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Tiago Rodrigues, Director Artístico, Teatro Nacional Dona Maria II
©Mariana Valle LimaTiago Rodrigues, Director Artístico do Teatro Nacional Dona Maria II

Tiago Rodrigues: “O resto da década vai ser uma explosão criativa”

Em duas horas de conversa, Tiago Rodrigues traça um quadro dilacerante do presente com um entusiasmo contagiante pelo futuro. E no fim deixa-nos a ler a Shakespeare.

Escrito por
João Pedro Oliveira
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A poucos dias de completar 44 anos, Tiago Rodrigues acaba de ser reconduzido para um terceiro mandato como director artístico do Teatro Nacional Dona Maria II. Este é o resumo possível de uma conversa longa e sem grande guião, mediada pelo ecrã como todo o teatro possível por estes dias. Uma sessão de zoom em que o Prémio Pessoa 2019 fala de política cultural e de intervenção cívica, da cegueira e da lucidez adiada, de Catarina e a Beleza de Matar Fascistas, de tudo o que a pandemia ameaça matar e da explosão criativa que já estamos a viver à conta dela. De caminho, confessa que roubou umas quantas frases a Sófocles e pede encarecidamente que não vamos chatear o Camões.


Estamos a falar hoje porque ontem trocou o compromisso connosco por uma reunião com a ministra da Cultura. Ao menos traz boas notícias?
Acabou por ser um compromisso mais com outros parceiros, incluindo os outros teatros nacionais, para analisar o impacto deste confinamento. Desde Março passado temos tido reuniões regulares para partilhar soluções, ideias e esforços que permitam responder a este momento calamitoso. Ontem foi dia de tomada de decisões sobre como é que vamos gerir os trabalhos. No TNDMII mantemos a mesma política de honrar os compromissos com a equipa da casa e com as equipas que nos visitam. Tentar absorver o máximo de impacto da crise para que ele se estenda o mínimo possível aos profissionais. Neste momento, embora a lei permita que se façam trabalhos presenciais essenciais, como ensaios e montagens, entendemos que os números na Grande Lisboa são tão alarmantes que a coisa responsável a fazer é suspender tudo.

Sem data de regresso.
Estamos a planear o regresso dos trabalhos já em Fevereiro, mas vamos suspender toda a actividade até ao final de Março. Isto vai permitir ter um planeamento para, logo que seja possível, reabrirmos. Parte do que tínhamos anunciado já não vai acontecer nos mesmos moldes, por causa da pausa nos ensaios, da dificuldade de viagem de artistas internacionais. A programação já não será a que estava anunciada.

Todas as avaliações que se vão fazendo sobre a área da cultura e das artes falam de sector devastado. Se lhe pedisse um ponto da situação ao dia de hoje, qual seria?
Usaria o adjectivo catastrófico. Em Fevereiro de 2020, a área era já muito precária, com bastidores muito frágeis, sem sustentabilidade económica e cronicamente ignorados pelo Estado. Sem legislação laboral adequada, sem protecção social e com um financiamento público francamente insuficiente, face à garantia do direito constitucional de acesso à fruição e à criação artística. Essa fragilidade era muitas vezes maquilhada pela grande dinâmica, diversidade e qualidade das artes portuguesas. Digamos que a face visível das artes portuguesas é muito mais luminosa do que os bastidores. A pandemia ataca um sector já com pouca imunidade, que vive do dia-a-dia sem margem de aforro. Vem revelar de forma brutal as fragilidades e a negligência. Durante o ano de 2020, a reacção do Estado – e aqui incluo o Governo mas também as autarquias – foi frágil, fraca e tardia. Em 2021, acho que podemos assumir que houve alguma aprendizagem. Há uma intervenção mais rápida, mais forte, mas ainda assim, no meu entender, insuficiente. Temo que em Fevereiro de 2021 estejamos numa situação mais grave do que nunca. Espero que vá sendo resolvida, ou pelo menos mitigada, durante os próximos meses.

