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Frank Sinatra
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Dez versões clássicas de “I’ll Remember April”

Abril costuma ser associado a Primavera e ao renascimento da vida, mas nesta balada é tema para um olhar melancólico sobre um amor pretérito. Eis dez versões do standard.

Escrito por
José Carlos Fernandes
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“I’ll Remember April” tem muito em comum com “You Don’t Know What Love Is”: a música e letra são, respectivamente, de Gene DePaul e Don Raye (com a ajuda de Patricia Johnston, no caso de “I’ll Remember April”); é uma balada cuja letra gira em torno do fim de relações sentimentais; foi composta para a banda sonora de uma comédia da dupla Abbott & Costello dirigida por Arthur Lubin.

Enquanto “You Don’t Know What Love Is” se destinara a um filme de temática aeronáutica, Keep ‘Em Flying (1941) – mas acabou por ser suprimida na montagem – “I’ll Remember April” surgiu numa paródia ao western intitulada Ride ‘Em Cowboy (1942), que tem a particularidade de ter sido palco para a estreia de Ella Fitzgerald no grande écran (ainda que no papel de uma trabalhadora de um rancho, como convinha ao estatuto dos afro-americanos nos EUA nos anos 40). Não foi, porém, a Ella que coube cantar “I’ll Remember April”, mas a Dick Foran, que desempenhava o papel principal – o de Bronco Bob Mitchell, um escritor de romances sobre o Oeste que nunca pusera pé no Oeste. Além desta magnífica balada, Raye e DePaul contribuíram para a banda sonora com quatro cançonetas de cowboys que não ficaram na história.

Apesar de a letra meditar na transitoriedade do amor e da inevitabilidade da perda, há doçura na sua melancolia, já que a memória do amor passado funciona como consolo: “Este dia adorável estender-se-á pela noite/ Suspiraremos uma despedida a tudo o que tivemos/ Estarei só nos lugares onde caminhámos juntos/ Recordarei Abril e ficarei feliz// Bastar-me-á que em Abril me tenhas amado/ Os teus lábios eram quentes e a Primavera viçosa/ Não receio o Outono e a sua mágoa/ Pois guardo a memória de Abril e de ti// O fogo definhará em brasas ardentes/ Pois é breve a vida das chamas/ Não esquecerei mas não me sentirei só/ Recordarei Abril e sorrirei”.

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10 versões clássicas de “I’ll Remember April”

Bud Powell

Ano: 1947
Álbum: Bud Powell Trio (Roost/Roulette)

A sessão de 10 de Janeiro de 1947, com Curley Russell (contrabaixo) e Max Roach (bateria), foi a primeira do pianista Bud Powell como líder. Inclui “I’ll Remember April” e mais sete composições, todas em leituras muito breves (nenhuma ultrapassa os três minutos) e destinava-se à De Luxe Records, que a deixou na prateleira. Em 1951 a Roost editou a sessão num LP de 10’’ com o título Bud Powell Trio. Em 1953, com outro trio, Powell registou mais oito temas, que foram lançados noutro LP de 10’’ Bud Powell Trio vol. 2 e, já na era do CD, a Roulette acoplaria os dois LP de 10’’ num único LP de 12’’ com o mesmo título.

Lee Konitz & Gerry Mulligan

Ano: 1953
Álbum: Konitz Meets Mulligan (Pacific Jazz)

Se o quarteto de Gerry Mulligan com Chet Baker já era um dos melhores combos do jazz de meados da década de 1950, a adição do saxofone alto de Lee Konitz, gerou um dos momentos mais felizes da história do jazz, que ficaram documentados em três sessões registadas em Janeiro de 1953, na zona de Los Angeles/Hollywood. Logo em 1953 saíram dois LPs de 10’’ (um formato que se extinguiu poucos anos depois), com os títulos Lee Konitz Plays With the Gerry Mulligan Quartet e Lee Konitz Plays and the Gerry Mulligan Quartet, que foram reeditados em 1957, com algumas faixas extra, num LP de 12’’ a que foi dado o título Lee Konitz Plays With the Gerry Mulligan Quartet mas que também surgiu depois como Konitz Meets Mulligan. É verdade que a escolha de títulos se presta a confusões, mas a música é magnífica e não pode faltar em nenhuma discoteca de jazz.

“I’ll Remember April”, como as restantes cinco faixas do primeiro LP de 10’’, provém de uma sessão ao vivo no The Haig, um clube de Hollywood que era então um dos principais pólos do jazz na Costa Oeste.

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Clifford Brown & Max Roach

Ano: 1954
Álbum: Clifford Brown & Max Roach at Basin Street (EmArcy)

O quinteto co-liderado pelo trompetista Clifford Brown e pelo baterista Max Roach, com Sonny Rollins (saxofone), Richie Powell (piano) e George Morrow (contrabaixo), foi uma das mais excitantes formações de meados da década de 1950. Infelizmente durou apenas dois anos, pois Brown e Powell faleceram num acidente de viação em Junho de 1956, quatro meses depois do registo de At Basin Street (que não foi gravado no clube nova-iorquino com esse nome, mas nos estúdios da Capitol na mesma cidade).

O quinteto descarta toda a melancolia da canção original e injecta-lhe fogosidade e irrequietude.

