” em que está contido um “poupem-me”, a impaciência de quem rejeita estas dinâmicas protocolares que a família quer roubar ao amor.

A lua criada pelo projector dá-nos o sinal de noite, as bagagens diversas dizem-nos que estamos numa estalagem em Barcelos, com quartos ordeiramente numerados, um sofá redondo e almofadado, galinhas como testemunhas, castiçais, adufes, violas. Bom, “estamos aparentemente numa estalagem em Barcelos”, vem um diabo anunciar-nos. E com razão. A vida a duas cores é coisa que dificilmente poderemos assegurar com certeza durante Canja de Galinha (com miúdos), novo espectáculo de Luis Miguel Cintra a partir de duas peças de Camilo Castelo Branco, que conta com produção da Companhia Mascarenhas-Martins e que está no Museu da Marioneta até 29 de Dezembro.

A primeira pedra neste projecto vem de um grupo de teatro do Porto, que chegou a falar com Luis Miguel Cintra com o intuito de juntos fazerem algo. Foi aí que desatou à procura de coisas que se ligassem com essa cidade. Pelo caminho apercebeu-se que “o Camilo tem um manancial autêntico de coisas sobre os hábitos da cidade e assim, mas feito com uma crueldade muitíssimo boa e muito moderna”, esclarece Cintra. O projecto foi sendo adiado, o dinheiro não aparecia e se há algo perante o qual não nos podemos conformar é o desperdício. Deu-se também o caso de Luis Miguel Cintra se ter apaixonado por aquele material, por “aquela verborreia violenta do Camilo, que é extraordinária”. “Percebi que havia um concurso para subsídios pontuais ao qual podia concorrer e, nessa altura, o Levi [Martins] veio dizer-me que pelo seu lado tinha sido muito importante a experiência do Um D. João Português e que tinha decidido ser produtor das coisas que dificilmente encontrariam produtor e, portanto, que estava à minha disposição para o que eu quisesse”, conta.

Construiu um guião em que fundiu as duas obras de Camilo e que gira em torno da vitalidade e dos erros humanos. Atirou Ludovina para uma estalagem onde, durante o sono, um grupo de fantasmas de enredo cínico, as “migas” de tempos idos, parecem, como a família, querer roubar-lhe o amor. Ladrões. Mas os bandidos não podem ganhar sempre. Até eles têm que reflectir, têm que considerar “a distância que vai da resignação ao desejo e o abandono do motor do desejo para a vida humana”, que Cintra garante ter querido introduzir por aqui. Mas não só: “O teatro é um utensílio para ajudar a compreender a vida, e não é imitação nem fotografia dela, é uma criação de outro objecto que não é como a vida, mas que fala sobre a vida. Isso é aquilo que se chama de metáfora, algo que as pessoas estão a deixar de saber o que é, nem sabem o que é a palavra, nem sabem fazê-la, porque isso não entra na linguagem do computador”. Esc.

Museu da Marioneta. Ter-Qui 19.00. Sex-Sáb 21.30. Dom 17.30. 5-7,5€. 

A partir de Camilo Castelo Branco
Dramaturgia e encenação Luis Miguel Cintra
Com Ana Amaral, Duarte Guimarães, Ivo Alexandre, Joana Manaças, João Reixa, Rafaela Jacinto, Sérgio Coragem, uma breve intervenção de Luis Miguel Cintra e a voz de Luísa Cruz

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