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A Fábrica do Nada
©DRA Fábrica do Nada no Festival de Roterdão

Festival de Roterdão: um lar do cinema europeu

É o primeiro festival de cinema do ano na Europa. Por isso, até 4 de Fevereiro, e para cinéfilos a quem os Óscares dizem pouco, Roterdão é o lugar onde descobrir o que está para vir nos ecrãs do continente. Entre as revelações estão filmes portugueses.

Escrito por
Rui Monteiro
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Desde 1972, quando criado por Hubert Bals, os objectivos do festival foram mudando. Evoluiu de mostra de ousadias para um evento mais universal, onde o cinema europeu e os cineastas mais dados ao risco encontraram uma montra – e onde Portugal por vezes brilha.

Festival de Roterdão: um lar do cinema europeu

Tierra Firme

Quem tem andado com atenção reparou decerto em 10.000 Km, o filme de 2014, relato de um amor neste ciber-tempo. Pois é o amor, e também a maternidade, que Carlos Marqués-Marcet aborda de novo nesta obra, que confronta e questiona as novas formulações familiares e as suas eventuais consequências e reflexos no futuro, de certo modo, e com olhar irónico, como quem procede a um trabalho de campo em antropologia. Aqui, temos Eva (Oona Chaplin) e Kat (Natalia Tena), vivendo em comum e sem grande preocupação numa casa-barco atracada em um dos canais londrinos. A primeira, há muito sonhando em ser mãe, aproveita o desaparecimento do gato de estimação, o que muito afecta a companheira, e a coincidência da visita de Roger (David Verdaguer), o melhor amigo de Kat, para, entre copos e recordações e ideias parvas, mudar a conversa para a doação de esperma. E a coisa faz-se. E os três passam a viver juntos para criar aquela criança. E depois?

Djon África

Djon África

João Miller Guerra e Filipa Reis são bem conhecidos do seu trabalho documental, e, nesta sua longa-metragem de ficção, não descartam essa herança, antes a colocam à disposição de uma história de vida recheada de reviravoltas. Aliás, ao princípio, a vida despreocupada de Miguel (Miguel Moreira) corre-lhe bem. E quando o chateiam responde à Sinatra com o célebre “I do it my way” que sempre cala a oposição. E entra um desconhecido, a bem dizer a pés juntos, para lhe contar como é a cara chapada do pai que nunca viu, e acrescentar como o progenitor também é “um jogador e um crápula.” Assim começa a viagem de descoberta que leva o protagonista a Cabo Verde e à descoberta do seu verdadeiro eu, por assim dizer, entre a melancolia da paisagem e a euforia induzida a grogue.

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O Termómetro de Galileu

Durante um Verão inteiro, Teresa Villaverde (nas palavras da promoção do festival: “a grande cineasta portuguesa”) acompanhou o camarada de profissão e conhecido realizador italiano Tonino De Bernardi. Desta intimidade saiu um documentário, em primeira apresentação no festival, retrato pessoal e artístico de um cineasta singular, no qual Villaverde associa subtilmente, como quem constrói um ensaio, a arte e a vida.

A Fábrica de Nada

Procurando uma carreira internacional, o surpreendente filme de Pedro Pinho é outra das presenças nacionais em Roterdão. Versão cinematográfica do musical escrito por Jorge Silva Melo, há anos levado à cena pela companhia Artistas Unidos, o argumento que Pinho filmou, assinado por Tiago Hespanha e Luísa Homem, tem Carla Galvão, Dinis Gomes e Joaquim Bichana Martins nos principais papéis. A película nasceu da experiência de autogestão da fábrica de elevadores Otis, em 1974 (que, digamos, não correu nada bem, mas teve os seus momentos), transformada pela realização numa deliciosa tragicomédia da crise económica.

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Tempo Comum

O tema da maternidade, agora em versão documental, regressa no filme de Susana Nobre, mostrando como a vida com um recém-nascido é, ao mesmo tempo, uma alegria, uma vulgaridade e, por vezes, um embaraço. Sem manual de instruções, porém intrigada, a realizadora acompanha um casal lisboeta, Marta e Pedro, após o nascimento da sua primeira filha, registando com elevada sensibilidade esse novo quotidiano colorido por esclarecedoras narrativas paralelas.

Fátima

Também na senda da carreira fora de portas, João Canijo apresenta Fátima no Festival de Roterdão. Para os que ignoraram a passagem em ecrãs portugueses, e ao contrário do possam julgar, Fátima não é um filme religioso, embora seja o relato de uma peregrinação. A religião, aqui, é apenas evidenciada na composição das personagens e na crença mútua das actrizes (Cleia Almeida, Vera Barreto, Rita Blanco, Márcia Breia, Ana Bustorff, Teresa Madruga, Anabela Moreira, Sara Norte, entre outras) em relação a Canijo, e de Canijo em relação às actrizes. O embate final é um atalho para Fátima, o refúgio religioso que se converte na perfeita união de espírito e da cinematografia que a realização consegue emanar através de imagens assombrosas.

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Milla

Milla

Quem conhece Nana, o primeiro filme de Valérie Massadian, reconhecerá em Milla essa mistura entre o documentário e a ficção, entre o distanciamento do sujeito e o envolvimento na subjectividade poética das situações em que coloca estes dois adolescentes socialmente inadaptados, Milla (Séverine Jonckeere) e Leo (Luc Chessel). É uma película baseada na experiência de vida da agora actriz Séverine Jonckeere. É esse olhar que a realização persegue, entre a acção e os mais marcantes momentos de silêncio e intimidade, procurando a magia entre a parte da vulgaridade da vida que também toca os desajustados e os marginais.

Zama

Lucrecia Martel, desta vez, inspirou-se num romance do escritor modernista argentino Antonio di Benedetto, que interpreta e conta em quadros cenas da vida de Diego de Zama (Daniel Giménez Cacho), oficial espanhol, nos tempos coloniais, aguardando uma carta do rei assegurando a sua transferência para local mais aprazível e profissionalmente importante que aquela cidade à beira-rio. As coisas não correm como o desejado, e a realizadora (que sobre esta aventura imprime assuntos ainda actuais, como a posse da terra ou a repressão ao campesinato) não ameniza o martírio do militar que encontra uma saída precária para a sua humilhação na perseguição a um perigoso bandido.

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The Captain

O realizador alemão Robert Schwentke, a partir do relato de um cabo do exército alemão, Willi Herold (interpretado por Max Hubacher), traça um retrato pungente da completa ausência de moral e motivação das forças armadas e da população alemã nas semanas antecedentes ao colapso final do Reich. A deserção de Herold, cuja perseguição inicia o filme, dá de imediato o tom à obra deste realizador, especializado em grandes produções, por esta vez contido na narrativa desta fábula moral – a que o revisionismo da extrema-direita alemã sobre o papel do exército durante a II Guerra Mundial confere indiscutível actualidade.

Les Garçons Sauvages

Foi no princípio da última década do século passado, essa em que o dinheiro corria à tripa-forra, que um quinteto de adolescentes ricos são despachados, como castigo, para um cruzeiro depois de assassinarem um professor. Na sua estreia na realização de longas-metragens, depois de aplaudido criador de obras de curta duração, Bertrand Mandico não faz a coisa por menos e põe a canalha, dirigida por um comandante dado à violência, a desembarcar numa ilha aparentemente luxuriante. E luxuriante, de facto, é: a ilha na exuberância da sua flora, o filme na ardilosa luminosidade em que envolve uma narrativa carregada de poesia, violência e sexualidade fluida.

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