Time Out Market
Duarte Drago

Lisboa, quem te viu e quem te vê: o que mudou entre 2010 e 2019

Dez anos é muito tempo. Tudo o que mudou na cidade na década que agora chega ao fim.

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Se nos dissessem, há dez anos, que íamos acordar a um domingo de manhã para ir a um brunch com drag queens na Lx Factory (aquele sítio semi-abandonado ali debaixo da ponte), visitar um museu futurista junto ao Tejo chamado MAAT, desviarmo-nos de turistas numa renovada Ribeira das Naus, ir de bicicleta eléctrica almoçar a um Mercado da Ribeira transformado em food court, beber um copo na Graça ou ir dançar ao Intendente? E se nos dissessem, há dez anos, que um T0 numa cave ia custar 600€ por mês? Diríamos que era tudo uma grande loucura. Mas foi essa loucura que vivemos em Lisboa na última década.

Nova Lisboa, uma cronologia de bolso:

2010

Estabelece-se em Lisboa a Underdogs Art Gallery; inauguração do Centro de Investigação para o Desconhecido da Fundação Champalimaud.

2011

Fado passa a ser Património da Humanidade.

2012

Fundação Saramago instala-se na Casa dos Bicos.

2013

Rua Nova do Carvalho passa a ser a rua cor-de-rosa.

2014

Abrem o Time Out Market e o Village Underground; inauguração da nova Ribeira das Naus; regresso do Cinema Ideal.

2015

Inauguração do novo Museu Nacional dos Coches.

2016

Inauguração do MAAT; primeira Web Summit em Lisboa; abertura do Museu do Dinheiro.

2017

Histeria “Madonna em Lisboa”; o regresso do Cineteatro Capitólio; inauguração do novo Terminal de Cruzeiros; reabertura do Panorâmico de Monsanto.

2018

Campo das Cebolas renovado.

2019

Primeira greve estudantil pelo clima; novos passes Navegante com transportes públicos mais baratos.

Como a cidade mudou

Os quiosques aparecem como cogumelos

A comparação faz algum sentido, já que os quiosques típicos de Lisboa se assemelham de facto a grandes fungos metálicos. Esta invasão benigna começou em 2009, com a abertura do primeiro Quiosque do Refresco na Praça Luís de Camões. Seguiram-se os quiosques da Praça das Flores, Jardim do Príncipe Real e Largo da Sé. Em 2011 abriram cinco novos quiosques na Avenida da Liberdade e até a Time Out teve o seu “cogumelo” em 2012. Hoje há mais de 40 quiosques em Lisboa.

Esplanadas por todo o lado

Passámos de uma cidade tímida, onde os seus habitantes pareciam satisfeitos em ficar sentados dentro de um café, olhando para a rua, para uma metrópole exuberante de cidadãos vaidosos exibindo-se em esplanadas. Passámos de fotofóbicos a maníacos da luz natural em dez anos. Deixámos as cadeiras de plástico com publicidade a refrigerantes e adoptámos a cadeira Gonçalo como ícone do esplanadismo lisboeta. Desde 2012 que a Time Out Lisboa dedica uma edição às melhores esplanadas de Lisboa – e é desde então que esse número é um dos mais vendidos do ano. Mais uma prova de que se esplanadar fosse desporto olímpico, tínhamos de certeza várias medalhas.

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Ganhámos novos jardins...

Lisboa ficou mais verde na última década, mas atenção: esta ainda não é, de longe, a cor dominante da nossa capital. Foram sonantes as inaugurações do Jardim da Cerca da Graça (2015), o maior espaço verde do centro da cidade, e a abertura do Parque Urbano do Vale da Montanha (2018) e os seis 11 hectares de clorofila e seres praticantes de fotossíntese. Temos de assinalar também a renovação do Jardim do Campo Grande, feita em duas partes (2013 e 2018) e as obras há muito aguardadas no Jardim Botânico e Jardim de Santos. E convém não esquecer que arrancámos a década com um renovado Jardim do Príncipe Real, inaugurado em Maio de 2010.

... e novos miradouros

A cidade começou a dar nas vistas esta década e decidiu retribuir, dando aos turistas novos pontos de vista. O problemático Miradouro de São Pedro de Alcântara reabriu todo catita em 2008 depois de anos e anos e obras, mas em 2017 o tabuleiro inferior teve de fechar para obras. Mas as maiores novidades do ramo do miradourismo vieram de lugares inesperados: o centro comercial Amoreiras começou a cobrar bilhetes para o terraço e assim nasceu o Amoreiras 360° Panoramic View, em 2016. No ano seguinte, a Ponte 25 de Abril entrava na lista dos pontos altos com vistas amplas para a cidade: inaugurava então a Experiência Pilar 7. Em Setembro do mesmo ano voltámos todos ao Restaurante Panorâmico de Monsanto para encher a barriga com um dos melhores panoramas de Lisboa. Do edifício abandonado fez-se miradouro de paragem obrigatória.

