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Charles Manson: o assassino mais influente da cultura pop

Escrito por
Rui Monteiro
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Quando queria lidar com assassinos a sério e em série, a cultura pop entretinha-se com Jack, o Estripador. Contudo, a partir do final da década de 1960, surgiu no firmamento dos matadores em massa uma figura tenebrosa e fascinante. O que pregou, o que escreveu, o que fez e o que mandou fazer influenciou a cultura pop como nunca até então acontecera. Charles Manson morreu no domingo, aos 83 anos, no condado de Kern, na Califórnia, onde cumpria pena de prisão perpétua, sem nunca ser esquecido. E vai tornar-se uma celebridade, outra vez.

A interpretação do significado das letras das canções é mais ou menos um exercício com o valor científico da leitura das vísceras de um peixe por um druída. Ou, posto de outra maneira, perante uma letra menos óbvia, é cada cabeça sua sentença. Por exemplo, Helter Skelter, de Paul McCartney e John Lennon, foi decerto compreendida de muitas maneiras, mas nenhuma da forma profundamente perturbante como Charles Manson a entendeu. Para ele, aquele tema, incluído em The White Album, era uma referência à guerra racial que estava para vir (supõe-se que a reboque da luta pelos direitos cívicos nos Estados Unidos que dividia profundamente o país), em que os negros subjugariam os brancos, porém, incapazes de se governarem, apelariam à Família Manson, a sua seita, que sobreviria à tal guerra escondida em abrigos no deserto.

Um programa completo, portanto. E foi com este programa, à luz desta espécie de filosofia onde misturava a sua original e bizarra leitura da canção dos Beatles com racismo, cientologia, o Livro da Revelação, o anti-autoritarismo hippie e os escritos de Adolf Hitler, que arrebanhou seguidores assim que se mudou para São Francisco, em 1967, aos 32 anos, onde se instalou no bairro de Haight-Ashbury, então quartel-general dos filhos das flores, mal foi posto em liberdade condicional após mais uma estada na prisão, na qual, em várias ocasiões somadas, passara praticamente metade da vida.

A ele juntaram-se pouco mais de uma dúzia, principalmente raparigas, de filhos da classe média descontentes com o rumo da sociedade, e provavelmente desorientados com as convulsões do fragmentário movimento hippie, que ali encontraram um rumo, sem dúvida peculiar, mas definitivamente uma orientação, um objectivo de vida. Dois anos depois de vida “familiar”, já estabelecidas relações com a cultura pop que ainda hoje são motivo de conversa, Manson decidiu passar à acção e iniciar o seu Helter Skelter.

Assim, em 8 de Agosto de 1969, quatro membros da seita (Susan Atkins, Patricia Krenwinkel, Charles Watson e Linda Kasabian), que ficou vigilante no carro de fuga, invadiram a residência da actriz Sharon Tate. E, com uma mortífera combinação de tiros, esfaqueamentos, espancamentos e até enforcamento mataram a mulher do realizador Roman Polanski (que se encontrava em Londres a filmar) e os quatro amigos com quem convivia: Jay Sebring, Abigail Folger, Voytek Frykowski e Steven Parent.

Ao saírem deixaram a palavra “pigs” escrita a sangue na porta da frente, o que, na tortuosa mente de Mason, desviaria as atenções da polícia para militantes negros, pois era comum o vocabulário dos Panteras Negras referir os brancos, os ricos e principalmente os agentes de autoridade como “porcos”. Na noite seguinte a mensagem foi mais explícita. “Death to Pigs” e “Helter Skelter” foram as frases escritas com o sangue de Leno LaBianca, um comerciante rico, e a sua mulher, Rosemary, nas paredes da casa onde viviam, parece que escolhida ao acaso por Charles Manson, que, com outros seis apaniguados, prosseguia a matança, iniciando a construção da sua lenda.

Durante meses a polícia andou às aranhas, mas, no Outono desse ano, Susan Atkins foi presa por um assassinato não relacionado com estes crimes, e, na prisão, deu em gabar-se da sua participação nos assassínios Tate-LaBianca. Chibada por outra prisioneira, foi num ápice que as autoridades cercaram e prenderam a Família Manson. Depois de um conturbado julgamento (Manson chegou a atirar objectos ao juiz e, em certa ocasião, não hesitou em esmurrar o seu próprio advogado em pleno tribunal), boa parte dos membros da seita, incluindo naturalmente o seu líder, foram condenados a várias prisões para a vida.

O autoproclamado guru aprendeu a tocar guitarra numa das suas estadas na prisão e foi aí, parece, que começou a escrever canções com letras (dominadas pelos temas do sexo e da morte) que, em alguns casos, fizeram o seu caminho e, misturadas com o resto da sua vida, influenciaram outras áreas da cultura pop.

Tudo começou quando Manson mudou a “família” de São Francisco para Los Angeles e, por portas travessas, conheceu Dennis Wilson, baterista dos Beach Boys, que os albergou durante algum tempo e, de certa forma, alimentou o sonho do psicopata em construção em tornar-se um astro pop. Na verdade, a banda de Brian Wilson gravou uma canção, Never Learn Not to Love, adaptada muito livremente de uma canção de Manson, Cease to Exist. Todavia o autor não gostou de ver a sua canção totalmente transformada, e ainda menos que na creditação da autoria não surgisse o seu nome, “correndo” atrás de Dennis Wilson, que lhe garantira referência (o que o baterista negou mais de uma vez), ao ponto de este fugir de casa até a Família Manson abandonar a mansão deixando atrás um rasto de destruição.

Aproveitando a fama, já preso, Manson ainda gravou um par de álbuns. Mas foi preciso passarem algumas décadas para os seus temas ganharem peso. O primeiro passo foi dado pelos Guns'n'Roses quando gravaram uma dessas canções, Look At Your Game, Girl.

E não foi preciso passar muito tempo para outro cantor combinar o nome de Charles Manson com o de Marilyn Monroe e surgir em palco Marilyn Manson. Não é preciso grande esforço para ver em títulos (e confirmar ouvindo as letras) como Man That You Fear, Killing Strangers, Putting Holes in Happiness, Cupid Carries a Gun, ou Cake and Sodomy, a marca de uma subcultura largamente nascida da glamorização de um criminoso cruel que nunca mostrou qualquer arrependimento.

Construído o mito, era altura do cinema e da televisão se chegarem à frente. Levaram o seu tempo, mas, antes de ir mais longe, basta procurar a sétima temporada de American Horror Story para encontrar um episódio, Charles Takes Charge (no qual Manson é interpretado por Evan Peters), onde, entre outras violências menores, são recriados os acontecimentos que levaram ao assassínio de Sharon Tate.

Já uns anos antes, uma série interpretada por David Duchovny, Aquarius, desta vez com Gethin Anthony (que, mais tarde, seria Renly Baratheon, em A Guerra dos Tronos) no papel do guru psicopata, regressara ao final da década de 1960 para recordar os crimes da Família Manson. Porém, a série foi cancelada após duas temporadas.

No cinema foi Tom Gries, adaptando, em 1976, o livro co-escrito por Curt Gentry e Vincent Bugliosi (que fora um dos promotores públicos responsável pelo caso Tate-LaBianca), Helter Skelter, quem mais de frente pegou no tema. Steve Railsback fez de Mason, mas seria o actor Jeremy Davies, na sequela do filme, dirigida em 2004 por John Gray, quem deixaria mais marcante interpretação do assassino.

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