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Comédia Aulegrafia
Fotografia: Pedro SoaresComédia Aulegrafia, Teatro Maizum, no Claustro do Convento da Graça

Teatro Maizum estreia ao ar livre peça quinhentista nunca antes vista

No ano do 40.ª aniversário, o Teatro Maizum estreia uma intriga palaciana nunca antes levada à cena. Vista um agasalho e rume ao Claustro do Convento da Graça para ver acontecer.

Raquel Dias da Silva
Escrito por
Raquel Dias da Silva
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Devolver ao imaginário colectivo a obra ímpar de Jorge Ferreira de Vasconcelos, proibida pela Santa Inquisição e praticamente desconhecida da maioria dos portugueses. É essa a ambição do Teatro Maizum, que leva à cena, pela primeira vez, a Comédia Aulegrafia, uma intriga palaciana do século XVI. A sua apresentação, no também quinhentista Convento da Graça, remata um trabalho de investigação e encenação das três comédias do autor, que começou com a estreia de Eufrosina, em 1995, e continuou com Ulyssipo, em 1997. “Tenho a sensação, ao estar a fazer este espectáculo neste magnífico claustro, que estamos a entrar num mundo novo. Passados mais de 450 anos, é emocionante – não pode deixar de o ser – trazermos para estas pedras, onde o Ferreira de Vasconcelos seguramente esteve, um texto nunca antes levado à cena e que, além do mais, foi censurado”, diz à Time Out Silvina Pereira, investigadora no Centro de Estudos Clássicos da Universidade de Lisboa e directora artística do Teatro Maizum.

Ambientada no Paço de Lisboa, durante o tempo de D. João III e da Rainha D. Catarina de Áustria, a acção centra-se na história dos amores infelizes de Grasidel de Abreu e de Filomela, provocados pela manipulação da dama alcoviteira Aulegrafia, cujo propósito é favorecer outro concorrente. Partindo deste enredo amoroso, que acaba por sucumbir à corrosão da intriga, Jorge Ferreira de Vasconcelos satiriza a vida da corte quinhentista, servindo-se de uma vasta galeria de personagens – dos cortesãos e damas dos Paço aos moços, criados e castelhanos. Com ironia e comicidade, denuncia, por um lado, a cobiça e a corrupção como os principais recursos de ascensão social, mas também da decadência do bom agir, da consciência e da justiça. E, por outro, faz a apologia do livre arbítrio, que não se subjuga à concretização de interesses alheios.

Silvina Pereira é inabalável na sua convicção: as comédias de Ferreira de Vasconcelos pertencem ao grande teatro do mundo. “Entrar no mundo dramático de Jorge Ferreira de Vasconcelos é entrar num mundo novo, riquíssimo e plural, como era o mundo da ciência e da arte em meados do século XVI. Tal como se descobriam novos países e novas gentes, também se ensaiavam outras formas de fazer”, conta a investigadora e directora artística, que teve de sacrificar texto em prol de “uma visão cénica sustentada na experiência artística”, mas não hesita em demonstrar o seu fascínio e respeito por uma peça de repertório, que exige competências muito específicas da arte do dizer. “Ele sabia perfeitamente fazer de outra maneira, mas dá-se à liberdade de fazer um caminho absolutamente novo e longo, com grandes peregrinações, que se revelam expressão do puro prazer do discorrer, da cultura e da erudição, mas em cruzamento com o saber do povo. Como autor prolixo, tem cinco maneiras de apresentar uma única tarde, por isso [em palco] é escolher uma ou duas.”

No cenário deslumbrante do claustro do Convento da Graça, com o céu sob os espectadores e o elenco, somos desafiados a reflectir sobre como o universo retratado, aparentemente reduzido às trevas pela força destruidora da maledicência, se relaciona com os dias de hoje. O que impressiona, assegura Silvina, é precisamente a actualidade dos temas. “Era difícil viver em Portugal. Para ganhar a vida, tinha de se embarcar para fora, para se embarcar tinha de se ter um despacho, para terem despacho tinham de ter dinheiro. Não o tendo, tinham de comprar favores e, de repente, todos estão reféns de todos”, explica. “No fundo, Ferreira de Vasconcelos está constantemente a manifestar o seu desagrado por uma nobreza que não o é por mérito, mas porque tem dinheiro. As consequências desse ciclo vicioso de ganância e corrupção são terríveis.”

A Comédia Aulegrafia estreia esta quinta-feira, às 21.00, no claustro do Convento da Graça, onde permanecerá em cena até 24 de Julho, com um total de 14 sessões, sempre no mesmo horário, de quarta a domingo. A par do espectáculo, o Claustro do Convento da Graça recebe outras duas propostas relacionadas, ambas de entrada livre: um ciclo de conferências (13 e 20 Jul, Qua 19.00) sobre a época e a obra de Ferreira de Vasconcelos; e uma exposição (7-24 Jul, Seg-Dom 10.00-17.00), que nos convida a descobrir a vida e a obra do comediógrafo quinhentista que, ao contrário de muitos dos seus contemporâneos, permanece encoberto. Comissariada por Silvina Pereira, “Jorge Ferreira de Vasconcelos – Um Homem do Renascimento” desvenda-nos não só o autor como o seu tempo, uma época fascinante da ciência e da cultura, cheia de fortuna e atribulações.

Claustros do Convento da Graça. 7-24 Jul, Qui-Dom 21.00. 15€

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