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Picamiolos: o Alentejo trocado por miúdos no Cais do Sodré

Escrito por
João Pedro Oliveira
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Há um novo restaurante de cozinha tradicional alentejana em Lisboa. Tem a mão de José Júlio Vintém, do Tombalobos, em Portalegre, e aposta em miudezas, extremidades e outras coisas incríveis.

Pâncreas de borrego, gordura de porco, coração de boi. Assim descrito, o menu é capaz de afugentar alguém. Mas espere, não torça já o nariz nem dê a corda aos sapatos. Leia antes assim: molejas de borrego, pétalas de toucinho, salada de tomate coração de boi. No Picamiolos, a carta constrói-se à volta de miudezas e extremidades, mas nem tudo o que parece é. Há os produtos que são para aqui chamados pela afinidade semântica – seja o dito tomate, que há-de voltar quando for o tempo dele, sejam as pontas de espargos ou o coração de alcachofra, que já se vai servindo em salada –e há os outros, os que são precisamente o que são – moleja é mesmo a glândula do bicho. Entre uns e outros, há muito para descobrir num novo restaurante de cozinha tradicional alentejana onde havemos de encontrar mais conforto do que desafio. Tudo com assinatura de José Júlio Vintém, o chef que há anos convoca romarias até Portalegre para comer no Tombalobos.

O chef José Júlio Vintém
Fotografia: Manuel Manso

“Há aqui um desafio”, assume Ricardo Santos, o sócio que foi desassossegar José Júlio à Serra de São Mamede. “Queremos ir levando as pessoas a experimentar coisas novas, texturas e até sabores a que talvez não estejam habituadas. Mas também vamos ter comida de tacho, tentar criar hábitos, para as pessoas saberem que se vierem aqui a uma terça-feira ao almoço comem um cozido de grão, um arroz de línguas de bacalhau.” Os hábitos virão com o tempo, e os almoços também, que por agora a casa, dividida em dois pisos e uns generosos 140 lugares, só abre para jantares (é esperar mais uma semana ou coisa que o valha). Mas o essencial já cá está: “uma cozinha trazida do Alentejo, sempre com essa especial atenção a tudo o que são extremidades e miudezas, mas essencialmente boa e verdadeira”, resume o chef, assumindo que teve alguma dificuldade em resumir: “quando fiz a primeira recolha de pratos, listei uns 500, só de coisas, digamos assim, mais ou menos esquisitas”, ri-se. No fim, ficaram 18. Mas isso é apenas o princípio.

Pétalas de toucinho
Fotografia: Manuel Manso

“Ontem chegaram 28 quilos de lagostins do rio, apanhados por um conhecido do Zé Júlio”, conta Ricardo. “Fizemos aqui e ficaram óptimos. Também vieram trazer uns cachaços de bacalhau e vamos experimentar fazer umas pataniscas, que é muito diferente de fazer com as partes normais do bacalhau.” José Júlio confirma que a carta terá vida própria: “Vai ser uma selecção natural feita pelo cliente.” 

Molejas de borrego
Fotografia: Manuel Manso

Comecemos pela selecção inicial. Nas entradas há as pétalas de toucinho (6€) que ganharam justa fama em Portalegre – imagine uma lâmina transparente de toucinho levemente aquecida no forno, com alho picado, limão e tomilho a cortar a gordura. “Muita gente prova sem saber o nome e não adivinha o que é. Houve quem me perguntasse se era uma alga”, ri-se o chef. E depois há as molejas de borrego (9€) e o focinho de porco grelhado (9€) – dois desafios obrigatórios de textura e sabor – mais miolos de borrego panados (10€) ou orelha de porco grelhada (7€). Mas não se acanhe, que também há coisas menos estranhas como costeletas de coelho fritas ou umas aparentemente deslocadas mas belíssimas argolas de lula frita (ambas 12€). 

Focinho de porco
Fotografia: Manuel Manso

Tudo isto é para picar e dividir, incluindo os pratos de mais substância. Uma açorda de fraca (14€) que deixa saudades imediatas, rabo de boi com puré de cheróvia (16€), touro bravo grelhado (25€), barriga de atum com puré de grão (28€) ou costeletas de sardinhas com arroz de tomate (14€). Nas sobremesas (todas entre 4,5€ e 6€) encontra mousse de chocolate com crumble de bacon (faça a si mesmo o favor de não torcer o nariz) ou sericaia com compota de ruibarbo. O pão vem ainda em massa crua desde a Porta Nova, junto a Tavira, é cozido por cá e está à altura do resto. A carta de vinhos aposta em rótulos mais consensuais e começa nuns muito aceitáveis 10€ por uma garrafa de Castelo de Alba.  

Também em breve, no piso de baixo, a porta da Rua do Corpo Santo há-de abrir toda a tarde para petiscos. “Os horários, os clientes, a carta, os pratos, tudo isto”, resume Ricardo Santos, “é para ir experimentando e vendo”. Como que lembrando que o gerúndio é um dos grandes ingredientes da cozinha alentejana.

Rua do Corpo Santo, 4 (Cais do Sodré). 21 5890487. Seg-Sáb 19.00-00.00.

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