June Christy

Ano: 1953/55
Álbum: This Is June Christy! (Capitol)

Após ter sido cantora da orquestra de Stan Kenton durante quase uma década, June Christy estreou-se em nome próprio em 1954 com Something Cool. O “cool” do título não é um mero cliché de marketing: Christy distinguia-se de cantoras como Ella Fitzgerald, Billie Holiday, Sarah Vaughan ou Dinah Washington, que dominavam o jazz de então, pelo seu registo controlado e aveludado. This Is June Christy! foi gravado com o mesmo arranjador – Pete Rugolo, um dos pilares da orquestra de Kenton – e pela mesma altura em que foi gravado o material de Something Cool, mas só foi lançado em 1958.

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Carmen McRae

Ano: 1955
Álbum: By Special Request (Decca)

By Special Request foi o terceiro álbum de McRae e o primeiro de oito álbuns da cantora na Decca e conta, além do quarteto formado por Dick Katz (piano), Mundell Lowe (guitarra), Wendell Marshall (contrabaixo) e Kenny Clarke (bateria), com o acordeão de  Matt Matthews e a flauta de Herbie Mann nalgumas faixas, como é o caso de “I’ll Remember April”.

Ahmad Jamal

Ano: 1958
Álbum: At the Pershing vol.2 (Argo)

A actuação do trio do pianista Ahmad Jamal, com Israel Crosby (contrabaixo) e Vernel Fournier (bateria), no clube Pershing, em Chicago, produziu um primeiro álbum intitulado At the Pershing: But Not For Me. As restantes peças então registadas, onde se encontra “I’ll Remember April”, foram lançadas em 1961 com o título At the Pershing vol.2. O tratamento conciso, vivo e levemente irónico que Jamal dá a este e outros standards não tem paralelo no jazz da época e explica a admiração que Miles Davis tinha pelo pianista.

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Stan Getz & Chet Baker

Ano: 1958
Álbum: Stan Meets Chet (Verve)

Getz e Baker tinham muito em comum em termos musicais, mas pouco em termos pessoais, pelo que as suas colaborações foram pontuais e não isentas de tensão. Este primeiro encontro teve lugar num estúdio de Chicago, sem preparação prévia e com uma obscura secção rítmica local formada por Jodie Christian (piano), Victor Sproles (contrabaixo) e Marshall Thompson (bateria). Seria expectável que a conjugação de dois músicos reputados pelo lirismo e de um programa dominado por baladas resultasse num disco sereno e distendido, mas o registo dominante é vivo e caloroso.

Julian “Cannonball” Adderley

Ano: 1958
Álbum: Cannonball’s Sharpshooters (EmArcy)

Ainda mais viva e calorosa – escaldante, mesmo – é a versão do saxofonista Julian “Cannonball” Adderley no seu sétimo álbum em nome próprio, um modelo do hard bop em voga na viragem das décadas de 1950-60. O quinteto faz alinhar Nat Adderley (corneta), irmão mis novo de Julian e parceiro usual nas suas bandas, Junior Mance (piano), Sam Jones (contrabaixo) e Jimmy Cobb (bateria).

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Charles Mingus

Ano: 1960
Álbum: Mingus at Antibes (Atlantic)

A qualidade de som do videoclip não é a ideal, mas não há muitos registos de imagem desta fabulosa banda dirigida pelo contrabaixista Charles Mingus, com Ted Curson (trompete), Eric Dolphy e Booker Ervin (saxofones) e Dannie Richmond (bateria). A banda de Mingus tocava sobretudo composições do seu líder, mas nesta actuação no Jazz à Juan, um festival em Juan-les-Pins, perto de Antibes, na costa mediterrânica de França, juntou-se-lhe numa faixa Bud Powell, que entretanto se radicara em Paris, e não estava familiarizado com o repertório do quinteto de Mingus – o standard “I’ll Remember April” foi incluído provavelmente como forma a proporcionar um “território comum” com o convidado. A canção original é usualmente despachada em três, quatro minutos, mas aqui torna-se no pretexto para quase um quarto de hora de música.

Nota: não perder, ao 11’34, os dois aficionados de óculos escuros e cigarro nos lábios que estalam os dedos em transe e que se diriam saídos de uma comédia negra.

Frank Sinatra

Ano: 1962
Álbum: Point of No Return (Capitol)

Esta versão de “I’ll Remember April” faz parte do último álbum de Sinatra para a Capitol (entretanto começara já a gravar para a sua própria editora, a Reprise), que teve arranjos e direcção de Alex Stordahl.

É frequente, mesmo entre os bons cantores (e mesmo com Sinatra), que estes se esqueçam de que as suas capacidades vocais, por extraordinárias que sejam, deverão estar ao serviço da canção e se percam em exibições de potência e virtuosismo (quando não de maneirismos). É um risco acrescido no jazz, que pressupõe uma liberdade de manobra do intérprete bem maior do que outros géneros musicais. Porém, nesta versão, Sinatra acerta no centro emocional de “I’ll Remember April”: não é uma canção sobre a dor da perda, nem sequer sobre a resignação face a um destino cruel; é a aceitação serena de que o amor é frágil e efémero e a certeza de que há consolo na recordação dos momentos de felicidade que se viveram.

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