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Sgt Pepper’s Lonely Hearts Club Band
@Cortesia The Beatles/Apple Records

10 grandes discos com 50 anos: 1967

Os holofotes têm estado focados sobre Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, cujos 50 anos de idade são assinalados pelo lançamento de reedições DeLuxe e Super Deluxe, mas o prodigioso ano de 1967 viu brotar obras não menos geniais

Escrito por
José Carlos Fernandes
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Dia 1 de Junho, dia da Criança, e dia de Beatles e do seu Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, lançado há precisamente 50 anos. Mas a lista de preciosidades com meio século de vida não fica por aqui. De Hendrix a Cohen, de Doors a Mothers of Invention, entre em modo de escuta.

10 grandes discos com 50 anos

Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, de The Beatles

Poderá haver quem eleja outros álbuns como o cume da criação dos Beatles, mas ninguém pode desmentir a notoriedade e repercussão tremendas do oitavo álbum de originais do quarteto de Liverpool. Os arranjos orquestrais de George Martin, a diversidade de registos de canção para canção, a cornucópia de efeitos sonoros vanguardistas e psicadélicos, o esmero e os sofisticados artifícios postos no processo de gravação e o requinte da apresentação gráfica fizeram de Sgt. Pepper’s um marco. O pop-rock nunca mais voltaria a ser o mesmo depois de 26 de Maio de 1967, data de lançamento do álbum no Reino Unido (nos EUA saiu a 2 de Junho).

Toda a experimentação sonora e todos os arranjos sofisticados teriam, todavia, sido de pouca valia, se não lhes estivesse subjacente um songwriting inspiradíssimo que gerou canções como “Lucy in the Sky with Diamonds” (um hino psicadélico assumido logo no título, cujas iniciais são LSD), “She’s Leaving Home” (com pungente arranjo de cordas), “Within You Without You” (uma delirante mescla de música indiana e psicadelismo) ou “A Day in the Life” (duas canções numa, separadas por um vórtice orquestral).

[“A Day in the Life”]

Their Satanic Majesties Request, de The Rolling Stones

Um dos principais e mais imediatos efeitos de Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band foi deixar roídos de inveja os Rolling Stones, os grandes rivais dos Beatles deste lado do Atlântico. A resposta foi rápida e em Dezembro de 1967 saía Their Satanic Majesties Request, que marca uma notória inflexão na sonoridade da banda, com incorporação de influências psicadélicas, arranjos orquestrais, instrumentos exóticos, efeitos sonoros e manipulações de estúdio. O título quer marcar a diferença, com a alusão “satânica” – os Stones cultivavam uma imagem de “rapazes maus”, por oposição aos “bonzinhos” Beatles – mas a capa é uma emulação do conceito da capa de Sgt. Pepper’s e, para lá das afinidades genéricas, a onírica “In Another Land” é uma resposta à trip ácida de “Lucy in the Sky with Diamonds”.

Their Satanic Majesties Request está, porém, longe de ser derivativo: é um dos pontos altos da discografia dos Rolling Stones e contém excelentes canções, sendo as mais notáveis as de cariz mais psicadélico, como “2000 Light Years from Home”, “She’s a Rainbow” e a já mencionada “In Another Land”.

Todavia, a banda parece ter-se sentido pouco à-vontade nesta farpela colorida, pelo que no álbum seguinte retomou o seu som cru, alicerçado nos blues e do rock’n’roll.

[“She’s a Rainbow”]

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The Piper at the Gates of Dawn, dos Pink Floyd

Os Pink Floyd não voltariam a produzir um álbum tão caleidoscópico e alucinado como este, em boa parte porque o cérebro por trás dele, o vocalista e guitarrista Syd Barrett, foi registando um sério declínio no seu equilíbrio mental (a que não terá sido estranho o consumo liberal de LSD) nos meses que se seguiram ao lançamento de The Piper at the Gates of Dawn, em Agosto de 1967. A banda acabou por substituí-lo por David Gilmour e o segundo álbum, A Saucerful of Secrets (1968), já não teve a participação de Barrett (embora inclua uma composição de sua autoria).

O caminho dos Pink Floyd teria provavelmente sido outro se Barrett não tivesse queimado os fusíveis, pois os quatro singles e o álbum gravados com ele como líder, vocalista e compositor de quase todo o material da banda revelam um humor desconcertante, pautado pelo nonsense, e um gosto por nursery rhymes e histórias infantis, que desapareceriam nas obras subsequentes da banda. Manteve-se, isso sim, durante mais algum tempo, o fascínio pelos universos da astronomia e da ficção científica, patente em peças como “Astronomy Domine” e “Interstellar Overdrive”.

