A Time Out na sua caixa de entrada

Procurar
Musica, Jazz, Ella Fitzgerald
©Billedbladet NÅ/P. RømmingElla Fitzgerald

10 versões de “You Don’t Know What Love Is”

Uma canção que oferece uma visão trágica e fatalista do amor e se converteu num dos mais populares standards do jazz

Escrito por
José Carlos Fernandes
Publicidade

Custa a crer que Don Raye (letra) e Gene DePaul (música) tenham composto “You Don’t Know What Love Is” para Keep 'Em Flying (1941), uma desmiolada comédia aeronáutica da dupla Abbott & Costello, que funcionava também como apelo ao alistamento na Força Aérea americana (a II Guerra Mundial estava em curso, embora ainda sem a particpação directa dos EUA). É uma canção que oferece uma visão sombria do que é o amor: “Não sabes o que é o amor/ Até aprenderes o significado dos blues”, devendo aqui os “blues” entender-se no duplo significado do género musical e de uma disposição de espírito depressiva. No filme, a canção era interpretada por Carol Bruce, mas o trecho foi suprimido na montagem final. Ella Fitzgerald deu pela sua existência mas, estando em princípio de carreira, pouco ou nada conseguiu fazer para a difundir. A canção foi repescada para um musical de série B, Behind the Eight Ball (1942) – novamente uma comédia e mais uma vez cantada por Carol Bruce – mas permaneceu arredada dos holofotes até que em meados da década de 1950 Miles Davis e Chet Baker a gravaram e empurraram para a ribalta. “You Don’t Know What Love Is” é uma lição sobre a vida como perda e desilusão: “Até teres vivido uma paixão condenada à perda/ Não sabes o que é o amor// Não sabes como doem os lábios/ Até teres beijado e pagado o preço desse beijo/ Até teres jogado o teu coração e perdido/ Não sabes o que é o amor// Não sabes o que sente um coração perdido/ Quando é assaltado pelas recordações/ E como os lábios que provaram as lágrimas/ Perdem o gosto por beijar// Não sabes como os corações ardem/ Por um amor incapaz de medrar mas também não se extingue/ Até teres enfrentado cada madrugada com os olhos da insónia/ Não sabes o que é o amor”.

10 versões de “You Don’t Know What Love Is”

Ella Fitzgerald

Ano: 1941
Álbum: The Complete Decca Singles vol. 2: 1939-1941 (Decca)

As gravações de Ella Fitzgerald para a Decca, que cobrem o período entre 1935 e 1955 e foram feitas sobretudo no formato de singles de 78 rpm, são ofuscadas pela sucessão de álbuns geniais que gravou para a Verve a partir de 1955. Há porém muitas pérolas nas 150 canções dos anos Decca, embora Ella tivesse apenas 18 anos quando, em 1935, começou a gravar com a orquestra de Chick Webb. Quando Webb faleceu, em 1939, Ella, dando provas de grande determinação, assumiu a direcção da orquestra e passou a apresentar-se como “Ella & Her Famous Orchestra” – um passo surpreendente, no mundo de então, para uma rapariga negra de 22 anos. Foi neste período – a 28 de Outubro de 1941 – que gravou esta versão de “You Don’t Know What Love Is”, que desfaz cabalmente as acusações de que a alegria e vivacidade que Ella punha no acto de cantar faziam com que atraiçoasse as canções mais melancólicas. Dificilmente poderia imaginar-se uma interpretação mais sentida e pungente – quem canta assim conhece a fundo “the meaning of the blues”.

Miles Davis

Ano: 1954
Álbum: Walkin’ (Prestige)

Em 1954, Miles Davis estava a emergir de uma fase sombria da sua vida, em que andara arredado da linha da frente do jazz devido a problemas de toxicodependência. A gravação de “You Don’t Know What Love Is” foi realizada com o pouco conhecido David Schildkraut (saxofone) e uma secção rítmica de luxo formada por Horace Silver (piano), Percy Heath (contrabaixo) e Connie Kay (bateria). As gravações desta sessão de 29 de Abril, tal como as de 3 de Abril, com J.J. Johnson e Lucky Thompson no lugar de Schildkraut, só seriam editadas em 1957.