Que medidas devíamos esperar?
Há muita gente que está de fora destes apoios. E há questões de fundo que até parece descabido discutir agora, em momento de urgência, mas que não podem deixar de ser resolvidas. Tivessem sido discutidas antes e agora a urgência não era tão grande. Nomeadamente a legislação laboral na área das artes, ou a descentralização da oferta. Se tivéssemos uma rede de teatros municipais, forte e sólida, neste momento o sector estaria a viver com maior apoio e perspectiva de futuro. Um estudo europeu recente assinala que os dois sectores mais afectados foram a aviação e a cultura. Em Portugal, o estado da aviação é muito claro. Tem de ser também claro para as pessoas que a cultura está em estado de absoluta catástrofe. Vamos demorar anos a recuperar e precisaremos dessas políticas culturais de fundo e de solidariedade imoderada.

Tem faltado solidariedade?
Neste momento, apesar de haver ferramentas legais para isso não acontecer, há instituições culturais beneficiadas por dinheiros públicos ou tuteladas pelo Estado a cancelar sem pagar nada, a abandonar os artistas e os técnicos independentes, a tentar poupar dinheiro à custa de uma pandemia. E isso é absolutamente infame. Houve, aliás, uma série de queixas entregues na Inspecção Geral das Actividades Culturais (IGAC) e era muito importante que se prosseguissem essas investigações e se tornassem públicos os seus resultados, para que também resulte desta pandemia alguma moralização das dinâmicas de poder na área da cultura. Quem está em instituições financiadas com dinheiros públicos tem um dever ético que, em alguns casos, se sobrepõe à lei.

Lembro-me de o ouvir dizer que esta não pode ser uma soma de crises individuais, que tem de ser uma crise colectiva. O que é que esta crise lhe tem dito sobre nós, enquanto comunidade?
Gosto sempre de me colocar como optimista crítico. De não abandonar o pensamento crítico, mas ter o cuidado de sublinhar aquilo que aprendemos e revelámos de bom. Na área das artes e da cultura pudemos observar uma capacidade absolutamente admirável de entreajuda, até com a distribuição de alimentos, o que é chocante, pois estamos a falar da subsistência mais básica. Foi admirável ver iniciativas como a da União Audiovisual, ou a do Palco13, uma pequena companhia que se mobilizou e usou o seu tempo a ajudar os trabalhadores da cultura. Vimos fundações como a GDA ou a Gulbenkian mobilizarem-se com uma rapidez incrível e a manter os apoios até hoje. Também vimos isso na sociedade em geral, uma resposta solidária, fraterna. Como disse o José Tolentino Mendonça, 2020 levantou o véu sobre as grandes desigualdades, e ao fazê-lo exacerbou o espírito de solidariedade de muitas pessoas.

Agora que se levantou esse véu, que vimos a catástrofe nos bastidores, é crível que alguma coisa realmente mude?
É. A resposta, simples e seca, é que sim, é crível. Ponto. Julgo que houve da parte da opinião pública, ao longo de 2020, uma espécie de consenso inédito sobre a importância da cultura e das artes na vida das pessoas...

Porque há consciência pública será mais fácil haver acção política?
Acredito que sim, podemos estar num momento de viragem. Esse consenso sobre a legitimidade das artes e da cultura, como área que ocupa um lugar central nas garantias constitucionais que nos pertencem, ao lado da educação, da saúde, da habitação, é fundamental. Isso não era um dado adquirido na opinião pública portuguesa.

Podemos então sair melhores disto?
Espero que sim – lá está o meu lado optimista. Os artistas, os técnicos, quem trabalha nos teatros, essa tribo a que eu pertenço, é de uma sede enorme de contacto com o público, de inovação, de experimentação, de arriscar, de explorar ao máximo a sua margem de erro e tentar o que nunca foi tentado ou nunca foi tentado por quem o tenta. Julgo que esta clausura vai ter uma espécie de resposta anímica, criativa, inventiva, durantes os próximos tempos que vai ser essencial para os próximos anos.

Vem aí uma revolução criativa?
Eu diria que está já a acontecer. As artes – sobretudo as artes que exigem presença, o teatro, a dança, a música ao vivo – têm sido tão aprisionadas por esta situação que, assim haja um mitigar desta pandemia, o resto da década vai ser uma explosão criativa. Aqui e no mundo.