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A Bica acabou...

Em 2010 não havia uma noite que não começasse superando a inclinação da Rua da Bica de Duarte Belo. Mas a recuperação imobiliária naquela zona ditou o fim de uma série de bares icónicos – parece que as pessoas que alugam Airbnb em zonas “very typical” não gostam das coisas que as tornam “typical”. O Bicaense, um dos símbolos da noite daquela zona, fechou este ano. Mas antes já tinham desaparecido o Grupo Excursionista Vai Tu, o Baliza e o Funicular.

... e o Intendente começou

Em 2012 a Casa Independente foi inaugurada no Largo do Intendente, mas no ano anterior já o então presidente da Câmara António Costa tinha mudado o seu gabinete para aquela zona de má fama. A abertura da loja Vida Portuguesa, no final de 2013, colocou o bairro na rota dos turistas.

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Lisboa ficou com mais Graça...

A abertura do DAMAS, em 2015, marca um antes e um depois da vida nocturna da Graça. O eixo de diversão da cidade moveu-se ligeiramente para aquela colina graças à programação variada deste bar/ restaurante/sala de concertos.

...e despertámos para as maravilhas de Marvila

Continua a ser um pequeno desafio logístico chegar de transportes públicos a esta zona ribeirinha de grandes armazéns, mas se estamos dispostos a fazer esse esforço é porque vale mesmo a pena. A Fábrica Braço de Prata estava sozinha a colocar a zona no mapa, fazendo uma espécie de halterofilismo de notoriedade geográfica. Mas a partir de meados de 2014 começou a ter companhia: abriu uma tap room da marca de cerveja artesanal Dois Corvos, o Café com Calma e a Dinastia Tang. Enquanto isso, vários coworks e pequenas comunidades de artistas começavam a ocupar os grandes edifícios abandonados da zona. A inauguração da Fábrica Musa, em 2017, trouxe mais gente ao bairro graças aos concertos e DJ sets que há quase todos os dias.

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Os mercados ficaram em altas

O Time Out Market é a face mais visível dos novos mercados de Lisboa. Mas a grande transformação do Mercado da Ribeira, em 2014, num dos maiores ímanes de turistas da cidade não foi a única. No ano anterior, já o Mercado de Campo de Ourique se apresentava com uma nova imagem. O Mercado de Santa Clara, Arroios, Santos e Alvalade seguiram o mesmo caminho.

Como nós mudámos

O gin tónico venceu-nos

Foram várias as vezes que aqui na revista declarámos o fim deste cocktail transparente servido em grandes copos redondos, cheios de coisas a boiar. Mas o gin resistiu a todas as mudanças. Mantém-se, firme, como uma referência na noite lisboeta. E não tem ainda um rival à altura.

Rendemo-nos à cerveja artesanal

“Sabe a flores”, “parece que estou a lamber um pneu”, “é assim uma mistura de roupa húmida com o cheiro de carro novo”. As nossas primeiras reacções à cerveja artesanal foram curiosas. Resistimos durante muito tempo à novidade, mas acabámos rendidos. Para a conversão a estas bebidas de cevada mais complexas foi importante o trabalho de sítios como a Cerveteca, na Praça das Flores. A inauguração do primeiro bar de cerveja artesanal, em 2014, assinala uma mudança nos nossos palatos.

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Começamos a ir de bicicleta para todo o lado

No final de 2010 havia 80 km de vias cicláveis em Lisboa. Em 2021, estima-se que serão 200 km de ciclovias. Mas não foram só as pistas de bicicletas a mudar a paisagem da cidade e os hábitos dos lisboetas: a rede de bicicletas partilhadas, Gira, foi inaugurada em 2017 e no início deste ano chegaram as bicicletas eléctricas da Uber, as Jump. Pelo meio fomos invadidos por trotinetes e os meios de transporte alternativos tornaram-se tão diversificados que só falta uma app para andar a pé.

Passámos a ver cinema na rua

No Verão de 2017 demos conta aqui na revista de 19 eventos diferentes de cinema ao ar livre em Lisboa. O fenómeno das telas ao relento chegou a jardins, praças e terraços. Mas o Cineconchas, iniciado em 2008, é o maior e mais regular dos eventos do género – e a inspiração para todos os que querem fazer drive-in sem carros.

