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Mazzy Star
©Paul HudsonMazzy Star

10 canções sumptuosamente letárgicas

Na década de 1950 e no início da década de 1960, quando o rock’n’roll ainda era um miúdo, incomodou e escandalizou o público e a crítica pela sua agitação frenética, mas a idade fê-lo aprender a perder-se em vagares

Escrito por
José Carlos Fernandes
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Numa passagem de A peste, de Albert Camus, uma personagem interroga-se sobre o “que fazer para não perder tempo” e conclui que a resposta é “senti-lo em toda a sua extensão”. Para isso, deverão “passar-se os dias na sala de espera de um dentista, numa cadeira desconfortável; viver as tardes de domingo à varanda; assistir a conferências numa língua que não se conhece; escolher os itinerários de caminho de ferro mais longos e menos cómodos e viajar de pé, claro; fazer fila nas bilheteiras dos espectáculos e não tomar a sua vez”.

Nos anos 90 do século passado, houve quem transpusesse para música este conceito e nos desse a sentir o tempo em toda a sua extensão, em canções arrastadas e narcolépticas, cujas letras, muito adequadamente, se focam na marcha do tempo, nos desgastes que causa e na memória como derradeiro reduto onde é possível subsistir quando a corrente imparável do tempo leva consigo, destrói ou erode tudo o que é precioso. Houve quem propusesse arrumar estas bandas – predominantemente norte-americanas – sob a designação genérica de “slowcore” ou “sadcore” (por oposição à hiper-actividade do “hardcore”), mas os rótulos são apenas uma conveniência.

10 canções sumptuosamente letárgicas

“24”, dos Red House Painters

“Aos 15 anos, julgava que aos 16 saberia tudo o que há para saber [...] e os 24 continuam a bater-me à porta, como um amigo que não queres ver”. Mark Kozelek tinha 24 anos quando escreveu esta meditação sobre a passagem do tempo, a tomada de consciência de se viajar no seu inexorável arco, as dores de crescimento e a forma como as experiências de infância moldam o adulto. “24”, um prodígio feito de ar quase imóvel e notas esparsas, abre o disco de estreia dos Red House Painters, Down Colorful Hill (1992, 4AD), que resultou de uma selecção dos 90 minutos de “demos” que Kozelek enviara ao patrão da 4AD, Ivo Watt-Russell, e que deixaram este tão fascinado que as editou assim mesmo, apenas procedendo a ligeiras remisturas. O registo é cru, amargo, melancólico e frontalmente autobiográfico, como nas restantes canções que Kozelek nos tem dado, como Red House Painters, Sun Kil Moon, em nome próprio ou nas colaborações com os Desertshore e Jimmy LaValle.

“Funhouse”, dos Red House Painters

As sessões de gravação para o álbum seguinte dos Red House Painters produziram um quarteirão de canções que acabaram por ser repartidas por dois discos, ambos editados em 1993 pela 4AD e ambos intitulados Red House Painters, que costumam ser designados por Rollercoaster e Bridge, em alusão às suas capas. “Funhouse”, incluída em Rollercoaster, desliza num torpor exasperante, como um pesadelo pastoso e interminável: “Pela janela vêm-se nuvens de chuva, deslocando-se por trás da palidez do seu rosto”. A letra alude também a uma casa de espelhos (“a thousand circus mirrors”) e, apropriadamente, a música transmite uma sensação de alienação e desligamento da realidade.

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“Gone” dos Idaho

Outra canção sobre desorientação, solidão e dissolução, embora as letras de Jeff Martin, mais abstractas e crípticas, não entrem pelo confessionalismo desassombrado e cruel de Kozelek. O álbum de estreia dos Idaho, então um duo, com Jeff Martin e John K. Berry a assegurar todos os instrumentos, chama-se Year After Year (1993, Caroline), mais um título que remete para o correr do tempo.

“Into Dust”, dos Mazzy Star

Os Mazzy Star não só favorecem ritmos pausados como a sua música tem uma qualidade narcoléptica. Parte da responsabilidade é da voz de Hope Sandoval, que se arrasta languidamente, uma fracção de segundo atrás do ritmo “certo”, e soa como se estivesse sob o efeito de sedativos. “Into Dust”, que faz parte do seu segundo álbum, So Tonight That I Might See (1993, Capitol), fala de “dois estranhos a desfazer-se em poeira” e é a banda sonora perfeita para contemplar o lento esboroar do mundo.

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“Sea”, dos Codeine

Os Codeine pintam planuras desérticas e glaciais, onde, sem aviso, se erguem formidáveis montanhas. E fazem isto apenas com uma guitarra, baixo e bateria e um precioso sentido dramático. “Sea” é a canção de abertura do seu segundo e último álbum, The White Birch (1994, SubPop) e nela o tempo escoa-se tão devagar que “understand” soa como duas palavras separadas.

