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Televisão, Séries, Aventura, Drama, Y – O Último Homem
©DRY – O Último Homem

O pós-apocalipse da nova série do Disney+ é cromossómico

‘Y: O Último Homem’, que se estreia esta quarta-feira, é a adaptação há muito esperada dos comics assinados por Brian K. Vaughan e Pia Guerra. A série é mais inclusiva do que o original.

Hugo Torres
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Hugo Torres
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Num momento, está tudo bem: uma senadora ambiciosa demonstra publicamente a sua independência face ao Presidente dos EUA, denunciando o racismo e a misoginia que grassam na base de apoio deste; a mesma senadora que pouco depois estará numa festa de cocktail a cumprimentar a família do Presidente, de sorriso amarelo mas num ambiente e com um discurso muito mais cordiais. Num momento, está tudo bem. No outro, o Presidente está no chão a sangrar por tudo o que é orifício visível e os restantes membros da Administração, generais, seguranças, técnicos, burocratas, todos eles estrebuchando no chão, sobre mobiliário, sobre equipamento, uns sobre os outros. Todos eles; as mulheres, não. Elas, depois do baque inicial, entreolham-se, apreendem rapidamente a realidade e fogem dali para fora. O problema é que não há saída possível. O inexplicável aconteceu em todo o mundo, e não atingiu apenas os humanos, mas todos os mamíferos.

Y: O Último Homem começa assim e não incorremos em qualquer tipo de spoiler se dissermos que deste apocalipse se salva um homem, um único homem – está no título. O que não está, mas também se pode dizer, é que há mais um sobrevivente macho de entre as espécies dizimadas, o macaco semi-domesticado desse homem, e que esse homem, Yorick (Ben Schnetzer), é filho da senadora Brown (Diane Lane, imaculada), a tal senadora que afrontou o Presidente na vertigem do cataclismo e cujo cargo passa a ocupar de facto quando a hierarquia política perece. Estas informações têm duas consequências: primeiro, que Yorick não possui uma característica intrínseca que lhe tenha permitido sobreviver, mas que partilha uma qualquer circunstância protectora com o seu macaco, o que talvez possa ser replicado em laboratório; segundo, que num mundo em que crescem as suspeitas sobre a acção dos governos e as teorias da conspiração, o facto de o único sobrevivente humano ser o filho da Presidente em exercício não é exactamente inócuo. Teme-se um motim e a invasão do edifício do Pentágono, onde a cúpula feminina tem a sua acção coarctada pela ausência de mulheres em sectores-chave, que portanto estão em risco de colapsar por falta de mão de obra qualificada: da energia (necessária, além do mais, para manter os bancos de esperma a funcionar) às cadeias de abastecimento (são raras as mulheres camionistas).

Os três primeiros episódios estreiam-se nesta quarta-feira, 22 de Setembro, no Disney+. A partir daí, será disponibilizado um por semana (num total de dez). Mas não é preciso esperar muito para perceber que a série tem algumas diferenças fundamentais em relação aos comics que adapta. A história de Brian K. Vaughan e Pia Guerra, publicada pela Vertigo (DC) entre 2002 e 2008 em 60 volumes, é aqui actualizada para acompanhar os tempos. Há duas diferenças óbvias: o foco não está tanto em Yorick, um adulto entre o mandrião e o romântico a tentar uma carreira na escapologia, deixando as provações políticas e sociais virem à tona; e, pelo menos na primeira metade da temporada, não se avançam explicações, científicas ou esotéricas, para o androcídio (quase, quase) absoluto. A ficção científica pós-apocalíptica procura verossimilhança, alguma adesão à realidade. Mas é sobretudo nas questões de género que esta versão televisiva se afasta mais do original.

A série frisa que não foram só homens a morrer. Foram pessoas com o cromossoma Y. A determinada altura, a geneticista Allison Mann (Diana Bang) explica a Yorick que é redutor dividir os humanos entre homens e mulheres. E Eliza Clark, a showrunner que conseguiu finalmente levar a adaptação a bom porto (após anos e anos de tentativas falhadas), deixou-o claro em meados de Agosto, numa conversa com jornalistas que a Variety cita: “A masculinidade de Yorick não é o que o distingue neste mundo – é o seu cromossoma Y. O género é diverso e os cromossomas não são iguais ao género. No nosso mundo – no mundo da série – todos os mamíferos com um cromossoma Y morrem. Tragicamente, isso inclui muitas mulheres; inclui pessoas não binárias; inclui pessoas intersexo”. “Estamos a fazer uma série em que mulheres trans são mulheres, homens trans são homens, pessoas não binárias são não binárias, e isso faz parte da riqueza do mundo que temos em mãos”, sublinhou Clark. Nos comics, os homens trans são referidos, mas aqui há uma personagem para lhes dar corpo e rosto: Sam Jordan (Elliot Fletcher), amigo da irmã de Yorick, Hero (Olivia Thirlby), que por sua vez tem um arco narrativo muito mais negro e angustiado.

Diane Lane como Jennifer Brown em Y: O Último Homem
Rafy Winterfeld/FXDiane Lane como Jennifer Brown

A recepção a Y: O Último Homem está a ser amena, mas ainda ninguém atirou a toalha ao chão. Há esperança na segunda metade da temporada e no que pode vir aí quando já não for preciso mostrar (de relance) corpos empilhados, abandonados e putrefactos; quando assentar a ideia de que as mulheres não estão todas no mesmo barco, de que hierarquias e estratificações sociais, assim como diferenças culturais e religiosas, continuam tão vivas como sempre. E quando já conhecermos melhor a agente secreta 355 (Ashley Romans).

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