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Os videojogos estão a tentar ser mais inclusivos. O Access prova-o

O novo comando Access, para a PlayStation 5, foi concebido a pensar nos jogadores com incapacidades motoras. Fomos perceber até que ponto isto os ajuda.

Luís Filipe Rodrigues
Escrito por
Luís Filipe Rodrigues
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“Nos videojogos, podia fazer aquilo que não conseguia na realidade. Jogar futebol, correr, etc.” As consolas eram meios de transporte “para outra realidade”, uma realidade melhor, nas palavras de Bruno Osório, que nasceu no ocaso da década de 1980 e cresceu com paralisia cerebral. Hoje, não tem “qualquer pudor em falar da [sua] incapacidade”, nem deixa que ela o defina. “Mas na infância e na adolescência, quando me dei conta de que tinha uma limitação e que isso me impedia de fazer várias coisas no dia-a-dia, os jogos foram muito importantes”, recorda. Desde essa altura que tem uma ligação umbilical com estes mundos virtuais. 

A história de Bruno está longe de ser a única. Está entre cerca de oito mil milhões de pessoas no planeta – e mais de três mil milhões passaram algumas horas imersas em jogos de vídeo no ano passado. Falamos de mais ou menos 40% da população. Ao mesmo tempo, no Norte global, estima-se que pelo menos um terço dos jogadores tenha algum tipo de incapacidade. Se os números forem iguais noutras regiões, podemos estar a falar em aproximadamente mil milhões de jogadores com deficiência. Não admira que, nos últimos anos, as maiores empresas do sector tenham começado a prestar atenção e a ter mais cuidados com esse segmento do público. O comando Access da Sony, à venda desde Dezembro, é o mais recente acessório concebido para facilitar a vida dessas pessoas.

Apresentado em Janeiro de 2023, durante o Consumer Electronics Show (CES), em Las Vegas, quando ainda era conhecido como Project Leonardo, este comando foi desenvolvido em parceria com organizações que se esforçam para tornar os videojogos mais acessíveis para pessoas com incapacidades psicológicas, físicas ou motoras, como a AbleGamers, a SpecialEffect e a Stack Up. É o culminar de um trabalho continuado e consciente da parte da Sony, uma tentativa de assegurar que tanta gente quanto possível consegue desfrutar dos jogos produzidos para as consolas PlayStation. Um esforço que – até agora – se traduzia apenas na inclusão de opções de personalização e adaptação ao nível do software.

O Access foi concebido para resolver os principais desafios que as pessoas com diferentes tipos de incapacidade física ou motora enfrentam quando tentam jogar. O mais óbvio é a falta de precisão ao premir os botões e gatilhos, ou inclusivamente a impossibilidade de manejar um joystick – para menorizar estes problemas, inclui 19 coberturas de botões, com diversas resistências e texturas; e três tipos de manípulos com formas e tamanhos distintos. Já para quem tem restrições musculares, o mais difícil é segurar o comando durante longos períodos de tempo. A pensar nisso, este pode ser pousado em qualquer superfície e usado como se fosse quase um teclado. Ainda é possível juntar-lhe outros acessórios, ou até um segundo comando, de modo a personalizar a experiência e resolver problemas específicos.

Este não é o primeiro periférico desenvolvido para permitir às pessoas com impedimentos físicos ou motores jogarem os seus títulos favoritos. A Microsoft foi a primeira grande empresa a prestar atenção a este segmento de mercado, quando há cerca de cinco anos introduziu o Xbox Adaptive Controller. Tal como o Access, foi concebido em parceria com organizações não-governamentais e funciona como um hub ao qual podem ser ligados mais dispositivos e acessórios, incluindo comutadores, botões ou joysticks, dependendo das necessidades específicas de cada utilizador. Alguns anos depois foi a vez da Hori, em parceria com a Nintendo, criar o Flex Controller para a Switch. Mais uma vez, o seu fabrico recebeu o input de jogadores com distrofia muscular, paralisia cerebral e outros problemas.