“Hey Chicago”, dos Low

Os Low – o casal Alan Sparhawk (guitarra e voz) e Mimi Parker (bateria minimal e voz), mais um baixista rotativo – empenharam-se, durante os primeiros discos – de I Could Live in Hope, de 1994, até Trust, de 2002 – em ser o mais lentos e despojados possível e o EP Songs For a Dead Pilot (1997, Kranky) é aquele em que levaram mais longe essa demanda. Dele faz parte a pequena jóia que é “Hey Chicago”, que dura 1’34 (o minuto restante é só ruído ambiente).

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“More Than Ever”, dos Bedhead

Os Bedhead, dos irmãos Matt e Bubba Kadane, tiveram uma existência relativamente obscura entre 1991 e 1998. O seu terceiro e último álbum, Transaction De Novo (1998, Touch & Go), com produção de Steve Albini, tem um som mais musculado e agreste do que os anteriores, mas não se desvia da toada meditativa e arrastada. “More Than Ever” faz parte dele e o assunto é, mais uma vez, o tempo e o que se escolhe fazer com ele: “Mais do que nunca, parece certo/ Que as coisas não vão ser como foram até agora/ Os caminhos que julgámos poderem trazer-nos até aqui/ Estão tão obsoletos como nós”.

“The End’s Not Near”, dos The New Year

Após a dissolução dos Bedhead, os irmãos Kadane fundaram, em 1999, uma banda de sonoridade muito similar, os The New Year (que têm como baterista alguém experimentado em jogos de paciência: Chris Brokaw, que fez parte dos Codeine). O título da canção “The End’s Not Near” vai ao arrepio do álbum de que faz parte, The End Is Near (2004, Touch & Go), também produzido por Steve Albini. A letra é francamente sarcástica: “O fim não está próximo/ Está aqui/ Aleluia/ Espalhem o júbilo/ E vejam os milenaristas/ Fazer a festa durante mil anos”.

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“Workweek”, dos Spokane

Rick Alverson é realizador de cinema (e de videoclips para Bonnie Prince Billy, Angel Olsen ou Sharon Van Etten) mas mantém (ou manteve) em paralelo um projecto musical, os Spokane, de toada minimal e meditabunda. “The Workweek” provém do segundo álbum, Proud Graduates (2001, Jagjaguwar). A voz de Alverson é um pouco baça e cinzenta, mas os arranjos de cordas dão uma pincelada de colorido discreto.

“I Don’t Want To Be Found”, dos Rivulets

Rivulets é o nome artístico escolhido em 1999 por Nathan Amundson para mostrar ao mundo as suas singelas e melancólicas canções. Com o contributo pontual de membros e ex-membros de bandas como os Low, Codeine e Swans, os Rivulets lançaram uma dezena de discos desde a estreia homónima, em 2002. “I Don’t Want To Be Found” provém do álbum We’re Fucked (2011, Important Records), cujo título não poderia ser mais elucidativo quanto à mundividência do seu autor.

Posto de escuta

  • Música

Ligar a máquina de café. O botão está perro. Ligar a máquina de café, nada acontece antes disso. Se é dos resistentes e só bebe café na rua, certamente só fala depois disso. Bom, na verdade, a liberdade trouxe a possibilidade de acordar como quiser. Aqui para nós preferíamos que falasse baixo, mas cada um com a sua. A lista que se segue é isso mesmo: ambivalente. Há cinco canções para várias posturas e ritmos depois dos cereais acabarem.   Recomendado: três novas modas de pequeno-almoço em Lisboa.   ScHoolboy Q – “THat Part [feat. Kanye West]” Um dos grandes discos de 2016 devolveu-nos a manhã "à lá gangster". Atire a faca – aquela com que barrou a manteiga na torrada – com displicência para o lava-loiça. Depois é trancar o rosto, aumentar o volume nos auscultadores e fulminar todos os olhares que se cruzarem consigo durante o trajecto até ao trabalho. “Bang, não se metam comigo hoje”, regras do hip-hop que convém cumprir. “THat Part”, tirado de Blank Face LP (2016, Top Dawg/Interscope) torna-nos praticamente intocáveis, pelo menos até o patrão nos dizer os objetivos para o dia.   Kings of Leon – “Red Morning Light”  Calma, não precisa de sair desta página só porque leu Kings of Leon. É que antes de a coisa virar lamechice barata era quase country, uma inocência e destreza rock equivalente a uma palete de bebidas energéticas. Neste caso, talvez não seja terrível beber café apenas na rua. “Red Morning Light” – editado pela RCA em 2003, em primeiro lugar no EP What

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