Tiago Rodrigues, Director Artístico, Teatro Nacional Dona Maria II

Como é que imagina, por exemplo, o teatro? O que é que de essencial pode mudar?
Será muito diferente do que nós imaginamos agora. Isso posso garantir. O teatro tem sido, ao longo dos séculos, esse espaço de transformação imprevisível. No século seguinte, nunca é exactamente como no século anterior se esperava que evoluísse. Muito poroso, muito vulnerável aos grandes acontecimentos históricos, às grandes mudanças. Não tenho dúvida que a questão da distância e da presença será central na forma como fazemos teatro, como fabricamos cenários e figurinos, como ensaiamos, como estamos com o público. Mais: como será construído um teatro em 2022? Que coisas pensará o arquitecto, que pilares não estarão lá para poderem estar ecrãs, que espaços deixarão de ser camarotes para poderem ser câmaras? Estamos a encontrar soluções para urgências que lentamente se vão traduzir em soluções de permanência. Imaginando a programação de 2022 no TNDMII, estamos a começar projectos que nunca pensámos fazer antes da pandemia e da democratização de acesso que o online permite. Alguém em Torre de Moncorvo manda um email a dizer: eu só via um espectáculo por ano, naquela vez que ia a Lisboa, e agora viu a última temporada toda. Podemos argumentar que esta pessoa não teve, efectivamente, a experiência de ir ao teatro. Mas aconteceu qualquer coisa transformadora que não podemos desconsiderar. Qualquer coisa que a levou a escrever ao director do Teatro Nacional.

Isso ou o facto de a pessoa ser da família. O seu pai não era de Torre de Moncorvo?
[Ri-se.] Por acaso não é da minha família, mas é conhecido. Mas tenho outras pessoas como a Dona Ivone, que não conheço de lado nenhum, que não mora longe mas vive numa espécie de distância. A Dona Ivone tem 93 anos e foi espectadora habitual do Teatro Nacional até aos seus 80 anos. Depois começou a perder o à-vontade de sair sozinha, ficou viúva, explica tudo isso numa carta. No último ano, com a ajuda do filho, viu uma série de espectáculos online. E reconciliou-se na relação com o teatro, que já não podia visitar. Como este tivemos inúmeros emails. É aliás uma compilação que eu tenho feita, que tenho partilhado com a equipa e que dava para fazer um livrinho.

A experiência de confinamento geral está a ensinar-nos a lidar com os confinamentos de cada um...
Exactamente. Ao tentarmos resolver o problema de quem está confinado pela primeira vez, provavelmente chegámos a pessoas que já se sentiam confinadas, de uma forma ou de outra, no que toca ao teatro.

A sala online reabriu esta sexta-feira [29 de Janeiro]. Como é que isso está a correr?
Muitíssimo bem. Percebemos que há um público que já estava à espera da reabertura. Ao contrário do que fizemos em 2020, alguns espectáculos são agora pagos. Os preços são de um valor simbólico, 3€, mas achámos que era importante para valorizar o trabalho artístico.

O teatro ampliou-se definitivamente com esta Sala Online.
Sim, ampliou-se. Tomámos essa decisão logo em 2020, de começar a imaginar essa versão online do TNDMII e ter uma terceira sala, além da Garrett e da Sala Estúdio. O plano era activá-la só a partir da próxima temporada, em Setembro de 2021; acabou por reabrir mais cedo. Estamos a trabalhar com parceiros na área da digitalização para termos uma oferta online que seja estimulante para o público, e que não seja só a clássica gravação, mesmo que as gravações que nós temos estado a disponibilizar tenham muita qualidade e sejam muito cuidadas. Aí também há criatividade a desenvolver.

