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O último grande herói da Linha de Sintra

Escrito por
Miguel Branco
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40 Mil Quilovátios é uma co-produção entre o teatromosca e a Musgo, duas companhias da Linha de Sintra que nos oferecem a história de um justiceiro do bairro. A banda sonora original é de Allen Halloween. Faz todo o sentido.

“PAIS FALHADOS, amigos pedrados/ Não vejo maneira de sair deste buraco/ Miséria, crime, lixo, bicho/ Niggas a roubarem para alimentarem vícios”. Eis os primeiros versos de “Dia de um dread de 16 anos”, tema de Allen Halloween que encaixa na perfeição naquilo que é 40 Mil Quilovátios, espectáculo que esta quinta-feira se estreia no AMAS – Auditório Municipal António Silva, casa do teatromosca em Agualva-Cacém. A prova está no facto de o rapper de Odivelas assinar a banda sonora original desta co-produção entre o teatromosca e a Musgo – também sediada em Sintra –, que conta com texto de Paulo Campos dos Reis e encenação de Pedro Alves.

Os versos de arranque da primeira canção que Halloween fez para este espectáculo são mais polidos, mas nem por isso menos da street, nem por isso menos ser preso por roubar um croissant no Minipreço, nem por isso menos fuga da GNR (“geninhos”), nem por isso menos 40 mil quilovátios, que é o valor correspondente à tensão dos cabos eléctricos que alimentam carruagens ferroviárias: “Sozinho numa manhã de Outono/ Cheio de frio e sono/ Caminho como um lobo/ Atrás do meu sonho”.

Recuemos para explicar que o autor do texto e o encenador do espectáculo se conheceram quando trabalharam na Chão de Oliva, em 1997, antes de terem fundado o teatromosca em 1999e de Campos dos Reis ter lido um artigo de José António Cerejo, no Público, sobre um super-herói dos subúrbios. Era a história de Felisberto Cabral, ou “O Corvo”, que fazia, na zona da Linha de Sintra durante os anos 80/90, justiça pelas próprias mãos. Nessa altura, já discutiam o facto de o teatro não reflectir as vivências do território em que se inscreviam. Ora, 40 Mil Quilovátios é precisamente esse feito, esse salto da Linha de Sintra para o palco, com os seus sítios particulares, o seu dialecto próprio, essa vida real que nós, burgueses de casas envidraçadas, desconhecemos.

O cenário ergue-se pela sujidade presente em vários colchões pintados de todas as cores, mais cadeiras que marcam o corpo dos intérpretes como se estes tivessem estado a mudar o motor de um automóvel. E enquanto seguimos o percurso do Corvo, temos ainda momentos de outra ordem, quadros mais dados ao corpo, a um teatro físico quase coreográfico. Algo que já não é novidade no estilo de Pedro Alves: “É um desejo meu que vem ganhando cada vez mais força, de trabalhar numa zona mais performática, trabalhar numa zona em que, com ou sem texto, a presença dos corpos em cima do palco seja menos mediada por elementos externos, que estes corpos não sejam formatados nem domesticados. Agrada-me a ideia de os corpos estarem todos cagados, essa sujidade parece-me que rima bem com aquilo sobre o qual nos estamos a debruçar. É que a malta daqui de Agualva– Cacém tanto está aqui a ver um espectáculo da Phia Ménard, como está no cabeleireiro a falar da Jéssica Athayde ter comido a placenta, e eu gosto disso”. Como não?

AMAS – Auditório Municipal António Silva. Qui-Sáb 21.00. 3-5€.  

De Paulo Campos dos Reis
Encenação Pedro Alves
Com Carolina Figueiredo, David Mendes, Pedro Alves, Ricardo Soares
Banda sonora original Allen Halloween

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