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estaline e lenine

Meia dúzia de livros para perceber a Revolução de Outubro

Há uma ciência bolchevique? Estaline achava que sim e fomentou uma pseudociência que contribuiu para o descalabro da URSS. Lemos o livro que narra esses eventos e recomendamos outros títulos recentes sobre a Revolução de Outubro

Escrito por
José Carlos Fernandes
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“Na década de 80, a União Soviética e os seus satélites ostentavam o dobro dos cientistas em relação à sua população que os EUA e a Europa Ocidental e operavam a maior e mais bem financiada comunidade científica do mundo. Era um gigante ferido, ao mesmo tempo a glória e o motivo de riso do pensamento do século XX. Possuía o primeiro e maior serviço nacional de saúde do mundo, mas um quarto do currículo de um estudante de medicina era dedicado à política – mais tempo do que era alocado à cirurgia [...] Ostentava a maior e mais sofisticada economia planificada na Terra, mas a escassez de produtos acabados nas suas lojas era uma anedota internacional.”

A explicação destes aparentes paradoxos está, em parte, na forma como Estaline subjugou a ciência soviética à sua mundividência tacanha, ao seu espírito paranóico e a preconceitos ideológicos absurdos — a história é narrada em Estaline e os Cientistas (Temas&Debates). Um dos aspectos mais negativos da actuação de Estaline prendeu-se com o apoio incondicional dado a Trofim Lysenko (1898-1976), um agrobiólogo que rejeitava a genética mendeliana e defendia – seguindo as desacreditadas teorias de Lamarck – que os organismos transmitem as características adquiridas à sua descendência. Estas convicções, associadas a uma autoconfiança desmedida e ao desprezo pelos factos, levaram a que os seus absurdos projectos fossem implementados à escala nacional, durante décadas, apesar de as colheitas ruinosas mostrarem que as suas teorias eram uma mistura de charlatanice e wishful thinking e de alguns dos seus colegas – os mais corajosos ou insensatos – denunciarem as limitações e contradições do seu pensamento.

Lysenko foi convertido por Estaline num herói da ciência soviética e a sua posição era de tal modo sólida – muitos dos cientistas que se lhe opunham foram intimidados, demitidos, privados de condições de trabalho, enviados para lugares remotos ou para o Gulag, ou até mesmo fuzilados – que nem a morte de Estaline, em 1953, extinguiu a sua influência. Em 1955, Lysenko foi afastado da presidência da Academia Lenine, mas Krushchev, o sucessor de Estaline, continuou a dar-lhe crédito a e a apoiar os seus projectos lunáticos – foi preciso o resultado desastroso da campanha, lançada em 1957, para aumentar a produtividade leiteira para pôr fim ao reinado de Lysenko.

O livro de Ings foca-se excessivamente nas querelas de gabinete em torno de Lysenko e trata com brevidade a realidade no terreno e outras áreas científicas para lá da genética e da biologia. A edição portuguesa oferece, em vez de um índice remissivo completo, um índice onomástico simplificado de escassa utilidade.

Back in the U.R.S.S

A Revolução de Outubro foi em Novembro, já que a Rússia se guiava ainda pelo calendário juliano, que tinha 13 dias de atraso em relação ao gregoriano, mas esse desfasamento é irrelevante para o assinalar da passagem dos 100 anos sobre a ocasião.

A edição em Portugal tem correspondido com vários livros relevantes sobre a dita Revolução e a história da URSS. Já se deu conta nestas páginas, de O último dos czares: Nicolau II e a Revolução Russa (Desassossego), de Robert Service, que conta o que se passou entre as duas revoluções de 1917 – a de Fevereiro e a de Outubro – na óptica do czar.

Lenine no comboio (Temas & Debates), de Catherine Merridale, é um relato da insólita viagem que Lenine fez entre o exílio em Zurique e a conturbada São Petersburgo, em Abril de 1917, com a conivência/incentivo da Alemanha, que esperava que uma revolução bolchevique levasse a Rússia a retirar-se da guerra, deixando a Alemanha concentrar-se na Frente Ocidental – e foi o que aconteceu: a 15 de Dezembro, poucas semanas depois de Lenine ter conduzido os bolcheviques ao poder, Rússia e Alemanha assinavam um armistício.

Em Apanhados pela Revolução: Petrogrado 1917 (Temas & Debates), Helen Rappaport narra os eventos dramáticos daquele ano a partir do ponto de vista da comunidade estrangeira residente em Petrogrado. E como as revoluções não surgem do nada, é muito recomendável a leitura da História da Rússia (Edições 70) coordenada por Gregory L. Freeze, que mostra o caldo de cultura que favoreceu o radicalismo revolucionário e a obstinada resistência à mudança do czar e da aristocracia. É uma abrangente obra de referência, que se detinha, na 1.ª edição, em 1997, mas que entretanto foi actualizada com capítulos que cobrem eventos até 2009. Há poucos dias a Tinta da China lançou A Revolução Russa, de Sheila Fitzpatrick, historiadora australiana que tem consagrado a vida a este assunto; a obra foi publicada pela primeira vez em 1983 e entretanto alvo de revisão e expansão em 2007.

Em Maio, a Presença publicou Os Romanov, de Simon Sebag Montefiore (que já nos tinha dado uma detalhada biografia de Estaline), mas partiu o livro em dois e o vol. 1 vai de 1613 a 1825 – vamos a ver se o vol. 2, de 1825 a 1917, sai a tempo do centenário do fim da dinastia. Entretanto, não se esqueça que o Centro Cultural de Belém terá durante os próximos meses todo um programa dedicado ao tema da Revolução. Há poesia, debate, cinema e música, com a Orquestra Sinfónica Metropolitana e encerrar o ciclo, a 19 de Novembro.

Outras leituras

  • Arte

Dificilmente adivinharia o autor: “O turista, como se sabe, é logo a seguir à galinha (de aviário ou não), o animal menos viável da criação”. Estes textos, publicados em Luanda no ano de 1971, no Notícia – Semanário Ilustrado, devolvem-nos um Herberto Helder (1930-2015) que muito poucos conhecerão (o próprio filho, Daniel Oliveira, que prefacia o livro, nunca os lera), num registo entre a reportagem e a crónica, munido de um humor espantoso e de uma verve crítica que, todavia, não apagam um certo traço poético na sua escrita. 

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Mamas & Badanas. O livro que afinal é só silicone
  • Arte

Mamas & Badanas está dividido em dois por um profundo rego: de um lado uma centena de páginas sobre os textos nas badanas e contracapas dos livros de autores portugueses; do outro um volume similar de páginas que inventariam ocorrências de seios. Ambos possuem elevado potencial humorístico.

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