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Os "Aliens" aterraram na Politécnica

Escrito por
Miguel Branco
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Os Aliens, de Annie Baker, é a nova peça dos Artistas Unidos, com encenação de Pedro Carraca. As traseiras como lugar de resistência à ordem seduzem qualquer perdido. 

Estamos nas traseiras de um café de terriola. Aquele sítio onde se empilham grades de cerveja, onde se deposita o lixo diário, onde os empregados fazem intervalos. E não só. Em Os Aliens – peça de Annie Baker que estreia esta quarta-feira no Teatro da Politécnica, com encenação de Pedro Carraca –, esse espaço é o refúgio, praticamente casa, de dois amigos estacionados no tempo, estilo já-não-acredito-na-humanidade. Uma lata de refrigerante cortada a meio serve de cinzeiro, colocado em cima de uma mesa de plástico verde, onde desarrumam pensamentos e desvarios, onde cantam os êxitos de uma quase-banda que tiveram e cujos nomes foram ou podiam ter sido coisas como Os Homens-Rã, Apertos de Mão Frouxos ou até Os Aliens. Não se passa nada.

Pelo menos até o descanso, talvez tertúlia, de KJ e de Jasper, ser interrompido por Evan, um rapaz de 17 anos que é novo no café e que vem, a mando dos seus superiores, dizer-lhes que não podem estar ali. Não podem, mas vão ficando, e Evan vai-se juntando, vai recebendo aulas de contemporaneidade gratuitas, cigarros de enrolar, músicas d’Os Aliens – que já agora é em honra a um poema de Charles Bukowski – e excertos do romance que Jasper está a escrever. KJ desistiu da faculdade, recorda recorrentemente as canções da sua banda e adora misturar cogumelos mágicos no seu chá das cinco, ou de uma hora qualquer.

Pedro Carraca descobriu Annie Baker quando fez O Cinema, em 2017 e ficou agarrado à simplicidade da autora, tudo directo ao assunto e sem grandes vestes: “Ela está a falar de uns tipos em Winnipeg, ou seja lá onde for, e eu tou a ver uma data de gente na Damaia que ainda hoje toca nos jardins, poderiam ter sido várias coisas mas continuam a tocar no jardim”, afirma o encenador. O mesmo que admite ter sido seduzido por esta condição marginal que assola estes dois amigos, sem trabalho nem vontade de contrariar esta paralisação. “Faz-me lembrar esta geração das margens. São dois gajos frustrados, falhados de certa maneira, não reconhecidos, mas que se alimentam um ao outro e que têm uma lógica de vida montada que lhes chega perfeitamente. O que acho de engraçado é que olhamos para eles, vemo-los falhados, mas têm 30 anos, não estão propriamente no fim da vida, há coisas que ainda se podem fazer, embora ao olhar achemos que vai ser assim a vida toda”, avisa Pedro Carraca.

É a decadência da proximidade ao contentor do lixo, a impavidez com que se deixam ficar, de pés pousados nas grades de cerveja. E essa ideia de assumidamente não se passar nada, nem se querer que se passe grande coisa, parece cativar Evan, que vem à festa de 4 de Julho ouvir passagens do romance de Jasper, trazendo brownies e licor de menta. E por ali vai ficando, como se já fosse parte, como se fosse um enorme fã de uma banda que nunca existiu.

Texto Annie Baker. Encenação Pedro Carraca. Com Afonso Lagarto, Pedro Caeiro, Pedro Baptista

Teatro da Politécnica. Ter-Qua 19.00. Qui-Sex 21.00. Sáb 16.00 e 21.00. 6-10€.

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