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Participámos mais na vida da cidade

Em 2008 os lisboetas puderam pela primeira vez escolher directamente o destino para os dinheiros da Câmara, votando no Orçamento Participativo. A esse início tímido seguiram-se anos cada vez mais produtivos, com propostas cada vez mais originais – e algumas um bocado absurdas. Este ano houve 122 projectos a concurso.

Tornámo-nos um bocadinho menos carnívoros

Restaurantes vegetarianos, vegan, naturais, orgânicos, crudíveros ou flexitarianos. A dieta lisboeta tornou-se mais diversificada – e um pouco mais saudável – na última década. Ser vegetariano deixou de significar aquela omelete num tasco ou um “se calhar janto só sopa.”

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Novo Dicionário Alfacinha

As palavras que marcaram a década em Lisboa

Cowork

Escritórios para pessoas que não têm dinheiro para alugar um escritório - profissionais independentes, artistas, freelancers e pequenas startups. São um reflexo de mudanças na economia e na nossa forma de trabalhar, mas também um indicador das transformações da cidade. O primeiro cowork abriu na LX Factory em 2010 e desde então estas salas comunitárias para trabalhadores precários multiplicaram-se. Em 2016 abriu no Mercado da Ribeira o Second Home Lisboa, espaço de cowork gigante e todo modernaço com capacidade para 250 pessoas.

Coliving

Os espaços de vida partilhada chegaram à cidade este ano e são uma engenhosa glamourização da vida chata de ter de partilhar casa com desconhecidos.

Influencer

A instagramização da sociedade trouxe-nos a figura do “influencer”, alguém muito popular nas redes sociais cujas opiniões são respeitadas. No fundo, são pessoas que tiram muitas fotografias a segurar produtos e são pagas por isso.

Foodie

Na última década a cidade tornou-se obcecada por comida. Nem todos nos tornámos especialistas, mas muitos lisboetas, de tanto saltar de restaurante em restaurante, começaram a julgar-se proprietários de um saber especial e de um paladar único. O rótulo de foodie é auto-atribuído e nem sempre muito respeitado.

Gentrificação

Talvez uma das frases mais repetidas da década seja esta: “Sítio X vai fechar. O edifício vai para obras e vai nascer ali um hotel”. Lisboa de 2020 é muito diferente da de 2010. Basta andar na rua para perceber isso. Mas as mudanças na cidade tiveram um preço. A factura passa-se sempre a esta palavrinha de 13 letras: gentrificação.

AL

A sigla que parece brotar directamente das paredes dos prédios. Será um fungo? Uma planta invasora? A Lei das Rendas de 2012 e a legislação que permitiu a regularização do Alojamento Local, no mesmo ano, detonaram o espírito empreendedor dos senhorios lisboetas. E é por isso, senhoras e senhores, que um T1 numa cave no Rego tem hoje uma renda razoável de 800€ por mês.

Artesanal

Lembram-se da palavra “gourmet”? Desapareceu completamente do nosso léxico nos primeiros anos da década. A partir de certa altura, não sabemos precisar quando, a expressão “artesanal” começou a aparecer um pouco por todo o lado: os hambúrgueres, o pão, a cerveja, o gelado, tudo tinha de ser artesanal. O pico da artesanalidade deu-se em 2016, com a abertura em Lisboa da primeira almondegaria artesanal.

Lisboa à lupa

Os anos 2010-2020 foram a década de ouro da restauração lisboeta, a década em que descobrimos que havia mais do que sushi e chop suey e em que o fine dining se democratizou.  Nestes dez anos, venceu o petisco e a tasca moderna, a alta cozinha portuguesa e as comidas do mundo. Há hambúrgueres que merecem sempre um regresso, dumplings, comida de tacho e pratinhos para partilhar sem ficar com um ratinho no estômago. 

Há coisas que já estão de tal forma enraízadas nos nossos hábitos de consumo que já nem nos lembramos quando começaram. A verdade é que foi nesta década que começámos a ver chefs tatuados na cozinha, que começámos a partilhar pratos de comida e a petiscar em grupo, que nos lambuzámos com gelados artesanais italianos sem corantes ou conservantes e que prestámos mais atenção à cozinha asiática. Começámos a beber vinho a copo, deixando a febre do gin tónico para trás. E depois há as outras coisas que morreram e que queremos que fiquem bem enterradas.

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