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Sentadinhos no escuro a aprender a ser espectador

Escrito por
Miguel Branco
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Estreia esta quinta-feira, no CAL-Primeiros Sintomas, o novo espectáculo de Lígia Soares. Civilização é meio reprimenda, meio desabafo. Nem sempre é fácil ser espectador.

Folhas de Palmeira dispostas em cena. Depressa se diz ao espectador que não é por esta vegetação estar aqui, não é por este palco agora se assemelhar mais a uma selva, que isto agora vai ser mais exótico ou selvagem ou narrativo. Mais depressa ainda se entende que o espectador não veio aqui ver um enredo dramático tradicional. Quais personagens!

Civilização – o novo espectáculo de Lígia Soares, a estrear esta quinta-feira no CAL-Primeiros Sintomas e escrito na primeira edição do Laboratório de escrita para teatro do Teatro Nacional D. Maria II – é mais uma provocação em voz irónica e ardente, uma revolta perante o lugar escuro que o público ocupa, do que um espectáculo teatral. No limite, é as duas coisas.

Já em Romance, espectáculo que estreou em 2015, a criadora pensava o público, através de um mecanismo que exigia a sua participação. Aqui não se vai tão longe, mas pode bem dar-se o caso de o público sentir necessidade de participar, sobretudo perante os insultos constantes a que está sujeito, quase como se gerasse o efeito oposto. Isto é, agora que um artista me coloca na berlinda vou fazer qualquer coisa para que se perceba que não é por mim que o público, no geral, é visto desta maneira. Bom, seja lá o que for, aconteça o que acontecer, Civilização é mais um episódio do trabalho desenvolvido por Lígia Soares e que continua a querer trabalhar esta questão: “É um texto escrito numa voz muito pessoal, que me é natural. Escrevo muito assim na primeira pessoa e muito nessa relação de dissecação do teatro ou do seu contexto. Estou sempre um bocadinho às voltas a pensar como é que um espectador se pode sentir parte de uma peça de teatro. Convocar a sua presença e tornar isso parte do jogo. Aqui tentei fazer uma analogia directa à questão da passividade, do estarmos à espera de ver alguma coisa, e também a ideia de nos representarmos a nós próprios como humanidade”, explica.

A Actriz – nome da personagem interpretada por Lígia Soares – não desiste. Os minutos passam e lá continua a desabafar incessantemente, num azedume que só aparentemente não se auto-questiona, num ritmo de quem tem estas coisas guardadas há um tempão. Seguimos ao sabor da sátira em relação ao elogio do individualismo, a valorização da sensibilidade de cada um, a filosofia ocidental do século passado. Não passaremos demasiado tempo dentro de nós próprios? “A nossa acção é se calhar um pouco inócua, que lida só com o discurso sobre nós próprios, sobre o que pensamos, as nossas opiniões, mas em que é que isso nos leva a ter alguma importância em relação aos outros ou a coisas mais concretas?”, questiona Lígia.

Pelo meio, tempo para um intervalo: a actriz quase desarma e conta que foi à esteticista no dia anterior e que há truques na vida que devemos aproveitar. Até porque, como diz o texto: “Activismo ou depressão, de uma delas não nos safamos.”

CAL-Primeiros Sintomas. Qui-Dom 21.30. 8€.

Texto e encenação Lígia Soares
Com Lígia Soares, Mia Tomé, Rui Pina Coelho e Gonçalo Plácido

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