Tiago Rodrigues, Director Artístico, Teatro Nacional Dona Maria II

No final de 2019, quando recebeu a notícia de que era vencedor do Prémio Pessoa, estava em Londres a ensaiar a peça Blindness and Seeing, para a Royal Shakespeare Company. Tudo parecia perfeito, mas de repente o mundo complicou-se. Como é que ficou esse projecto?
Como muitos projectos que pareciam coisas absolutamente inatacáveis, inamovíveis, em 2019. Uns ficaram em suspenso, outros ficaram cancelados. Numa primeira fase o Blindness and Seeing, a partir dos romances do José Saramago (Ensaio Sobre a Cegueira e Ensaio Sobre a Lucidez), foi simplesmente cancelado, porque ainda nem está garantida a sobrevivência da Royal Shakespeare Company. Já houve entretanto conversações no sentido de tentar recuperar o projecto. Entretanto criei um outro espectáculo com o TNDMII, que chegou a ser apresentado e até a fazer alguma circulação internacional, e que esperamos apresentar em Abril, que é o Catarina e a Beleza de Matar Fascistas. Haverá também em 2021 um outro grande projecto de encenação minha, que também tem uma dimensão internacional, que julgo que há-de ser anunciado nos próximos meses. Ideias e projectos, felizmente, não faltam.

Pegando em Catarina... e a Beleza de Matar Fascistas...
[Ri-se.] Adoro essa pausa. Muita gente faz mais ou menos essa pausa.

... já o ouvi dizer que o título era uma provocação para este tempo. Com que urgência sente que era necessário falar da Catarina e da Beleza de Matar Fascistas – agora sem pausa?
Agora foi perfeito! Com esta peça tem acontecido uma coisa que me faz pensar sobre a actualidade de uma obra de arte, sobre quando é que ela se torna datada ou passa a ser intemporal. A ideia deste espectáculo surge em 2018, antes das legislativas de 2019. A ideia da provocação da utilização do termo fascista aplicava-se mais ao resíduo de fascismos que ainda podemos reconhecer na sociedade portuguesa e que vem de mais de quatro décadas de ditadura. De repente pela primeira vez a extrema-direita tem representatividade parlamentar e o espectáculo muda.

Há uma apropriação propositadamente abusiva do termo fascismo...
Sim, eu assumo que, pelo menos em termos académicos, a utilização do termo é com certeza abusiva. O que reivindico é o direito ético e sentimental de usar o termo fascista. Direita radical, extrema-direita, populista: tudo isso são termos que podem estar à mesa do debate democrático. A palavra fascista ainda não foi normalizada e até um fascista fica incomodado de ser chamado de fascista. Depois das últimas legislativas, a peça passou a ser mais sobre a ascensão da extrema-direita populista, e a inspiração fascizante, por assim dizer, que existe na sua retórica. A peça adaptou-se ao novo tempo que vivemos. Fala de um futuro distópico, em 2028, em que a extrema-direita tem maioria absoluta e vai mudar a Constituição. Não me parece apenas mais próxima da realidade, como muito mais presente na nossa imaginação. E isso é muito interessante, estar a fazer uma peça em diálogo franco com o seu tempo.

O texto ainda pode mudar?
Não vou mexer no texto, mas o que acontecer no quotidiano político vai influenciar a forma como o público olha a peça. Na Antígona de Sófocles, quando a Antígona diz “não” e o Creonte diz “às vezes é preciso dizer sim, mesmo quando não temos a certeza, para o bem da cidade”; ela insiste: “não, os meus princípios são mais fortes do que o bem comum”. Ao longo dos anos, se a peça era representada na Espanha da Guerra Civil ou na Inglaterra de Thatcher, este “sim” e este “não” significavam coisas diferentes. Era o mesmo texto de Sófocles, com 2500 anos, mas conforme o mundo em que era apresentado tinha leituras diferentes. É interessante perceber que o mundo vai lendo de forma diferente as obras com o passar do tempo. Claro que não estou a comparar o Catarina e a Beleza de Matar Fascistas com a Antígona, mas posso dizer que roubei umas quantas frases ao Sófocles.