Publicidade

Dinah Washington

Ano: 1955
Álbum: For Those in Love (EmArcy)

For Those in Love é um dos cumes da discografia de Dinah Washington. A exuberância inata da cantora e a sua queda para os maneirismos por vezes atraiçoam o espírito das canções – uma ocorrência mais frequente nos seus discos mais tardios – mas aqui tudo tem conta, peso e medida (a voz só se inflama no derradeiro verso) e Washington tem o apoio sempre judicioso e inspirado de um septeto de estrelas, com Clark Terry, Jimmy Cleveland, Paul Quinichette, Cecil Payne, Wynton Kelly, Barry Galbraith, Keeter Betts e Jimmy Cobb, arranjado por Quincy Jones – um talentoso e ainda pouco conhecido rapaz de 22 anos que mais tarde colocaria o seu talento ao serviço de desígnios puramente comerciais.

Sonny Rollins

Ano: 1956
Álbum: Saxophone Colossus (Prestige)

Em 1956, Sonny Rollins e John Coltrane destacavam-se entre as estrelas em ascensão do saxofone jazz e a crítica prognosticava-lhes grandes realizações. Coltrane iria não só confirmar como exceder as expectativas, mas Rollins não mais ultrapassaria o (excelente) nível dos seus discos de 1956-58 e Saxophone Colossus acabaria por ficar como o píncaro da sua carreira. Tem a vantagem de estar muito bem acompanhado por Tommy Flanagan (piano), Doug Watkins (contrabaixo) e Max Roach (bateria).

Publicidade

Billie Holiday

Ano: 1958
Álbum: Lady in Satin (Columbia)

Em Fevereiro de 1958, quando Lady in Satin foi gravado, a voz e a saúde de Billie Holiday estavam em farrapos. A cantora só gravaria mais um álbum, em Março de 1959, quatro meses antes de falecer. Os últimos discos de Holiday são alvo de polémica: há quem entenda que nunca deveriam ter sido gravados, por deslustrarem as suas realizações anteriores, outros defendem que, embora a voz esteja em ruínas, a entrega emocional da cantora compensa as insuficiências vocais (é talvez uma discussão que passará ao lado de quem, no nosso tempo, se acostumou a cantores de jazz dotados de vozes aflitiva e irremediavelmente débeis).

Caberá ao ouvinte julgar se esta versão de “You Don’t Know What Love Is”, que conta com o suporte acetinado da orquestra de Ray Ellis, é penosa ou sublime.

Ahmad Jamal

Ano: 1958
Álbum: Portfolio of Ahmad Jamal (Argo)

Em 1958-59, o trio do pianista Ahmad Jamal, com Israel Crosby (contrabaixo) e Vernel Fournier (bateria), efectuou vários registos ao vivo memoráveis nos clubes Pershing, em Chicago, e Spotlight (também grafado como Spotlite), em Washington DC, que deram origem a uma confusa sucessão de álbuns com diversos títulos e combinações de peças, depois rearrumados em reedições na era digital. Portfolio of Ahmad Jamal, surgido em 1959, contém parte dos registos de 5 e 6 de Novembro no Spotlight e entre elas está este “You Don’t Know What Love Is”, em versão aérea, concisa e irónica, que nada conserva do dramatismo e desolação da canção original e mais parece obra de um trio de duendes traquinas.

As sessões no Spotlight estão disponíveis na íntegra em Complete Live at the Spotlite Club 1958, editado pela Gambit.

Publicidade

Chris Connor

Ano: 1959
Álbum: Witchcraft (Atlantic)

Witchcraft é, como os restantes álbuns que Connor gravou para a Atlantic na segunda metade da década de 1950, uma peça indispensável numa discoteca de jazz vocal, mas esta versão da canção de Raye/DePaul revela algum conflito interior. Connor é fiel ao espírito da canção mas a parte orquestral, extrovertida e colorida, leva o ouvinte a interrogar-se sobre se Richard Wess, o arranjador e director da orquestra, se terá dado ao trabalho de ler a letra ou, pelo menos, de averiguar qual seria o seu teor geral. Quando um músico de jazz instrumental se apropria de um tema, pode submetê-lo a tratos de polé e descartar a atmosfera e carga emocional associada à letra – é o caso da desconstrução operada por Jamal no exemplo anterior – mas quando se acompanha um cantor há que zelar pela coerência.

Linda Lawson

Ano: 1960
Álbum: Introducing Linda Lawson (Chancellor)

Linda Lawson (n.1936) é bem mais conhecida como actriz de cinema e TV – Alfred Hitchcock Presents, The Alfred Hitchcock Hour, Maverick, Ben Casey – do que como cantora. Na verdade só gravou dois singles para a Verve (com arranjos e direcção de Henry Mancini) e um álbum, Introducing Linda Lawson, para a Chancellor (com arranjos e direcção de Marty Paich). É pena que a sua carreira discográfica tenha ficado pela “apresentação”, pois tem uma voz segura e o seu talento como actriz permite-lhe injectar a carga emocional adequada a cada canção. Para mais, em Introducing Linda Lawson conta com o respaldo de jazzmen de nomeada, como Art Pepper ou Jimmy Rowles.

