A história, exemplo hilariante e passada a crónica com o título “O Conquistador”, é descrita pelo próprio: “apanhei um luso-suíço, que tinha tido um ataque cardíaco e estava já no recobro. Apanhei-o nos Restauradores, estava acompanhado por uma senhora, e diz-me: “O senhor leva-me a um motel?”. Acabou por me explicar, tratava-se de uma amante “arranjada no aeroporto”, tinha outra no Porto e a mulher estava na Suíça”, recorda Tiago Salazar. “O homem gabava-se: ‘chamavam-me o homem-aranha!’. Ainda pensei que fosse duplo de cinema. Não, o tipo montava vidros em arranha-céus.” O ‘Moturista’ Acidental [em Lisboa] é o novo livro de Tiago Salazar, jornalista, viajante incansável, condutor de tuk-tuk nos anos mais recentes. “Estes carros permitem estas confissões insólitas. O carro é o confessionário de um consultório médico, como diz o Ferreira Fernandes no prefácio”, concorda, por entre risos. Mais uma história, na primeira pessoa. “Um casal de cubanas, de Miami, ou seja, Time Out Lisboa 16 – 22 Agosto 2017 pós-revolução, lésbicas, chiques, malas Louis Vuitton, apanhadas à porta de um hotel de luxo. Pediram uma hora de viagem, gostaram muito, esticaram para as três horas. No fim da viagem, querem pagar-me dez ou vinte euros. Ainda pensei que era uma graça de mau gosto. Não. Uma sai por um lado, a outra, pelo outro… e pisgam-se”. A crónica chamou-se “Viva Fulgêncio!” e a explicação não é menos mirabolante: “uma delas disse que era da família do Fulgêncio Baptista… acharam muita pi
As comparações surgiram enquanto planeava uma viagem ao Egipto. Afinal, que procuram os turistas em Lisboa? Quem são, que elogios deixam, e que queixas apontam à capital mais solicitada dos últimos tempos? Nada melhor que um infiltrado na fila para a Torre de Belém, à boleia de um tuk-tuk, ou à escuta do fado para tomar o pulso aos nossos turistas e à forma como os recebemos. A experiência está num pequeno volume da Fundação Francisco Manuel dos Santos.
Turistas e dilemas para todos os gostos
Comecemos pelo fim. E você, preferia passar um dia em Alfama ou ir à Torre de Belém? Não é uma escolha fácil, em especial se tiver passaporte estrangeiro e tiver acabado de aterrar na cidade da moda. “Essa é a grande conclusão a que o livro chega. Tudo é relativo e depende muito do que a pessoa quer. Não se pode imaginar hoje a figura do turista estereotipado com a máquina ao pescoço. Temos o turista jovem com uma app na mão, que faz tudo sozinho e domina o Airbnb, viaja de Uber e chega de low cost. Continuamos a ter o turista da máquina fotográfica ao pescoço, e pelo caminho temos outras configurações.” Qual turista infiltrado em Lisboa, Bernardo dividiu-se entre um programa de baixo orçamento, com check in num hostel, e diferentes percursos organizados.
O guia, essa figura-chave
Convenhamos, não é preciso ser diplomado em História para ter alguma curiosidade pelas raízes do nosso destino. É aqui que entra a figura do guia, um mestre de cerimónias nem sempre à altura da circunstância. “É difícil ainda chegar a este equilíbrio. Encontrei pessoas que não se deram ao trabalho de contar a história da cidade. No Terreiro do Paço, por exemplo, ninguém disse que um rei ali morreu. É importante perceber certas coisas. E há formas divertidas de fazer isto.”
A pequena manha tuga
Parece um cliché, mas o facto é que sobrevive (sim, há taxistas que partem do aeroporto rumo à ponte Vasco da Gama, para regressarem a Lisboa pela 25 de Abril). Em todo o caso, Bernardo garante que a manifestação da manha não foi tão grave como esperava. A enorme massa anónima dispensa saques ao nível de uma Operação Marquês, ficando-se pela prática de pequenos truques. “O mais comum é aquele arredondamento para cima na conta, ou trazer bebidas grandes em vez de pequenas. É enganar mas só um bocadinho. É impossível o ser humano ser 100% honesto, mas conseguimos viver bem com o pequeno engano. ”
Positivamente cliché
Temos calor humano e simpatia para dar e vender, um cartão de visita indiscutível e capaz de suavizar algumas notas menos positivas. “Os turistas não esperam tanta disponilidade. Há mesmo aquelas histórias da pessoa que faz um desvio enorme para mostrar o caminho a alguém. Ao fim do dia, as pessoas recordam quem as recebeu bem, e é esse o estereótipo que fica.”
Queixas, queixumes e outros lamentos
Ao início, é possível que os turistas se desfaçam em palavras doces e visões generalistas. Se os confrontar com perguntas específicas, talvez se depare com alguns reparos. “Achei que a comida ia ser adorada, mas não é bem assim. Um grupo de americanos queixou-se da falta de vegetais, por exemplo.”
Lisboa, genuína e moça
Agora que a palavra gentrificação entrou de pedra a cal no dicionário urbano, e que o som dos trolleys na calçada rivaliza com um concerto de noise, ainda é possível oferecer uma experiência genuína a quem chega de fora? “Acho que sim. Lisboa é muito mais genuína do que a maior parte das capitais europeias. Ainda. Embora critiquemos muito, passámos a ter uma baixa com vida e uma cidade revitalizada. Claro que temos problemas mas não vou deixar de beber a bica porque há mais turistas.”
Balanço final
Há aspectos a afinar, admite Bernardo, mas é preciso lembrar que estamos a correr atrás do comboio europeu em matéria de crescimento de turismo, “e estamos a fazê-lo bem, atenção”. Para um roteiro menos usual na cidade, pare no Lisbon Story Center, visite o Museu do Traje e aprecie a vista dos miradouros. Pode apanhar um tuk-tuk, mas marque antes para não correr mal, um conselho de infiltrado.