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You Need Heart To Play This Game é a nova criação da Plataforma285, para ver no Maria Matos a partir de quinta-feira. Não salte da cadeira para salvar o intérprete, conselho de amigo.
Há uma maquina que iça um sujeito para a frente de um ecrã gigante. Dá-lhe um microfone. A música começa, a letra aparece na imagem e começa a corrida. A ânsia de ver o cursor a comer letras bem mais rápido do que o cantor consegue dizê-las instala-se. Estamos numa sessão de karaoke de um falhado sem voz nem escolha. E aí prosseguiremos por nove temas, nove desenlaces, nove cenas desconfortáveis.
É por isso que You Need Heart To Play This Game foi o nome escolhido pela Plataforma285 – colectivo criado por Raimundo Cosme e Cecília Henriques em 2011 – para a sua nova criação. Ali não há salvação, nem para um público com um coração XXXL.
Embiquemos de forma mais prática. Isto é imagem e texto, um intérprete de costas voltadas para a plateia a tentar o seu melhor, a tentar o possível para fazer deste karaoke um tempo bem passado, um pedaço de lazer. A ideia vem de um documentário que Raimundo Cosme viu sobre o Japão e sobre o facto de a maior parte da população japonesa não fazer sexo: “No filme falava-se num novo grupo de pessoas que se auto-intitulam os herbívoros e que prescindem de todos os prazeres da carne. E uma das actividades sociais que eles fazem é ir ao karaoke, mas vão sozinhos, em cabines e salas temáticas. E o estranho é que ensaiam bastante para conseguirem fazer isso sozinhos, sem público. Para que é que ensaias se fazes para ti?”, comenta Raimundo, que também é o pobre looser em palco ou “um peãozinho ali no meio”, como classifica Cecília Henriques, também criadora do espectáculo.
O tempo passou, residências artísticas pelo meio e o Japão só por si enquanto temática foi caindo – embora esteja lá no dispositivo montado, e até numa versão techno de “Grândola Vila Morena” por DJ Pastilhado que o tal peão tem de cantar em japonês, numa tradução do Google Translate. Mas sobraram outras coisas: “Ficámos com esta coisa do karaoke. Havendo a possibilidade de dizer coisas, de dizer palavras e passar imagens, interrogamo-nos porque é que escolhemos repetir. Porque é que preferimos estar e repetir”, aponta Raimundo, sobre essa ausência de voz própria.
No caso deste peão percebe-se. Ou está enrolado num véu que só promove o tropeção, ou canta com pétalas na boca ou com tulicreme a escorregar-lhe da cara. Ou não canta, de todo, porque a letra não aparece, só o azul de um ecrã em stand by ou com falta de sinal. Que é, afinal, como ficamos todos na hora da humilhação.
Teatro Municipal Maria Matos. Qui-Sáb 21.30, Dom 18.30. 6€-12€.