Recentemente disse que a liberdade de criação artística é um valor fundamental que importa defender, “sobretudo hoje”. Sente esse valor particularmente ameaçado hoje?
Sim. Em Portugal tem havido uma necessidade de justificar a existência da criação artística em função de outra coisa qualquer. Eu acho que a criação artística existe. E o acesso às artes tem de ser garantido numa democracia. Felizmente, é um direito constitucional. Ponto. Depois entra o serviço público de cultura. Por exemplo, o TNDMII. Esse sim, esse tem obrigação de garantir que aquela criação artística, feita em absoluta liberdade, desde que tenha qualidade e relevância, deve servir para que as pessoas tenham acesso a formação através dela, a debate e a participação cívica, que possa ajudar a promover a saúde pública, etc. Os artistas não têm que provar para que é que serve a sua criação, só têm que a fazer com qualidade e capacidade de inovação. Em Portugal pede-se a um artista que faça trabalho com infância, faça formação, trabalhe na assistência social, transforme os projectos para que ponham em prática políticas culturais de descentralização, para que sejam projectos de cidadania, etc. Ora, um artista que queira fazer isso, que faça. Mas não deve ser obrigado a fazê-lo para sobreviver, para ter mais uns pontinhos e um pouco mais de financiamento. Não passaria pela cabeça de ninguém pedir ao Camões que transformasse os seus sonetos para que promovessem o respeito pelas minorias. Não. Os sonetos são o que o Camões quiser escrever. Depois, se alguém quiser transformar as Endechas a Bárbara Escrava num soneto que fala da importância da tolerância em relação ao outro, do amor pela diferença, do combate à xenofobia, isso é serviço público de cultura. Mas o Camões o que deve fazer é escrever sonetos, por amor de deus, deixem-no escrever.

A mensagem portanto é “não vão chatear o Camões”.
Sim, a mensagem é que a melhor forma de aproveitarmos o Camões é deixá-lo escrever o que ele quiser. Penso que a liberdade artística tem de ser preservada da vontade de ingerência das democracias, como da vontade de censura dos ímpetos menos democráticos.

Acabou de ter uma experiência de intervenção política mais visível, como mandatário da candidatura de Marisa Matias nas presidenciais. Sente-se a lutar contra essa distopia de 2028?
Tenho tido alguns momentos de participação cívica, pública, nomeadamente em campanhas eleitorais. Mas por entusiasmo com projectos, ideias e pessoas. Obviamente que, ao apoiar a campanha da Marisa Matias, estou a apoiar um conjunto de ideias, causas e lutas que ela protagoniza e partilha, mas sei que esse movimento positivo é, em última análise, de combate a ideias opostas. Foi uma experiência muito gratificante, tive contacto com pessoas e situações que de outra forma não teria tido oportunidade de contactar. Recebi mais do que dei. Mas não me vejo a praticar política de forma regular.

Fala muito de projectos e transformações urgentes. Adivinham-se tempos difíceis, de crise económica, de desemprego e de outras emergências sociais. Até que ponto esse quadro pode inibir a concretização de um pensamento estruturante como propõe para a cultura?
Colocada a um artista, essa pergunta merece uma resposta quase metafórica. A Berenice do Racine ou A Tempestade do Shakespeare mantêm o seu poder transformador independentemente de estarmos em crise económica, em guerra ou em paz. Acho que isso acontece também com as nossas urgências e esperanças. É verdade que muito provavelmente vamos passar por anos economicamente muitíssimo difíceis. Mas nesses anos, precisamente nesses, temos de defender o que é vital e essencial.

Voltamos ao “não” da Antígona.
Exacto. E portanto eu vou defender o Shakespeare, o Racine, a Agustina, o Saramago. Vou defender o acesso à criação artística, os artistas de teatro portugueses, porque os considero fundamentais, e mais fundamentais ainda em tempos difíceis. E com isso vêm valores, como os de um acesso cada vez mais democrático à cultura, que implica um acesso em quantidade e em diversidade, mais pessoas e mais diversidade de pessoas. São valores que fazem ainda mais sentido em tempo de vacas magras. Se não os defendermos nesta altura, não estamos a defender o essencial. Portanto para mim é simples: se as coisas estiverem mesmo muito difíceis, muito críticas, aconselho a ler Shakespeare.

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Gráficos, números, estatísticas, mapas, geolocalizações. É pouco comum vermos estes dados associados ao trabalho artístico, e é ainda mais raro quando são eles o cerne do projecto, como acontece em An Artist Is Always Working. A mais recente criação de Pedro Barreiro é uma performance ininterrupta, com prazo indeterminado onde o artista e programador do espaço Rua das Gaivotas 6, em Lisboa, regista os momentos em que lhe vêm ideias à cabeça, e o respectivo dia, hora e local. A julgar pelos dados até agora publicados, é à noite que Pedro Barreiro se sente mais iluminado. “Quando o Sol se põe eu vejo melhor.”

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