A Time Out na sua caixa de entrada

Procurar
Time Out Market
Duarte Drago

Lisboa, quem te viu e quem te vê: o que mudou entre 2010 e 2019

Dez anos é muito tempo. Tudo o que mudou na cidade na década que agora chega ao fim.

Escrito por
Luís Leal Miranda
e
Ricardo Dias Felner
Publicidade

Se nos dissessem, há dez anos, que íamos acordar a um domingo de manhã para ir a um brunch com drag queens na Lx Factory (aquele sítio semi-abandonado ali debaixo da ponte), visitar um museu futurista junto ao Tejo chamado MAAT, desviarmo-nos de turistas numa renovada Ribeira das Naus, ir de bicicleta eléctrica almoçar a um Mercado da Ribeira transformado em food court, beber um copo na Graça ou ir dançar ao Intendente? E se nos dissessem, há dez anos, que um T0 numa cave ia custar 600€ por mês? Diríamos que era tudo uma grande loucura. Mas foi essa loucura que vivemos em Lisboa na última década.

Nova Lisboa, uma cronologia de bolso:

2010

Estabelece-se em Lisboa a Underdogs Art Gallery; inauguração do Centro de Investigação para o Desconhecido da Fundação Champalimaud.

2011

Fado passa a ser Património da Humanidade.

2012

Fundação Saramago instala-se na Casa dos Bicos.

2013

Rua Nova do Carvalho passa a ser a rua cor-de-rosa.

2014

Abrem o Time Out Market e o Village Underground; inauguração da nova Ribeira das Naus; regresso do Cinema Ideal.

2015

Inauguração do novo Museu Nacional dos Coches.

2016

Inauguração do MAAT; primeira Web Summit em Lisboa; abertura do Museu do Dinheiro.

2017

Histeria “Madonna em Lisboa”; o regresso do Cineteatro Capitólio; inauguração do novo Terminal de Cruzeiros; reabertura do Panorâmico de Monsanto.

2018

Campo das Cebolas renovado.

2019

Primeira greve estudantil pelo clima; novos passes Navegante com transportes públicos mais baratos.

Como a cidade mudou

Os quiosques aparecem como cogumelos
©Manuel Manso

Os quiosques aparecem como cogumelos

A comparação faz algum sentido, já que os quiosques típicos de Lisboa se assemelham de facto a grandes fungos metálicos. Esta invasão benigna começou em 2009, com a abertura do primeiro Quiosque do Refresco na Praça Luís de Camões. Seguiram-se os quiosques da Praça das Flores, Jardim do Príncipe Real e Largo da Sé. Em 2011 abriram cinco novos quiosques na Avenida da Liberdade e até a Time Out teve o seu “cogumelo” em 2012. Hoje há mais de 40 quiosques em Lisboa.

Esplanadas por todo o lado
©Manuel Manso

Esplanadas por todo o lado

Passámos de uma cidade tímida, onde os seus habitantes pareciam satisfeitos em ficar sentados dentro de um café, olhando para a rua, para uma metrópole exuberante de cidadãos vaidosos exibindo-se em esplanadas. Passámos de fotofóbicos a maníacos da luz natural em dez anos. Deixámos as cadeiras de plástico com publicidade a refrigerantes e adoptámos a cadeira Gonçalo como ícone do esplanadismo lisboeta. Desde 2012 que a Time Out Lisboa dedica uma edição às melhores esplanadas de Lisboa – e é desde então que esse número é um dos mais vendidos do ano. Mais uma prova de que se esplanadar fosse desporto olímpico, tínhamos de certeza várias medalhas.

Publicidade
Ganhámos novos jardins...
©Arlindo Camacho

Ganhámos novos jardins...

Lisboa ficou mais verde na última década, mas atenção: esta ainda não é, de longe, a cor dominante da nossa capital. Foram sonantes as inaugurações do Jardim da Cerca da Graça (2015), o maior espaço verde do centro da cidade, e a abertura do Parque Urbano do Vale da Montanha (2018) e os seis 11 hectares de clorofila e seres praticantes de fotossíntese. Temos de assinalar também a renovação do Jardim do Campo Grande, feita em duas partes (2013 e 2018) e as obras há muito aguardadas no Jardim Botânico e Jardim de Santos. E convém não esquecer que arrancámos a década com um renovado Jardim do Príncipe Real, inaugurado em Maio de 2010.

... e novos miradouros
©Arlindo Camacho

... e novos miradouros

A cidade começou a dar nas vistas esta década e decidiu retribuir, dando aos turistas novos pontos de vista. O problemático Miradouro de São Pedro de Alcântara reabriu todo catita em 2008 depois de anos e anos e obras, mas em 2017 o tabuleiro inferior teve de fechar para obras. Mas as maiores novidades do ramo do miradourismo vieram de lugares inesperados: o centro comercial Amoreiras começou a cobrar bilhetes para o terraço e assim nasceu o Amoreiras 360° Panoramic View, em 2016. No ano seguinte, a Ponte 25 de Abril entrava na lista dos pontos altos com vistas amplas para a cidade: inaugurava então a Experiência Pilar 7. Em Setembro do mesmo ano voltámos todos ao Restaurante Panorâmico de Monsanto para encher a barriga com um dos melhores panoramas de Lisboa. Do edifício abandonado fez-se miradouro de paragem obrigatória.