“É sempre positivo quando uma marca como a Playstation – como um ecossistema com aquela envergadura e há tantos anos no mercado – se predispõe a aprender e a melhorar a [nossa] experiência”, considera Bruno Osório. “O Access é um bom exemplo de como se deve começar a fazer o caminho da acessibilidade, da inclusão. Tem sido agradável usá-lo. Exige alguma adaptação, mas há coisas que consigo fazer que não conseguia com o DualSense”, detalha. “Enquanto jogador, acho que ainda terá de haver outro nível de design. Mas, para um primeiro estágio nessa área da Sony, penso que está num nível bom.”

Bruno não é apenas um jogador. É também o presidente do Adamastor Studio, com experiência na produção de jogos para telemóveis e dispositivos de realidade virtual, e da empresa tecnológica Foxtech Portugal. “Ao longo dos anos, aprendi a jogar, a observar e a desenvolver jogos”, elenca. A sua avaliação do Access é enformada por todas essas experiências. “O facto de ser altamente personalizável é já bastante interessante, tal como comunicar com o DualSense e ser quase um complemento. Ajuda muito, principalmente a mim, que tenho um braço que funciona a 99% e outro que só tem 20% de mobilidade”, diz. “Acho que está mais bem conseguido e trabalhado do que a solução da Microsoft.”

Nem tudo são rosas, porém. “Na minha opinião, algo que tem de ser melhorado numa próxima versão é o formato. Em vez de ser uma espécie de disco voador, tem de dar ao utilizador a oportunidade de pegar nele como pega num comando normal. Para mim não é interessante, nem possível, às vezes, ter uma mesa onde pousar o Access”, queixa-se. “No entanto”, sublinha, “para uma primeira versão já temos ali alguma coisa bastante sólida. Que ajuda muito os jogadores com mobilidade reduzida em quase todos os aspectos.”

A engenheira de software e streamer portuguesa Soficious pronuncia-se frequentemente sobre questões de inclusão e representatividade nos videojogos. E foi uma das primeiras pessoas em Portugal a experimentar o novo periférico da Sony. Aprecia o tamanho dos botões, a possibilidade de personalização e o conforto do comando, ao ponto de considerar continuar a usá-lo para jogar certos títulos, apesar de não ter qualquer incapacidade motora. Reconhece, no entanto, alguns problemas. O mais óbvio é o facto de só ter um manípulo – e a maior parte dos videojogos actualmente usar dois. “E há a questão da base do comando fugir, de deslizar na secretária. Sobretudo em jogos com mais acção”, avisa.

Não obstante, está entusiasmada. Não só com o comando Access, mas com o que ele representa. “[A maioria] não tem noção da quantidade de pessoas que não conseguem utilizar coisas extremamente simples” porque as empresas não se esforçam para garantir a acessibilidade dos produtos. “É excelente, por isso, ver a PlayStation a preocupar-se cada vez mais com estas questões e a apostar no hardware”, considera. E não é um caso isolado. “A Ubisoft presta muita atenção à acessibilidade. E a Xbox também, talvez por ser uma subsidiária da Microsoft, que é uma grande impulsionadora da acessibilidade no dia-a-dia, no software. Vejo cada vez mais empresas relacionadas com os videojogos a apostarem nisso”, conclui. “Se é suficiente? Não. Ainda temos muito, muito terreno a cobrir.” 

Um problema, por agora, pode ser o preço. Estatisticamente, as pessoas com deficiência auferem rendimentos abaixo da média e quer o PlayStation Access, quer o Adaptive Controller da Xbox, custam 89,99€, um pouco mais do que os comandos tradicionais. E o Flex da Hori é ainda mais dispendioso: 249,99€. Isto sem contar com o custo de outros componentes e periféricos que seja necessário juntar-lhes. É possível que, à medida que estes acessórios se tornem mais populares, estes valores venham a diminuir – a proposta da Microsoft era mais cara quando foi lançada, em 2018. Questionada pela revista Wired, em Dezembro, a Sony não descartou a hipótese de reduzir o preço do Access no futuro. Para o tornar ainda mais acessível.

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