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Todos os dias são Record Store Day

Luís Filipe Rodrigues
Escrito por
Luís Filipe Rodrigues
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"Vai fazer alguma coisa no Record Store Day?” À pergunta segue-se um silêncio. Depois vem a hesitação. E logo a seguir um “pá, acho que não”. No ar fica a ideia de que o tal do dia é só fogo de vista. Por fim, uma boutade certeira: “O Record Store Day, para quem tem uma loja de discos, é todos os dias.” Sorrimos. Devia ser, pelo menos.

Tivemos esta conversa na Groovie Records. Podia ter sido noutra loja qualquer. O Record Store Day foi uma boa ideia em 2008, mas passados 11 anos tornou-se inconsequente. Irrelevante, até. É verdade que algumas lojas portuguesas continuam a ter promoções e pouco mais nesse dia. Mas outras nem isso. O que era para ser uma oportunidade para celebrar os pequenos negócios de venda de discos tornou-se em mais uma ferramenta da indústria discográfica, uma oportunidade para vender umas edições especiais dos U2 ou dos Pearl Jam ou coisa que o valha.

André Santos, que já escreveu nestas páginas e é sócio-gerente da Flur, concorda com esta ideia: “O Record Store Day tornou-se uma palhaçada”. Nos primeiros anos, a loja aderiu como poucas o fizeram em Portugal. Era um dia com concertos uns atrás dos outros, com Santa Apolónia cheia de pessoas. Mas depois “a malta deixou simplesmente de vir aos eventos”. “Tens uma dúzia de pessoas e pouco mais, não dá pica”, assume.

Porquê? “Não há mercado”, diz. “E não haver mercado também significa que quando abres a loja não tens à porta pessoas que estão à espera para virem comprar as coisas (como vês nas lojas de Inglaterra, por exemplo, onde há um mercado e pessoas que compram). Ver isso dá tusa. Abrires a loja nesse dia e não teres ninguém à porta, ninguém minimamente interessado para o que vai acontecer, é desanimador.”

Mas nem tudo é desanimador. As lojas de discos continuam a desempenhar um papel crucial, mesmo nestes tempos em que parece que toda a música da história se encontra de graça e à distância de um clique. Sublinhe-se a palavra “parece”. Há muita música que simplesmente desapareceu da internet, ou porque as editoras faliram, ou porque os artistas caíram no esquecimento. Um problema que é mais óbvio quanto mais nos afastamos da Europa e dos EUA.

Mesmo em Portugal, veja-se a obra de José Afonso, por exemplo. A maior parte dos discos do mais importante escritor de canções português não se encontram legalmente em nenhuma plataforma de streaming de música, tal como o resto do catálogo da Orfeu, que editou álbuns importantíssimos. Está bem que muitas destas canções se encontram no Youtube, mas de hoje para amanhã podem simplesmente desaparecer de lá. E depois?

Record Store Day
Duarte Drago

Para encontrar estes discos, é preciso entrar numa loja. Acompanhámos Pedro Azevedo, programador da sala de concertos Musicbox e DJ, mais conhecido como La Flama Blanca, numa dessas demandas. Primeiro na Groovie Records, onde Pedro se demorou um pouco e de onde saiu com dois discos debaixo do braço. Seguimos até à Amor Records, no Cais do Sodré, levando mais dois discos. Normalmente, é entre estas lojas e o Musicbox que compra quase toda a sua colecção. “No Musicbox [como programador] compro o que conheço, aqui compro o que não conheço”, explica.

O que é que o leva a comprar o que não conhece? “Os coleccionadores a sério vão achar-me um balelas, mas a verdade é que gosto de comprar discos por impulso, pela descoberta”, diz. “Sem olhar duas vezes para a capa, sem pensar no ano de edição, em nada: ‘Este parece fixe.’ Levo.” E se não for fixe? “Troco com alguém.” Quando se lhe pergunta quantos discos tem em casa, não sabe responder. “Não sei se são muitos, mas também não são poucos.”

Quando uns dias antes fizemos a mesma pergunta a Mário Valente, DJ e programador do Lounge, ele também não soube responder. “Há muitos anos que deixei de contar quantos discos tenho, até porque sou o tipo de gajo que vai a uma loja de segunda mão, volta com cem discos de lá, mas na semana seguinte se calhar já se desfez de metade porque afinal não eram assim tão importantes”, explica. Mas arrisca um número: “Devo andar pelos dez mil, entre álbuns, máxis, singles, CD, cassetes...”

Mário sempre foi coleccionador de discos, apesar de hoje não ir tanto às lojas como gostaria. “Infelizmente em Lisboa o meu tempo é sempre muito curto, por isso não tenho o tempo que gostava de ter para visitar regularmente as lojas de discos”, justifica. “Mas acompanho os lançamentos e faço as encomendas online directamente às minhas lojas preferidas cá em Lisboa, e depois combino um dia para as apanhar.”

É quando está de férias, com mais tempo em mãos, que mata as saudades das lojas de discos. “Quando vou a outras cidades, o que procuro mais são as lojas de segunda mão. Especialmente os caixotes bargain bin [pechinchas] a que ninguém costuma ligar muito. Há imenso ouro ali”, avisa. “Em vez de pagar 80 euros por um disco raríssimo se calhar prefiro comprar 80 discos que valem um euro cada”, continua. “Compro às vezes por motivos tão simples como ver um produtor ou remisturador que identifico,  a label, às vezes até pela capa... E o melhor disto é que acabas por te surpreender. É preciso arriscar, testar e insistir.”

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