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Nuno Ramos e Rodrigo Gonçalves, Oficina do Cego
Arlei LimaNuno Ramos e Rodrigo Gonçalves, Oficina do Cego

Oficina do Cego deixou de estar às escuras. Nova casa abre este mês na Estrada de Chelas

A associação dedicada às artes gráficas instala-se em edifício contíguo à Imprensa Nacional, onde vai experimentar de serigrafia a tipografia, na forma de cartazes e postais. A inauguração é a 27 de Abril.

Rute Barbedo
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Rute Barbedo
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Era um armazém bastante deteriorado, vazio e sem acção numa cidade sedenta de espaços dispostos a receber criadores e criações. Do outro lado, era uma associação sem fins lucrativos, que começou nas casas dos seus inventores (apaixonados por artes gráficas), passou para um espaço partilhado na zona de Santa Apolónia (o Atelier Concorde), migrou para a rua onde se fez adulta (Sabino de Sousa, na Penha de França), de onde foi obrigada a sair, e esteve até ao final do ano passado num “espaço com poucas condições”, no Quartel do Largo do Cabeço da Bola (que todos os colectivos foram obrigados a abandonar). Cansados de ler? Pois bem. Esta é a vida da Oficina do Cego e de muitos outros colectivos sem fins lucrativos que tentam permanecer em Lisboa. Só que a história da Oficina tem um “final” feliz e, entre as 11.00 e as 19.00 de 27 de Abril, dia de inauguração do novo espaço, é isso que se celebra. Além de comida e bebida, há tempo para criar cartazes para o 1.º de Maio, imprimir papel de embrulho em serigrafia e fazer um mural. “Se aparecer, dê-nos uma palavra! Nós damos o papel e a tinta”, diz a associação.

“A ideia surgiu da Imprensa Municipal, porque eles estavam à procura de alguém que desse formação nesta área”, introduz Nuno Ramos, da associação, enquanto guia a Time Out pelos mais de 150 metros quadrados da nova oficina (o dobro da dimensão do lugar que ocuparam entre 2013 e 2022 na Penha de França). A “área” são as artes gráficas, o que inclui auto-edição, encadernação e muita experimentação, passando pelas técnicas de tipografia, serigrafia, gravura ou stencil. Já em 2022, quando a Oficina do Cego saiu da Sabino de Sousa, motivada pela venda do espaço, pediu apoio à Câmara Municipal de Lisboa (CML) no sentido de poder prosseguir com a sua missão, de preservar a manualidade nas artes gráficas, mas também de produzir objectos de culto e desacelerar o passo do século (ainda que numa micro-escala). O lugar apareceu  com espaço para trabalhar, vender edições limitadas e conviver  no início deste ano e, em Fevereiro, as gruas foram chamadas a transferir parafernália pesada (de prensas a impressoras e móveis) para a Estrada de Chelas. O protocolo de cedência do espaço com a CML é de três anos, por isso, até ao final de 2026, quem estiver interessado em fazer-se associado, encadernar ou serigrafar deve entrar pelo portão do número 101. 

Oficina do Cego
Arlei LimaOficina do Cego

“Estivemos seis meses sem actividade. Arrumámos as coisas no Quartel [do Largo do Cabeço da Bola] em Agosto e ficámos um pouco sem saber como seria”, conta Nuno, lembrando outros momentos da história da Oficina em que ficaram com o futuro às escuras. “Na pandemia, por exemplo, tivemos sérias dúvidas se iríamos conseguir continuar. E depois há outra coisa: se não tivermos um espaço na cidade, onde vamos pôr tudo isto? São máquinas grandes e pesadas, ninguém tem espaço. Não são coisas que se possam guardar em casa.”

Sextas-feiras sociais e mais técnicas a entrar

Ter um espaço maior e com todas as condições para manobrar a essência das artes gráficas vai permitir à Oficina retomar as suas Sextas-feiras Sociais  momentos de convívio em que se pode conhecer e participar nas actividades da associação, mas onde também podem acontecer projecções de filmes ou criações espontâneas em grupo — e trazer novas técnicas à Oficina, como a risografia (técnica de impressão criada no Japão dos anos 80, quando se migrava para o digital) e a mimeografia (processo que permite fazer cópias em grande escala). Da Estrada de Chelas, no entanto, fica fora a cianotipia, já que instalar uma câmara escura neste armazém é, para já, uma tarefa impossível, dada a abundante entrada de luz por todas as frentes.

Já o resto é para manter. “Temos o nosso curso anual de auto-edição, que é talvez a nossa acção principal. Vamos continuar a produzir cartazes, livros, vamos receber estágios… E temos também um programa de residências”, enumera Nuno Ramos. Ao mesmo tempo, a Oficina do Cego continua a receber associados, porque é deles que ela se faz. “Quem quiser deve enviar uma proposta formal, a explicar por que razão se quer tornar associado. Depois, a proposta é analisada”, explica Nuno, que faz questão de esclarecer que, aqui, ser associado implica pôr as mãos na massa, explorar a oficina e as suas ferramentas. “Ninguém vem só ver. Só se aprende a fazer.” E um exemplo é este: “Quando aqui chegámos, há uns dias, estavam pessoas a imprimir nos braços”, conta Nuno, dando um pouco a ideia do nível a que as experiências tipográficas podem chegar.

Museu vivo

Além da possibilidade de fazer, a Oficina do Cego é também um museu vivo de maquinaria do passado industrial português. O mimeógrafo, por exemplo, está a caminho desde o Porto, há um duplicador que veio de uma escola primária de Guimarães e outros instrumentos vão aparecendo das mãos de amigos e conhecidos em vez de terminarem desfeitos em “ferro para fundir”. 

Oficina do Cego
Arlei LimaOficina do Cego

Por outro lado, aqui, entre estas paredes, não se deixa perder a origem e o tempo natural dos processos que conhecemos nas artes gráficas digitais de hoje, em que “é tudo feito muito rápido, no ritmo acelerado dos computadores”. Como nota Nuno Ramos, “nos anos 90, parecia que tudo isto ia acabar, mas depois o interesse voltou”, num movimento possivelmente justificado pelo “cansaço do digital”. “Agora, até o digital tenta imitar um pouco os efeitos destas técnicas, para conseguir outro aspecto. Tenta imitar a falha, os desacertos”, os aspectos imprevistos na grelha de actuação de uma máquina, como lembra Rodrigo Gonçalves, também da Oficina. 

Ainda a afinar os últimos detalhes no novo espaço, a Oficina do Cego já está, apesar disso, a dar fogo a várias peças. No dia 20, foi à Fundação José Saramago para ensinar a fazer cartazes para o 25 de Abril; no dia 27, como já referimos, empenha-se na memória visual do 1.º de Maio. Vamos vê-los, certamente, nos cartazes do futuro, por aí.

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