[“Lucifer Sam”]

The Velvet Underground & Nico, de The Velvet Underground

Em 1967, o mundo musical estava em efervescência e desvios à norma e atentados ao bom gosto e ao decoro impensáveis cinco antes tornavam-se correntes, mas o mundo não estava ainda preparado para os Velvet Underground. Assim, o álbum de estreia da banda passou relativamente despercebido e foi um relativo fiasco comercial (subiu apenas até ao 171.º lugar do top de álbuns). Mas, como frisaria, anos depois, Brian Eno, se é verdade que vendeu apenas 30.000 exemplares, “cada um dos que adquiriu um desses exemplares formou uma banda”, o que faria dos Velvet Underground, com o tempo, uma das mais influentes bandas da história.

Não é difícil perceber a rejeição de The Velvet Underground & Nico em 1967: as estações de rádio estavam dispostas a dar tempo de antena a canções pontilhadas por psicadelismo, sitars, fitas passadas ao contrário, ecos fantasmagóricos e emissões de onda curta, mas não a canções explícitas sobre drogas (“I’m Waiting for the Man” e “Heroin”) ou sado-masoquismo (“Venus in Furs”), nem a ferozes e intermináveis amálgamas de ruído e feedback (“European Son”). Na verdade, até foi difícil encontrar editora, apesar do apadrinhamento de Andy Warhol, e o disco foi recusado pela Columbia, pela Atlantic e pela Elektra, antes de ser aceite pela Verve.

Foi o único disco da banda de Lou Reed, John Cale, Sterling Morrison e Maureen Tucker com a participação da cantora Nico, que foi imposta à banda pelo guru Andy Warhol, que foi também o autor da capa do álbum e lá pespegou o seu nome com um destaque desproporcionado).

[“Venus in Furs”]

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Songs of Leonard Cohen, de Leonard Cohen

Leonard Cohen estava longe de encaixar no padrão médio dos músicos que se estrearam em disco no ano de 1967: os seus 33 anos faziam-no bem mais velho do que a média, o visual sóbrio contrastava com as longas melenas, as barbas luxuriantes e as túnicas largas de cores variegadas, e a música despojada, monocromática e seca estava nos antípodas do psicadelismo barroco então em voga. Para mais, a sua experiência musical era escassa e tinha atrás de si uma discreta mas respeitável carreira como poeta e romancista. A música não se enquadrava nos padrões tradicionais da folk anglo-saxónica de então, pois acolhia influências da canção francesa, e a voz deliberadamente neutra e contida (mas não inexpressiva) de Cohen dificilmente impressionaria quem se deixa seduzir por acrobacias vocais e sentimentos à flor da pele.

Porém, quem prestasse um mínimo de atenção perceberia a intensidade assustadora e o negrume que se ocultavam por trás daquelas canções no limiar da monotonia. Com excepção do terrível equívoco que é Death of a Ladie’s Man (1977), Cohen seguiria imperturbavelmente o modelo estabelecido em Songs of Leonard Cohen até final da década de 1970, legando-nos algumas das mais tocantes e arrepiantes canções jamais compostas.

[“Suzanne”]

The Doors, de The Doors

Em 1967, as fronteiras entre géneros estavam a esboroar-se e os californianos The Doors trataram de mesclar rock, blues, jazz, uma variante sombria de psicadelismo e spoken word. Talvez o resultado não passasse de competente se a banda não contasse com um vocalista carismático, inflamado pelas leituras de Nietzsche, Rimbaud, Kafka, Kerouac e William S. Burroughs – bastará conferir Full Circle (1972), o embaraçoso álbum gravado após a morte de Jim Morrison.

O álbum de estreia está cheio de canções fortes, embora “Light My Fire” e o perturbador e edipiano “The End” se ergam uma cabeça acima das restantes. A banda parecia então fervilhar de ideias, pois nesse mesmo ano sairia o segundo álbum, o não menos inspirado Strange Days.

[“Light My Fire”]

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Are You Experienced?, de The Jimi Hendrix Experience

Jimi Hendrix era um vocalista razoável e um letrista medíocre (mesmo para os padrões de 1967), mas que importa isso quando na guitarra rock existe um “Antes de Hendrix” e um “Depois de Hendrix”?

