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Não existe pior opção para um dia de calor do que sair de casa com roupa preta. Por que razão estariam então tantas pessoas vestidas de negro no Parque da Bela Vista, às 17.00 da tarde, sem sombras e perante um calor abrasador?
Depois de, em 2023, terem convidado a rainha de todos os góticos, Siouxsie Sioux, o segundo dia da presente edição, sexta-feira, 20 de Junho, foi um dia em que o negrume dominou o cartaz, nomeadamente no Palco San Miguel, o segundo maior do festival. Numa data que continuou a ser marcada pela fraca afluência, o vestuário desta facção da contra-cultura estava em claro destaque.
Naquele que foi um dos principais concertos do dia (e provavelmente um dos melhores que vimos este ano em Portugal), os Model/Actriz, banda de Boston, subiram ao palco, às 20.35, quando o sol ainda raiava forte, para dar uma lição de como fazer um concerto impactante sem precisar de recorrer a ‘fogos-de-artifício’, graças a um carismático e enérgico vocalista – Cole Haden, que subiu ao palco envergando uma pequena mala e um copo de vinho na mão – e a instrumentistas que arranjaram maneiras pouco ortodoxas, mas eficazes, de usar os seus instrumentos.
Mas vamos com mais calma. O quarteto veio apresentar o seu disco mais recente, Pirouette, editado em Maio deste ano e, tal como o vocalista nos garantiu em entrevista, a audiência tem as letras das canções bem estudadas. O grupo impressiona por conseguir manter a brutalidade de um instrumento que associamos a estilos como o noise rock, mas introduzir uma sensibilidade pop contagiante, com refrões que são repetidos pela audiência (se isto não é pop, não sabemos o que é pop). A particularidade é que aqui cantamos letras sobre a promiscuidade sexual – “With a body count, higher than a mosquito”, em “Mosquito” – e a fragilidade de crescer enquanto um homem homossexual – em “Cinderella”, Cole relata a história sobre como queria ter uma festa temática desta princesa Disney quando era mais novo.
Rapidamente, o público que se juntou para ver este concerto – ainda que a passar mal com o calor – e gerou-se uma comunhão num concerto que se tornou bastante intimista. O cantor, em diversas ocasiões, veio cantar para junto do público, tocando nas mãos dos fãs e olhando-os nos olhos, e, inclusive, fez a sua performance, em várias ocasiões, no meio da audiência. Um dos momentos mais altos foi quando obrigou os devotos a irem até ao chão e a saltarem no clímax da canção.
A provocadora banda deixou todos aqueles que os viram satisfeitos, notando-se isso sobretudo nas dezenas que permaneceram após estes abandonarem o espectáculo, para os agraciarem com mais palmas. Mas a música não ficaria por aqui.
Lembra-se do início do filme Blade, com o Wesley Snipes, de 1998? Sim, aquele em que o caçador de vampiros entra numa discoteca repleta de criaturas da noite e os assassina ao som de música electrónica. Os Boy Harsher seriam perfeitos para fazer essa banda sonora.
A dupla norte-americana, constituída pela vocalista Jae Matthews e o produtor Augustus Muller, esteve na colina onde se encontra o Palco San Miguel a servir batidas pulsantes a um grupo de pessoas que, na sua maioria, envergava óculos de sol, apesar de o sol já se ter deitado há demasiado tempo.
Munidos de batidas pulsantes, luzes de cores intensas que provocariam um ataque de epilepsia a quem não estivesse preparado, o grupo cumpriu a missão a que se comprometeram. “Nós somos os Boy Harsher e fazemos música de dança.” Não mentiram.
Psicadelismo e surpresa
Quem também deixou os corpos a mexer sem parar foram os Máquina. O trio lisboeta, apesar de já ter uma boa rodagem internacional, com digressões europeias, aproveitou que estava a jogar em casa para mostrar porque é um dos melhores projectos musicais nacionais.
A sua contagiante energia, movida a influências como o krautrock, o rock psicadélico, mas também a música electrónica e industrial, colocou o pé no acelerador desde o primeiro momento do concerto e nunca mais parou.
Apesar de terem actuado cedo, quando o sol ainda raiva, o que não permitiu criar o ambiente de club que a sua música pede, conseguiram oferecer um belo espectáculo a todos os presentes.
Uma das surpresas do dia foi a performance dos Heartworms. O projecto de Jojo Orme teve a responsabilidade de inaugurar o Palco San Miguel neste dia e fê-lo da melhor forma possível.
A apresentar o disco de estreia, Glutton for Punishment, uma pérola por descobrir entre os melhores lançamentos de 2025, foi possível escutar uma música que se movimenta entre a sensualidade misteriosa de estilos como o post-punk ou o goth rock, dançar com dance-punk, mas também sentir a brutalidade de uns laivos de doom metal.
Apesar de o calor não combinar com os outfits, foi uma bela maneira de começar um dia repleto de concertos que incluiu ainda FKA Twigs, Scissor Sisters ou Róisín Murphy.
O festival chega ao seu derradeiro dia amanhã, 21 de Junho, com Damiano David, Jorja Smith e BadBadNotGood.
Parque da Bela Vista. 19, 20 e 21 Jun (Qui, Sex, Sáb). 55€-105€
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