Publicidade
A Bica acabou...
©Manuel Manso

A Bica acabou...

Em 2010 não havia uma noite que não começasse superando a inclinação da Rua da Bica de Duarte Belo. Mas a recuperação imobiliária naquela zona ditou o fim de uma série de bares icónicos – parece que as pessoas que alugam Airbnb em zonas “very typical” não gostam das coisas que as tornam “typical”. O Bicaense, um dos símbolos da noite daquela zona, fechou este ano. Mas antes já tinham desaparecido o Grupo Excursionista Vai Tu, o Baliza e o Funicular.

... e o Intendente começou
©DR

... e o Intendente começou

Em 2012 a Casa Independente foi inaugurada no Largo do Intendente, mas no ano anterior já o então presidente da Câmara António Costa tinha mudado o seu gabinete para aquela zona de má fama. A abertura da loja Vida Portuguesa, no final de 2013, colocou o bairro na rota dos turistas.

Publicidade
Lisboa ficou com mais Graça...
Fotografia: Inês Calado Rosa

Lisboa ficou com mais Graça...

A abertura do DAMAS, em 2015, marca um antes e um depois da vida nocturna da Graça. O eixo de diversão da cidade moveu-se ligeiramente para aquela colina graças à programação variada deste bar/ restaurante/sala de concertos.

...e despertámos para as maravilhas de Marvila
Fotografia: Manuel Manso

...e despertámos para as maravilhas de Marvila

Continua a ser um pequeno desafio logístico chegar de transportes públicos a esta zona ribeirinha de grandes armazéns, mas se estamos dispostos a fazer esse esforço é porque vale mesmo a pena. A Fábrica Braço de Prata estava sozinha a colocar a zona no mapa, fazendo uma espécie de halterofilismo de notoriedade geográfica. Mas a partir de meados de 2014 começou a ter companhia: abriu uma tap room da marca de cerveja artesanal Dois Corvos, o Café com Calma e a Dinastia Tang. Enquanto isso, vários coworks e pequenas comunidades de artistas começavam a ocupar os grandes edifícios abandonados da zona. A inauguração da Fábrica Musa, em 2017, trouxe mais gente ao bairro graças aos concertos e DJ sets que há quase todos os dias.

Publicidade
Os mercados ficaram em altas
Duarte Drago

Os mercados ficaram em altas

O Time Out Market é a face mais visível dos novos mercados de Lisboa. Mas a grande transformação do Mercado da Ribeira, em 2014, num dos maiores ímanes de turistas da cidade não foi a única. No ano anterior, já o Mercado de Campo de Ourique se apresentava com uma nova imagem. O Mercado de Santa Clara, Arroios, Santos e Alvalade seguiram o mesmo caminho.

Como nós mudámos

O gin tónico venceu-nos
©Ana Luzia

O gin tónico venceu-nos

Foram várias as vezes que aqui na revista declarámos o fim deste cocktail transparente servido em grandes copos redondos, cheios de coisas a boiar. Mas o gin resistiu a todas as mudanças. Mantém-se, firme, como uma referência na noite lisboeta. E não tem ainda um rival à altura.

Rendemo-nos à cerveja artesanal
©Manuel Manso

Rendemo-nos à cerveja artesanal

“Sabe a flores”, “parece que estou a lamber um pneu”, “é assim uma mistura de roupa húmida com o cheiro de carro novo”. As nossas primeiras reacções à cerveja artesanal foram curiosas. Resistimos durante muito tempo à novidade, mas acabámos rendidos. Para a conversão a estas bebidas de cevada mais complexas foi importante o trabalho de sítios como a Cerveteca, na Praça das Flores. A inauguração do primeiro bar de cerveja artesanal, em 2014, assinala uma mudança nos nossos palatos.

Publicidade
Começamos a ir de bicicleta para todo o lado
Fotografia: Ana Luzia

Começamos a ir de bicicleta para todo o lado

No final de 2010 havia 80 km de vias cicláveis em Lisboa. Em 2021, estima-se que serão 200 km de ciclovias. Mas não foram só as pistas de bicicletas a mudar a paisagem da cidade e os hábitos dos lisboetas: a rede de bicicletas partilhadas, Gira, foi inaugurada em 2017 e no início deste ano chegaram as bicicletas eléctricas da Uber, as Jump. Pelo meio fomos invadidos por trotinetes e os meios de transporte alternativos tornaram-se tão diversificados que só falta uma app para andar a pé.

