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Um espectáculo à antiga para falar sobre solidão

Escrito por
Miguel Branco
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É um dos grandes textos do século XX: Na Solidão dos Campos de Algodão, de Koltès. A partir de quinta-feira está na Casa de Teatro de Sintra, com encenação de Diogo Dória. Sozinhos estamos, sozinhos vamos ficar.

Uma esquina de obras, daquelas em que ráfia branca é perfurada por uma construção de metal, uma espécie de andaime, mas de forma menos habitual. Escondido na sombra, dentro do que poderá vir a ser um alojamento local, quem sabe, um homem pratica golpes de karaté sem que os consigamos definir. Esse é o dealer. Ao homem que passa vamos conhecê-lo por cliente, mais que não seja porque é abordado, como quem sugere que se alguém ali passa àquela hora é porque precisa de alguma coisa, algo que o dealer terá para fornecer. É esta a génese de Na Solidão dos Campos de Algodão, peça essencial do século XX, escrita pelo francês Bernard-Marie Koltès, que se estreia esta quinta-feira na Casa de Teatro de Sintra, numa encenação de Diogo Dória, que se junta ainda a André Loubet em cena.

O convite surgiu de Nuno Correia Pinto, director artístico do Chão de Oliva e da casa que acolhe esta produção. E não é a primeira vez que Diogo Dória passa pelas palavras de Koltès. Em 1989, na Culturgest, fez de dealer, numa encenação francesa. Coisa que se repetiu, em 2006, no Festival de Teatro de Almada. Também João Lourenço, em 1990, no Teatro Aberto, tal como Rita Blanco e Maria João Luís, em 2015, se serviram deste encontro entre dealer e cliente, desta busca da casualidade, o rompimento da solidão através de encontros espontâneos na rua que Koltès descobriu na noite nova-iorquina. “Tenho uma relação com alguns textos que diria que são clássicos contemporâneos, chamo-lhes assim, no sentido de uma frase maravilhosa do Ítalo Calvino, que diz: ‘Um texto que não acabou de dizer tudo o que tem para dizer’”. “A tendência no teatro é, muitas vezes, a de passar por cima do texto, retirar-lhe importância, e o que me dá gozo é encontrar formas de dizer, a contracena, é, nesse sentido, um espectáculo à antiga, teatro para actores e aqui precisámos de tempo para carpinteirar o texto e achar a tensão certa para dizê-lo”, explica Dória.

Estamos perante um duelo fino de retórica, um embate ideológico e filosófico entre dois estranhos que tanto se agridem como parecem precisar de continuar por aqui, quanto mais aqui, menos têm que estar consigo, e isso – para eles, para nós, para todos – não é nada mal pensado, neste mundo vil e que não quer nada connosco. E é uma espécie de business emocional – um zero a zero em que ninguém vence – que fala do quê? De isto que é viver e andar para aqui? “Acho que sim, toda esta dificuldade das relações. Como pano de fundo o amor ou a falta de amor, mas o amor naquela definição do outro: dar o que não se tem a quem não quer. Até porque o Koltès não acreditava no amor, só pontualmente, o amor era uma utopia, colmatar uma solidão não com uma pessoa em casa, mas com encontros de rua, é por aí. O lado político e social não se coloca aqui”, admite Dória.

É por aí é. Vamos andando, vamos ficando.

De Bernard-Marie Koltès
Encenação Diogo Dória
Com Diogo Dória e André Loubet

Casa de Teatro de Sintra. Qui-Sáb 21.30. Dom 16.00. 7,5€.

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