Anna Calvi é galvanizante na busca da sua liberdade. No álbum Hunter, desafiou as convenções de género, confrontou a sua sexualidade e soltou-se da dicotomia masculino/feminino. Neste terceiro disco descobriu uma forma mais feroz de usar a sua mestria musical para comunicar algo urgente. A sua música é elevada pela habilidade gutural da sua voz de veludo negro e pela forma como extrai fúria das cordas de uma guitarra. Numa luxuriante lascívia, Hunter é uma declaração poderosa que desmantela as ideias normativas que cercam a sexualidade e o género. Sem medo de ser vulnerável, pois isso torna-a mais poderosa. Sem medo de mergulhar no escuro, pois é onde brilha mais.
Hunter foi lançado há quase um ano. Como é que o álbum e os seus temas em torno da sexualidade, feminismo e género têm sido recebidos?
Estou feliz com a forma como o álbum foi recebido, mas, pelo menos na Grã-Bretanha, houve um aumento de homofobia desde o Brexit. Ainda há definitivamente muito por que lutar.
As pessoas hoje falam mais abertamente sobre género e sexualidade. Tens algum receio que isso possa tornar-se apenas uma moda, algo para capitalizar?
Não me preocupo com isso, porque é uma coisa boa para as crianças LGBTQ+ haver mais representação nos media. Haverá sempre pessoas que tentam ganhar dinheiro com qualquer movimento. O mais importante é sentirmos que temos uma voz.
Sentiste falta dessa representação quando eras mais nova?
Sinto que a Patti Smith me deu muita força enquanto crescia, e sempre lhe estarei grata. Mas gostava de ter tido mais referências LGBTQ+ quando era mais nova.
A Anna Calvi adolescente ficaria orgulhosa de quem és hoje?
Acho que o meu eu adolescente não ia acreditar que me tornei uma cantora, eu tinha fobia de cantar quando estava a crescer. Mas era tão obcecada com tocar guitarra, acho que ela ficaria muito feliz por saber que acabei por fazer isso como profissão.
O que te atraiu na guitarra?
Vi um vídeo do Jimi Hendrix a tocar em Woodstock e fiquei agarrada. Adoro a versatilidade da guitarra – tão agressiva que ela pode ser e tão bonita que ela também pode ser.
Quando é que descobriste o feminismo?
Lembro-me de ter 10 anos e estar a jogar futebol com os rapazes. Toquei na bola com a mão, mas eles disseram que não era falta porque eu era “apenas uma rapariga” e não sabia o que estava a fazer. Fiquei furiosa. Foi o meu despertar feminista.
Como é que as expectativas e a pressão para te conformares a um género afectaram a tua vida?
Acho que me afectaram de tantas formas, tão pequeninas, que a certo ponto não dá para distinguir entre quais foram forçadas sobre mim e quais são inerentes à minha personalidade. Para mim, como mulher, senti-me pressionada a ter que satisfazer os outros, a estar sempre a sorrir e a não ser ameaçadora. Talvez seja por isso que quando estou no palco sou o oposto.
Sentes que consegues ser mais tu própria quando estás em cima do palco?
Sim, definitivamente. As regras de comportamento são suspensas, podes ser a versão mais livre e selvagem de ti própria. A única limitação é a imaginação.