Passámos a ver cinema na rua
©Marco Almeida

Passámos a ver cinema na rua

No Verão de 2017 demos conta aqui na revista de 19 eventos diferentes de cinema ao ar livre em Lisboa. O fenómeno das telas ao relento chegou a jardins, praças e terraços. Mas o Cineconchas, iniciado em 2008, é o maior e mais regular dos eventos do género – e a inspiração para todos os que querem fazer drive-in sem carros.

Publicidade

Participámos mais na vida da cidade

Em 2008 os lisboetas puderam pela primeira vez escolher directamente o destino para os dinheiros da Câmara, votando no Orçamento Participativo. A esse início tímido seguiram-se anos cada vez mais produtivos, com propostas cada vez mais originais – e algumas um bocado absurdas. Este ano houve 122 projectos a concurso.

Tornámo-nos um bocadinho menos carnívoros
©Manuel Manso

Tornámo-nos um bocadinho menos carnívoros

Restaurantes vegetarianos, vegan, naturais, orgânicos, crudíveros ou flexitarianos. A dieta lisboeta tornou-se mais diversificada – e um pouco mais saudável – na última década. Ser vegetariano deixou de significar aquela omelete num tasco ou um “se calhar janto só sopa.”

Publicidade
Novo Dicionário Alfacinha
Fotografia: Manuel Manso

Novo Dicionário Alfacinha

As palavras que marcaram a década em Lisboa

Cowork

Escritórios para pessoas que não têm dinheiro para alugar um escritório - profissionais independentes, artistas, freelancers e pequenas startups. São um reflexo de mudanças na economia e na nossa forma de trabalhar, mas também um indicador das transformações da cidade. O primeiro cowork abriu na LX Factory em 2010 e desde então estas salas comunitárias para trabalhadores precários multiplicaram-se. Em 2016 abriu no Mercado da Ribeira o Second Home Lisboa, espaço de cowork gigante e todo modernaço com capacidade para 250 pessoas.

Coliving

Os espaços de vida partilhada chegaram à cidade este ano e são uma engenhosa glamourização da vida chata de ter de partilhar casa com desconhecidos.

Influencer

A instagramização da sociedade trouxe-nos a figura do “influencer”, alguém muito popular nas redes sociais cujas opiniões são respeitadas. No fundo, são pessoas que tiram muitas fotografias a segurar produtos e são pagas por isso.

Foodie

Na última década a cidade tornou-se obcecada por comida. Nem todos nos tornámos especialistas, mas muitos lisboetas, de tanto saltar de restaurante em restaurante, começaram a julgar-se proprietários de um saber especial e de um paladar único. O rótulo de foodie é auto-atribuído e nem sempre muito respeitado.

Gentrificação

Talvez uma das frases mais repetidas da década seja esta: “Sítio X vai fechar. O edifício vai para obras e vai nascer ali um hotel”. Lisboa de 2020 é muito diferente da de 2010. Basta andar na rua para perceber isso. Mas as mudanças na cidade tiveram um preço. A factura passa-se sempre a esta palavrinha de 13 letras: gentrificação.

AL

A sigla que parece brotar directamente das paredes dos prédios. Será um fungo? Uma planta invasora? A Lei das Rendas de 2012 e a legislação que permitiu a regularização do Alojamento Local, no mesmo ano, detonaram o espírito empreendedor dos senhorios lisboetas. E é por isso, senhoras e senhores, que um T1 numa cave no Rego tem hoje uma renda razoável de 800€ por mês.

Artesanal

Lembram-se da palavra “gourmet”? Desapareceu completamente do nosso léxico nos primeiros anos da década. A partir de certa altura, não sabemos precisar quando, a expressão “artesanal” começou a aparecer um pouco por todo o lado: os hambúrgueres, o pão, a cerveja, o gelado, tudo tinha de ser artesanal. O pico da artesanalidade deu-se em 2016, com a abertura em Lisboa da primeira almondegaria artesanal.

Lisboa à lupa

  • Restaurantes

Os anos 2010-2020 foram a década de ouro da restauração lisboeta, a década em que descobrimos que havia mais do que sushi e chop suey e em que o fine dining se democratizou.  Nestes dez anos, venceu o petisco e a tasca moderna, a alta cozinha portuguesa e as comidas do mundo. Há hambúrgueres que merecem sempre um regresso, dumplings, comida de tacho e pratinhos para partilhar sem ficar com um ratinho no estômago. 

  • Restaurantes

Há coisas que já estão de tal forma enraízadas nos nossos hábitos de consumo que já nem nos lembramos quando começaram. A verdade é que foi nesta década que começámos a ver chefs tatuados na cozinha, que começámos a partilhar pratos de comida e a petiscar em grupo, que nos lambuzámos com gelados artesanais italianos sem corantes ou conservantes e que prestámos mais atenção à cozinha asiática. Começámos a beber vinho a copo, deixando a febre do gin tónico para trás. E depois há as outras coisas que morreram e que queremos que fiquem bem enterradas.

Recomendado
    Também poderá gostar
    Também poderá gostar
    Publicidade