Publicidade

John Coltrane

Ano: 1962
Álbum: Ballads (Impulse!)

Ballads surge num curioso momento da carreira do quarteto de John Coltrane com McCoy Tyner, Jimmy Garrison e Elvin Jones. As suas primeiras gravações para a Impulse!, em 1961-62 já evidenciavam que as revoluções operadas no seu período Atlantic dariam lugar a explorações ainda mais radicais e que a sua rota apontava ao espaço sideral. Porém, ou por a editora não querer intimidar o público ou para o saxofonista tomar fôlego antes de partir em direcção às estrelas, 1963 foi o ano em que saíram três discos retrógrados e amáveis de Coltrane: Ballads e as parcerias com Duke Ellington e Johnny Hartman. Como o nome indica, Ballads é constituído exclusivamente por baladas clássicas, tocadas de forma intensa mas convencional.

Lennie Tristano

Ano: 1965
Álbum: Concert in Copenhagen (Jazz Records)

Lennie Tristano (1919-1978) era um pianista muito pouco convencional e a sua leitura de “You Don’t Know What Love Is” é de uma extraordinária liberdade e audácia. A discografia de Tristano é esparsa e este concerto a solo em Copenhaga a 31 de Outubro de 1965 só foi editado em 1998 – afortunadamente, foi também filmado, o que proporciona uma rara oportunidade de ver Tristano em acção nesta época.

Versão a versão enche a galinha o papo

  • Música
  • Jazz

“Summertime” é um objecto de difícil classificação. É uma ária de ópera – é ela que abre Porgy & Bess (1935) –, é uma canção de embalar – Clara canta-a para adormecer o seu bebé –, tem raízes nos espirituais negros e nos blues, um musicólogo viu nela influências de Dvorák, Wayne Shorter filia-a no “acorde de Tristão, de Wagner, e foi entusiasticamente adoptada pelo jazz – embora não tenha despertado grande interesse até ao final da II Guerra Mundial, nas décadas de 1950 e 1960 foram gravadas cerca de 400 versões por músicos de jazz.

A ópera tem libreto de DuBose Heyward, a partir de uma peça sua que adaptava o seu romance Porgy (1925), e a letra de “Summertime” inspirou-se na do espiritual negro “All My Trials”. No que toca à músca, há quem sugira que outro espiritual, “Sometimes I Feel Like a Motherless Child”, terá servido de inspiração a Gershwin.

10 versões de “Night and Day”
  • Música

A canção faz parte do musical Gay Divorce, com música de Cole Porter e libreto de Dwight Taylor e um título que hoje poderia sugerir uma sátira ao casamento gay – porém, em 1932, quando o musical estreou, “gay” era apenas entendido no sentido de “alegre” e o casamento que se encaminha para um inevitável (e nada trágico) divórcio é heterossexual. Cole Porter teve de ajustar a melodia aos modestos recursos vocais de Fred Astaire, naquele que seria o seu último papel na Broadway, antes de rumar a Hollywood. Por coincidência, dois anos depois, Astaire reencontrar-se-ia com a canção, pois ele e Ginger Rogers foram as cabeças de cartaz da adaptação cinematográfica do musical, dirigida por Mark Sandrich. Na transferência para o ecrã, o título sofreu uma ligeira alteração (The Gay Divorcee) e as canções ficaram pelo caminho, sendo “Night and Day” a única sobrevivente.

Publicidade
  • Música

Quem diria que uma canção tão melancólica proveio de um musical com o título Carnival in Flanders? A atmosfera não é de Terça-Feira Gorda mas de Quarta-Feira de Cinzas; o tema é a desilusão e a erosão do amor, algo que parece impossível quando se está apaixonado.

A canção, com música de Jimmy Van Heusen e letra de Johnny Burke, foi composta para o dito musical, baseado no filme Kermesse Héroïque (1934), de Jacques Feyder, uma comédia cuja acção decorre na Flandres em 1616. O musical, que enfrentou problemas na fase de produção, estreou-se na Broadway em 1953 e foi um fiasco de bilheteira. Só teve seis exibições, o que não impediu Dolores Gray de ganhar um Tony pela sua prestação. É à sua personagem que cabe cantar “Here's That Rainy Day” e foi esta a única canção do musical a conquistar popularidade – e, ainda assim, foi preciso esperar seis anos para que Frank Sinatra lhe desse um empurrão.

Recomendado
    Também poderá gostar
    Também poderá gostar
    Publicidade