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Volker Schlöndorf
©Franziska Strauss

Volker Schlöndorff: “Este filme vale pela parte vivida que contém”

Falámos com Volker Schlöndorff sobre o filme 'Reviver o Passado em Montauk' e a carga autobiográfica que carrega

Escrito por
Eurico de Barros
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Max Zorn, um escritor alemão que está em nova Iorque a promover o seu novo romance, reencontra a mulher que amou quase 20 anos antes. Será que consegue reconquistá-la? Reviver o Passado em Montauk é o novo filme do realizador alemão Volker Schlondorff, que assinou o argumento com o escritor irlandês Colm Tóibín, sobre uma obra autobiográfica do suíço Max Frisch. A Time Out conversou com o premiado realizador de Golpe de Misericórdia, O Tambor e A História da Aia.

É bom vermos um filme cuja personagem principal é um escritor. Sobretudo agora que o cinema, em especial o americano, está cheio de robôs, de super-heróis e de criaturas virtuais. Acha que o escritor como personagem se faz raro no cinema porque as pessoas lêem menos e os livros e a literatura não têm a mesma importância que tinham antes da Internet, dos dispositivos electrónicos e das redes sociais?

Tem razão, não tinha pensado nisso, a maneira de ler mudou. Quando eu era novo, os livros eram a minha janela para o mundo, não havia televisão e tinha pouco acesso ao cinema. Os livros eram também, e sobretudo, o instrumento para saber “como é que faziam os outros”, as personagens das obras que muitas vezes pareciam mais vivas que as pessoas da vida real, que eu não sabia quando me iam deixar - como a minha mãe, que morreu quando tinha 33 anos e eu 5. Assim, fiquei fiel à literatura e nunca mais a deixei desde então.

Como é que conheceu Colm Tóibín e como sucedeu que escrevessem juntos o argumento de Reviver o Passado em Montauk? Partilham um mesmo interesse pela obra de Max Frisch?

O Colm Tóibín não conhecia o Max Frisch muito bem, mas respondeu logo após a leitura do texto. Eu já o conhecia de um festival de escritores em Florença que dirijo há uns anos e já tínhamos simpatizado um com o outro antes de pensar numa possível colaboração. Já gostava tanto dele como dos seus livros.

O texto de Max Frisch em que o filme se baseia é autobiográfico. Disse numa entrevista que no argumento há também elementos da sua vida particular, e da de Colm Tóibín. Mas não precisamos de saber tudo isto para o apreciar. Podia ser uma ficção a 100%, que teria exactamente o mesmo efeito. Concorda?

Durante a escrita do argumento a quatro mãos, eu e o meu co-autor brincámos várias vezes sobre o facto disto ir ser uma dupla autobiografia: os meus amigos reconheciam episódios e personagens da minha vida, e o mesmo sucedia com os dele. O longo monólogo sobre a morte de Rebecca, nomeadamente, é totalmente extraído da vida do Colm. Dito isto, uma vez que a escrita começa, tudo se torna ficção. Mas eu acredito, tal como o Henry James, que todo o bom romance deve alimentar-se da vida vivida e se o nosso filme tem algum valor é justamente pela parte vivida que contém e não por uma invenção ficcional.

O filme lembrou-me o célebre poema de Robert Frost, The Road Not Taken. Podemos dizer que o seu tema é o arrependimento de não se ter feito uma determinada escolha no passado? E é um filme pessimista e sem ilusões, porque mostra que não há futuro possível no passado?

Evidentemente que é um filme muito duro e que magoa, porque diz não apenas que fazemos erros, mas também que mesmo quando temos cuidado, não podemos impedir-nos de os fazer. E também que não podemos mudar quem somos. Estamos condenados a ser a mesma pessoa, tal como somos, tal como nascemos e como a vida nos fez. Mas evidentemente que a personagem de um escritor não pode fazer outra coisa senão olhar para trás e analisar-se, enquanto que outros podem exercer as suas funções sem nunca o fazer. O passado é a condição do escritor. Ele recorda-se no lugar de todos os outros que não têm tempo de o fazer. Nós pensámos, talvez erradamente, que Max era, por essa razão, uma personagem simpática e que os espectadores teriam para com ele tanta indulgência como nós. E foi por isso que não hesitámos em o carregar com os piores comportamentos, pensando, como se diz em inglês, que “he could get away with murder.” Infelizmente, não foi esse o caso, o que torna o filme difícil de suportar para muitos espectadores, sobretudo masculinos, já que as mulheres não têm ilusões sobre a natureza dos homens.

Rebecca é como um fantasma que assombra a vida de Max. Max volta a entrar na vida de Rebecca como um fantasma vindo do passado. E Rebecca é prisioneira do fantasma do marido, que teve uma morte trágica. Este filme é também um filme de fantasmas, vivos e mortos?

Todas as personagens do cinema e da literatura são, para mim, algo fantasmáticos. São feitos de sombra e de luz. Animam-se 24 vezes por segundo e desaparecem quando o projector é desligado. Só podem viver no escuro. E vivem também no nosso imaginário, onde são tão reais como as personagens da vida quotidiana.

Stellan Skarsgard e Nina Hoss foram as suas primeiras escolhas para os papéis de Max e Rebecca? Gostei também muito de Isa Laborde-Endozien, a sua Lindsey é o pivô da história, é ela que faz circular tudo e todos.

Como faço sempre, escolhi os actores com muito cuidado. Reunimo-nos seis meses antes do começo da rodagem, lemos e ensaiámos os textos de dois em dois meses até iniciarmos as filmagens. Quando eles chegaram aos EUA já os sabiam e sobretudo conheciam bem as suas personagens. Eu próprio acreditava tanto na realidade delas, que um dia, depois do filme terminado, tentei ir ao endereço de Rebecca como se lá a pudesse encontrar na pessoa de Nina Hoss. Como ela é inteiramente moldada sobre uma mulher que conheci e que amei, o filme era um autêntico trabalho do coração e fácil de fazer, porque eu conhecia todas as situações e todas as entoações. E a Isa é com efeito uma descoberta, feita num teatro muito pequenino de Nova Iorque.

Este filme é sobre um escritor e o seu livro autobiográfico, e fala-se bastante de livros e de literatura. Mas nunca é um filme “literário”, as palavras e as conversas sobre o tema nunca pesam muito. Há uma fluidez discreta mas admirável de escrita, de tom narrativo e visual. É muito difícil consegui-la?

Agradeço-lhe essa definição e não tenho nada a acrescentar-lhe. Foi ao mesmo tempo difícil mas também muito fácil, uma vez que eu e o Colm vivemos o suficiente para sabermos do que falávamos.

Porque é que escolheu a música de Max Richter para a banda sonora? E qual é o seu papel no filme?

Pensei nele para a banda sonora ainda antes de começar a filmar. Desde Valsa com Bachir que sigo a carreira dele. Assisti a concertos seus e fui ver a ópera que compôs. Na verdade, toda a música do filme vem de um álbum que o Max fez há 12 anos, Postcards in Colour. No momento de começar a compôr, decidimos ambos que ele não podia fazer melhor para o filme. E como Reviver o Passado em Montauk é uma longa elegia, a música, para mim, faz parte dele como nos lieder de Schubert.

Gosta de filmar nos EUA? Como é que correu a rodagem em Nova Iorque?

Adoro filmar lá e ainda mais em Nova Iorque, onde tudo é possível se rodarmos um pouco no estilo da Nova Vaga. Foi isso que nós fizemos.

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