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Mercado das Migalhas
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O primeiro mercado LGBT de Lisboa pode nunca acontecer

O Mercado das Migalhas, previsto para o início de Julho no Príncipe Real, foi cancelado várias vezes e está agora em guerra com a Junta.

Escrito por
Clara Silva
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“Objectos indesejados em segunda mão, bolos e sanduíches, limonadas e cervejas, autógrafos, canções, poemas, danças, ideias roubadas, abacates germinados, plantas, massagens, cartas de amor, puzzles pintados, um Porsche, sexo, drogas, espanta-espíritos de garrafas de plástico, desenhos e retratos personalizados, organização de um casamento com uma pessoa ou uma árvore, tranças, joalharia, rifas, tarot e bola mágica…” Eram estas algumas das actividades no edital do Mercado das Migalhas, inicialmente previsto para o primeiro domingo de Julho, no Jardim do Príncipe Real, em Lisboa, mas que nunca chegou a acontecer. O objectivo do mercado destinado ao “comércio inventivo e informal de sobrevivência de artistas LGBTQI+ e demais valências identitárias” era “abrir carteiras”, explicam no mesmo documento. “Uma forma de os participantes fazerem uns trocos maiores do que os que a Segurança Social lhes proporciona (quase zero) e dar-lhes uma visibilidade que os equipamentos institucionais, com as suas programações de interesse preponderante, não oferecem.”

Pelos vistos, a programação também não interessou o suficiente para que o mercado – “com objectos em segunda mão, artesanato original, pequenas manifestações artísticas, quinquilharia nostálgica ou comida caseira” – chegasse a acontecer.

Organizado pelos artistas João Pedro Vale e Nuno Alexandre Ferreira e por André e. Teodósio, do Teatro Praga, o mercado seria também uma maneira simbólica de celebrar o Pride na cidade. “Sentimos que este ano, uma vez que a festa e a imagem não poderiam acontecer, pudessem existir outras actividades que visassem a vida de uma comunidade que está muito fragilizada”, conta André Teodósio.

Apesar do carácter solidário e de visibilidade, o mercado não foi para a frente. “A Junta [de Freguesia da Misericórdia] deu inicialmente um parecer positivo, já tínhamos uma declaração da vereação da Cultura. Depois, com as novas medidas aplicadas ao mercado, foi adiado e, entretanto, cancelado. Todas as vezes que tentávamos marcar era cancelado e descobrimos que existiam outros mercados a acontecer, e no mesmo local.”

Depois de exporem o problema nas redes sociais, onde acusam a Junta de “LGBTIQI+ fobia”, foram contactados por um advogado que os está a ajudar nas negociações – que “não foram simpáticas”, adianta André. Para a organização só faz sentido que o mercado aconteça neste jardim, que em tempos albergava a antiga lixeira do Bairro Alto, onde os recolectores, os catadores de migalhas, como eram conhecidos na altura, costumavam juntar-se.

Enquanto não há novidades nem condições para que a primeira edição se realize, o Mercado das Migalhas continua a alimentar as suas páginas de Instagram e Facebook com aquilo a que chamam de “etnografia especulativa”. São pequenas histórias, entre a recriação histórica e a especulação, de figuras marginalizadas da vida da cidade e de “práticas ocultas e invisíveis da comunidade”, diz André. Por exemplo, Eduardo Metzner, poeta e sem-abrigo, o Barão de Catânia, o “barão anti-racista”, ou as Manas Perliquitetes, “as primeiras top-model portuguesas”. “Figuras que atravessam Lisboa e que de alguma forma foram marginalizadas pelas suas opções sexuais, como esta feira é marginalizada pelas suas opções não-normativas, manifestações específicas da comunidade LGBT.”

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