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Niko TaverniseJoaquin Phoenix como Joker

Joaquin Phoenix: “Quero que o Joker nos ponha a pensar”

Como é que o filme sobre um supervilão da DC Comics vence o prestigiado Leão de Ouro em Veneza? Concentrando-se na psicose. O protagonista, Joaquin Phoenix, ajuda-nos a perceber o fenómeno “Joker”.

Houssine Bouchama
Escrito por
Houssine Bouchama
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Joker, o filme mais esperado do Outono, revela o processo de transformação de um comediante falhado, Arthur Fleck, no temido psicopata de Gotham. A força motriz do enredo é Joaquin Phoenix, cuja arrepiante interpretação prenuncia já um Óscar. O próprio actor tem a reputação de ser algo arisco – “a maior parte do tempo, estou só a tentar chegar ao fim das entrevistas”, confessa. No entanto, o homem com que nos deparamos é directo mas descontraído, e interessado em conversar sobre como é encarnar um supervilão do Universo DC.

É preciso gostar de uma personagem como o Joker para a interpretar?
Este tipo foi abusado fisicamente quando era criança. É difícil não sentir empatia por alguém que passou por algo assim. Esse tipo de experiência altera o cérebro, a forma de pensar. E fez-me mudar a minha visão da personagem. No início, só queria que ele se lixasse.

Como é que se preparou para este papel? Estudou distúrbios mentais?
Vi alguns vídeos e li dois livros. A ideia é que os responsáveis por assassínios políticos e em massa têm personalidades semelhantes. Até 1963, tinham sido identificadas duas categorias: a dos extremistas políticos racionais e a dos loucos. Depois, o leque aumentou. De repente, havia quem só ansiasse por atenção e notoriedade. No contexto do filme, isto pareceu-me interessante. Por um lado, Arthur é um tipo ansioso e introvertido que quer desaparecer, por outro, a personagem que adopta, o Joker, é um narcisista que deseja ser visto e reverenciado.

Muito se fala sobre o peso que perdeu para dar vida a Joker. Chateia-o que lhe perguntem sobre isso?
Para um actor, perder peso não é só uma questão de visual e actuação. Se fosse, não haveria nenhum propósito maior. Perder peso influencia a forma como nos sentimos. Fico com mais fome. Isso cria-me uma insatisfação constante, que é um elemento tão central na personalidade do Joker.

Ele é muito solitário. Como se sente quando passa tempo sozinho?
É o que mais gosto. E é também a vida dele. É por isso que é tão difícil formar uma opinião sobre ele. A cena crítica do filme, no metro, é um bom exemplo desse conflito. Ele vê uma mulher a ser assediada e não só não intervém como fica a analisar o comportamento deles, impassivelmente. Não sabe falar com mulheres. Acha normal. Há algo de muito desconcertante nisso. Este tipo vive nas nuvens, como se fosse uma criança cuja mente ainda não se desenvolveu, e está em constante confronto com coisas novas no mundo. Ao mesmo tempo, dá vontade de gritar ‘seu idiota, porque é que o teu instinto não te diz para agir?!’. A certa altura, desata a rir descontroladamente, o que o mete em sarilhos. Mas, no momento seguinte, ele próprio é o predador. No espaço de dois minutos, a personagem leva-nos em várias direcções. Foi isso que me cativou.

Esse riso crescente e inquietante é uma presença constante no filme.
No guião, o riso dele surge como consequência do trauma. Quando comecei a trabalhar com Frances Conroy, que interpreta a mãe do Joker, alguma coisa fez com que eu ponderasse como teria sido ser filho dela. Imaginei-o mais novo, a rir de forma inapropriada. E imaginei-a a desculpar-se dizendo que o seu filho tinha algum tipo de doença. Uma manhã, o Todd Phillips  e eu decidimos acrescentar um diálogo do Joker com a mãe: ‘sempre me disseste que eu ria demasiado porque tinha uma doença, mas estás errada, este riso é quem eu realmente sou’. O riso cria uma separação entre Arthur e o mundo, e o ódio, a raiva e o ressentimento vêm daí.

A influência de filmes de Martin Scorsese como O Touro Enraivecido, Taxi Driver e sobretudo O Rei da Comédia em Joker é muito notória. E Robert de Niro ainda interpreta um apresentador de televisão...
Aquilo que Joker invoca do cinema da década de 70 é o facto de retratar um protagonista complexo num formato cinematográfico que não nos dá uma indicação exacta do que devemos sentir. Isso foi-se perdendo. Nos filmes baseados em BD, as motivações e os comportamentos são sempre óbvios. Sejam as dos bonzinhos ou dos mauzões, tudo é sempre simplificado. E isso não reflecte a vida real. Não me oponho ao entretenimento puro, mas tendo a perceber em 20 minutos que não há mais nada para espremer, e perco o interesse. Prefiro a ambiguidade. Quero que o Joker ponha as pessoas a pensar.

Chocou-me que um filme tão pessoal tivesse sido produzido por um grande estúdio.
Sim, foi bastante arrojado da parte deles. Deixaram Todd Phillips fazer praticamente tudo o que quisesse. Nunca antevi Joker como um sucesso de bilheteira, e encarei-o como encaro qualquer outro filme que faço. Realmente, tenho tido sorte na minha carreira. Tem sido bastante diversa e gratificante. Muito por causa de realizadores como ele, que tiram o máximo proveito possível dos recursos que têm disponíveis.

Quer seja Paul Thomas Anderson, James Gray ou Jacques Audiard, sempre abraçou este tipo de personagem.
Enquanto houver bons realizadores com coisas a dizer, elas serão ditas. Por vezes, as dificuldades mostram-se libertadoras. Não foi fácil para Todd Phillips receber luz verde para filmar Joker com as condições que ele achava necessárias. Mas esses desafios acabaram por enriquecer o seu trabalho, e transparecem no filme. As situações de conflito convocam um maior investimento e certeza daquilo que se quer. Acho que não quero que as coisas se tornem demasiado fáceis tão cedo.

Crítica

Joker

De Todd Philips, 121 minutos
★★☆☆☆

Depois da desmitificação e da desconstrução dos super-heróis, eis agora, com Joker, o biografismo dos vilões. Já não chega estes cumprirem as funções para que foram criados, serem os representantes do mal e das forças negativas e perversas da sociedade. Há também que inventar uma história e criar um contexto para “explicar”, ou até justificar, o que são e como se comportam. Em Joker, passado nos anos 80, Todd Phillips tira do saco os mais fatigados lugares comuns da sociologia pronta-a-usar, para contar como é que o anónimo Arthur Fleck se transformou no Joker, um dos arqui-inimigos de Batman. É a vulgata da “vítima da sociedade” em toda a sua vitimização fácil, desgraça pingona e autocomiseração em jorro contínuo. Não há mal que não venha a Fleck, interpretado com cabotinismo exibicionista por Joaquin Phoenix, uma colecção de tiques, caretas e contorções. Fleck quer ser cómico de stand up mas não tem piada, sofre de uma condição neurológica que lhe provoca um riso incontrolável e ridiculo, perde os benefícios da Segurança Social, é gozado na TV e descobre coisas tenebrosas sobre a mãe e a sua própria infância. Ainda por cima, é destratado pelo insensível milionário Thomas Wayne, pai do futuro Batman e figura chapadamente “trumpiana”. Logo, diz o filme, é perfeitamente compreensível que Fleck se torne no assassino psicopata chamado Joker e se vire contra a “sociedade” que tanto o maltratou. Joker é cinema tão banal como demagógico. Eurico de Barros

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