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Os Artistas Unidos atiram-se Do Alto da Ponte, de Arthur Miller, no São Luiz a partir desta quinta-feira. A obsessão nunca foi boa conselheira.
A luz é própria das docas nova-iorquinas nos anos 50: fosca e ténue. Estamos nos bairros adjacentes aos portos e aos barcos, há esse ambiente de vagão, de eco, sombras que saem à noite. É o que vemos da Ponte de Brooklyn, também vizinha. Numa casa modesta vive o casal Beatrice e Eddie Carbone, um estivador que criou Catherine, sobrinha órfã, como se fosse sua filha. Dito isto temos o primeiro passo para o caldo se entornar. Um homem sem filhos, tradicional, com medo da América, até um corte de cabelo consegue achar ousado. Mais ainda quando, em sua casa, acolhem Marco e Rodolpho – primos de Beatrice que vêm da Itália clandestinamente para cumprir o sonho americano – e este segundo, loirinho, se enamora com a sua sobrinha. Do Alto da Ponte, de Arthur Miller, com encenação de Jorge Silva Melo, é o novo espectáculo dos Artistas Unidos para ver a partir desta quinta-feira no São Luiz.
Mas esta não é uma mera história de um pseudo-pai a não gostar da pinta do cavaleiro que resgatou a sua filha-princesa. É também o reflexo dessa ida eventual ida no espelho de Eddie, que para novo é que já não vai: “É um homem que não tem filhos. E a sobrinha está a crescer, a querer sair de casa, arranjar emprego. Terá ele uma atracção sexual pela adolescente que viu crescer? Ou tem apenas medo do tempo que passa, de ver concluída a sua protecção, de ficar velho e sozinho? Será tudo isto e é a sua mulher que o entende: ‘é doentia esta fixação na rapariga, tens de a deixar viver’”, explica Jorge Silva Melo.
Ele que se lembrou de Do Alto da Ponte quando estava a editar o número 100 dos Livrinhos de Teatro dos Artistas Unidos. Eram duas obras de Miller: A Morte de um Caixeiro Viajante e Do Alto da Ponte. Foi aí que decidiu que tinha que fazer esta “obra-prima”. “O que é poderoso nele é a profundidade com que desenha as contradições de cada personagem, como nos faz entender a sórdida delação de Eddie, homem bom e traidor, a dupla personalidade de Rodolpho, adolescente ávido de novas sensações. E isto sem o folclore realista que muitas vezes lhe é associado, sem toalhas aos quadrados nem spaghetti como viram os americanos ao desembarcarem na Itália do fim da Guerra. Ele constrói aqui uma tragédia, um dilema sem solução”, enquadra o encenador.
E se se fala de delação, de homem bom e traidor, já se está a ver o que vai acontecer. Por outra, já se está a ver aquilo que Eddie não vai conseguir evitar fazer tendo dois primos italianos sem documentos em casa. E como isso vai magoar Catherine. E como isso vai deixar Eddie sozinho. E de como nunca conseguiremos defender um homem que colaborou com a polícia.
De Arthur Miller Encenação Jorge Silva Melo Com Américo Silva, Joana Bárcia, Vânia Rodrigues, António Simão, Bruno Vicente, André Loubet, Tiago Matias, Hugo Tourita, Gonçalo Carvalho, João Estima, Romeu Vala, Hélder Braz e Inês Pereira
São Luiz Teatro Municipal. Qua-Sáb 21.00. Dom 17.30. 5-15€.