Hendrix estreou-se com Are You Experienced?, que teve edições bem distintas, na capa e no conteúdo, dos dois lados do Atlântico, com a versão americana a conter três canções que se tornariam nas mais célebres do músico (“Purple Haze”, “Hey Joe” e “The Wind Cries Mary”), que estão ausentes da edição britânica. A mistura de blues, hard rock, funk e psicadelismo com laivos ocasionais de música indiana, noise e ambientes sci-fi (“Third Stone from the Sun”) era efervescente, mas o que mais prendia a atenção era a guitarra de Hendrix, que aliava um virtuosismo exuberante à exploração de “técnicas expandidas” (nomeadamente com recurso ao feedback) até então inauditas.

O pródigo ano de 1967 viu ainda surgir outro álbum da Jimi Hendrix Experience, Axis: Bold as Love.

[“Foxy Lady”]

Goodbye and Hello, de Tim Buckley

O segundo álbum de Tim Buckley dá um salto de gigante em relação à estreia, Tim Buckley (1966), e há que dar crédito à editora Elektra por ter reconhecido o potencial de Buckley e ter-lhe concedido carta branca – sobretudo quando se considera que o músico tinha à data apenas 20 anos. Talvez pelo facto de, no seu início, se mover na área do folk-rock, Buckley foi frequentemente comparado com Bob Dylan, embora nem o songwriting nem a voz tenham semelhanças – na verdade é difícil conceber vozes mais diversas do que o registo limitado, áspero e nasalado de Dylan e a voz pura, expressiva, extensa e flexível de Buckley (um dom que transmitiria ao filho Jeff).

A partir do terceiro álbum, Happy/Sad (1969), Buckley enveredaria por sendas mais experimentais, acolhendo influências de jazz e abandonando a estrutura clássica de canção, pelo que Goodbye and Hello ficou como a sua obra-prima neste domínio.

[“Phantasmagoria in Two”]

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Absolutely Free, de The Mothers of Invention

O segundo álbum de The Mothers of Invention – um nome-fachada para a invenção transbordante de Frank Zappa – segue as pisadas do álbum de estreia, o OVNI Freak Out! (1966), misturando humor surreal, sátira ácida e composições de invulgar complexidade, onde se entrechocam fragmentos de rock’n’roll e citações de música clássica: Stravinsky em “Amnesia Vivace”, “Status Back Baby” e “Soft-Sell Conclusion”, Holst em “Invocation & Ritual Dance of the Young Pumpkin”, título que é uma alusão trocista a A Sagração da Primavera de Stravinsky. Em Setembro, quatro meses depois do lançamento do álbum, The Mothers of Invention confirmavam a sua condição “transgénero”, ao apresentarem-se no Royal Albert Hall, em Londres, acompanhados por uma orquestra de câmara de 15 elementos.

1967 seria ano preenchido para o hiperactivo Zappa, pois lançaria também o primeiro disco sob o seu próprio nome, Lumpy Gravy; no ano seguinte surgiria o terceiro álbum de The Mothers of Invention, We’re Only in It for the Money, cuja capa é uma sátira à capa de Sgt. Pepper’s.

[“Plastic People”]

Safe as Milk, de Captain Beefheart & His Magic Band

1967 foi ano de estreia discográfica para um amigo chegado de Frank Zappa: Don Van Vliet, aliás Captain Beefheart. A música de Captain Beefheart estava profundamente enraizada nos blues do Delta do Mississipi, mas fazia deles uma leitura alucinada, corrosiva e fracturada, com métricas irregulares e outras ousadias que rivalizavam com o que o jazz de vanguarda da época praticava e que viriam a encontrar eco, 16 anos depois, em Swordfishtrombones, de Tom Waits.

Captain Beefheart já tinha gravado um single com uma versão relativamente convencional de uma canção de Bo Diddley em 1964 para a A&M e as vendas não tinham corrido mal, pelo que recebeu luz verde para a gravação de um álbum. Porém, quando a editora ouviu as primeiras demos ficou perplexa com a sua bizarria e rejeitou-as. Vliet não estava disposto a desviar-se da sua rota e, após algumas mudanças de formação voltou a gravar as suas composições e o álbum acabou por ser editado pela Buddah. Entre os colaboradores estava um guitarrista de 20 anos chamado Ry Cooder, que não tardaria a largar a Magic Band após Vliet ter abandonado o palco, sem explicação, a meio de um concerto – as mudanças de formação foram uma constante da existência da Magic Band, pois poucos eram os músicos que reuniam a destreza técnica para tocar as retorcidas composições de Vliet e a paciência para aturar o seu comportamento excêntrico e imprevisível.

[“Electricity”]

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