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De uma colecção de telas de arte sacra pode nascer um imaginário, quase infantil, de personagens animadas bem conhecidas – tanto pelos adultos, como pelos mais novos. Foi mais ou menos essa a ideia da artista Filipa Sáragga quando trouxe de volta à vida uma série de telas destruídas e as transformou em obras com personagens da Disney, Warner Bros e do universo de Hergé ou de Elzie Crisler Segar. São 14 no total, entre obras mais pequenas e outras maiores que a estatura média de uma pessoa, que formam “That’s All Folks”, a exposição que inaugura esta quinta, 21, no ateliê e galeria de Filipa, em Belém.
A história podia começar com aquela lengalenga de “Professora, o cão comeu os meus trabalhos de casa”. Mudavam apenas as circunstâncias reais da situação, porque a culpa não morreria solteira. Há três anos, a artista tinha acabado a tal colecção de arte sacra, pronta a ser apresentada, mas o seu cão pôs um travão à coisa.
“Na altura, pintava na garagem dos meus pais e nós tínhamos um cão, ainda novinho. Precisamente na semana em que eu acabo as telas, ele fica fechado na garagem e destrói tudo. Panos de três metros todos desfeitos em pedaços”, conta-nos Filipa que, deparando-se com o cenário de guerra, arrumou o assunto e guardou as sobras artísticas para outra altura. Só há um ano e picos, quando se mudou para a Rua da Junqueira para montar o seu ateliê, é que voltou a deitar mãos às obras para virar a arte sacra do avesso.
“Quando reencontrei aqueles pedaços de tela tive a sensação que já não era aquilo que queria mostrar às pessoas. Tinha de tornar aquilo numa coisa mais divertida, mais colorida, e a primeira coisa que me veio à cabeça foram as personagens de desenhos animados”, afirma. Para a exposição, Filipa aproveitou muitos dos fundos minuciosamente trabalhados da colecção destruída, retocando-os e imprimindo em diferentes camadas personagens como o Mickey e a Minnie, Branca de Neve e os Sete Anões, Tintim, Popeye e Olívia Palito, Tweety, Pequena Sereia, Alice no País das Maravilhas ou a Cinderela.
“Não é uma colecção infantil, mas claramente agrada tanto aos mais pequenos, como aos adultos. Cada pessoa tem um bocadinho de uma destas personagens e acho triste quem camufla a criança que há dentro de si. Esta colecção transporta-nos para o nosso lado mais puro e naive”, explica a artista, que começou a pintar com apenas 3 anos.
A arte ao serviço dos outros
Não largou os pincéis desde aí, e, com o tempo, a escrita e a solidariedade social também lhe vieram bater à porta. O voluntariado começou a fazer parte da vida de Filipa há cerca de oito anos – o que via em associações e hospitais e as crianças doentes com que tinha contacto foram um ponto de viragem. “Percebi que o que me fazia sentir preenchida era isto, sempre aliado à arte”, refere.
Depois de um episódio traumático com a morte e uma criança, fez nascer o livro Talvez um Anjo, o segundo ilustrado por Filipa e o primeiro escrito por ela, cujas receitas reverteram a favor da família da menina e da Operação Nariz Vermelho.
A partir daí, a escalada na solidariedade social tornou-se numa necessidade até à criação da sua própria associação: a Princesa Azul, que surgiu do livro A Princesa Azul e a Felicidade Escondida. Aqui, Filipa ajuda crianças com doenças, institucionalizadas, e corre escolas de norte a sul. “De repente deixei de ser só pintora, para ser escritora e ainda gerir uma associação”, diz.
A Associação Princesa Azul, sediada na galeria, recebe crianças da Casa Pia todas as semanas para actividades lúdicas e, em breve, vão fazer o mesmo mas em hospitais. A artista quer ainda desenvolver um portal das emoções – relacionado com a sua última obra, O Livro das Emoções – com médicos, psicólogos e psiquiatras para atendimento 24h sobre o que as pessoas sentem.
Até poder ligar para o portal, terá sempre como expressar a criança que há em si até 21 de Março, com “That’s All Folks”.
Rua da Junqueira, 362, R/C Dto. Seg-Sex 09.00-17.00.