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Bruce Springsteen

Atravessando os Estados Unidos em 10 canções

A vasta e variada geografia norte-americana tem sido assunto para um sem- número de músicas

Escrito por
José Carlos Fernandes
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A vasta e variada geografia norte-americana, que combina uma impressionante variedade de paisagens naturais e climas com uma paisagem humana relativamente homogénea, tem sido assunto para um sem-número de canções.

Atravessando os Estados Unidos em 10 canções

“Alabama”, de Neil Young

A canção tem 45 anos – surgiu no álbum Harvest (1972) – mas a sua componente de denúncia mantém-se actual graças ao recrudescimento do racismo e à intensificação da belicosidade dos movimentos supremacistas brancos que se tem verificado nos EUA (talvez por se sentirem encorajados pelas atitudes contra o “politicamente correcto” do actual presidente do país).

O álbum anterior de Young, After the Gold Rush (1970), já continha uma invectiva contra o racismo nos estados do Sul, a canção “Southern Man” – “Alabama” é, no plano da letra e da música, uma revisitação de “Southern Man”, mas foca-se num dos estados com mais duradouras tradições racistas e segregacionistas.

Em “See the old folks/ Tied in white robes” há uma clara alusão ao Ku Klux Klan e em “Your Cadillac/ Has got a wheel in the ditch/ And a wheel on the track” Young retrata o Alabama como estando indeciso entre o apego ao seu passado racista e esclavagista e a possibilidade de rumar a um futuro em que a cor da pele é irrelevante. Infelizmente, parece que o carro continua com uma roda na valeta.

“Chicago”, de Sufjan Stevens

Reza a lenda que Sufjan Stevens alimentou o enciclopédico projecto de consagrar um álbum a cada um dos estados dos EUA. O “Fifty State Project” – que nunca terá sido mais do que uma brincadeira – gerou apenas dois estupendos discos dedicados ao Michigan (o estado natal de Stevens) e ao vizinho Illinois. Sufjan Stevens Invites You to Come On Feel the Ilinoise (2005) explora a geografia e a história do Illinois, mas “Chicago” é uma canção mais pessoal, em que Stevens introduz alguns elementos autobiográficos. Não obstante, a canção tem também uma leitura mais universal: um jovem que se faz à estrada, deixando atrás de si uma cidade e uma relação amorosa que acabou mal (ele reconhece que “cometeu imensos erros”) e vibra com a perspectiva de começar uma nova vida numa nova cidade. Assim se faz a vida, de ilusões e desilusões e, feitas as contas, “all things go”.

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“Chicago”, de Tom Waits

Curiosamente, Tom Waits também escolheu Chicago para uma canção sobre a esperança de recomeçar a vida numa nova cidade: “Deixar tudo o que conhecemos/ Por um lugar que nunca vimos/ Talvez as coisas sejam melhores em Chicago [...] O Senhor dar-nos-á tudo aquilo de que precisarmos/ Levamos connosco tudo aquilo que queremos/ Sabes onde poderás encontrar-me/ No ponto em que o arco-íris toca o solo”. A viagem rumo a Chicago faz-se de comboio, como se depreende da polirritmia ferroviária e do anúncio de partida “All aboard!” que se faz ouvir repetidamente no fim.

Esta maquinaria ferrugenta alimentada a blues faz parte de Bad as Me (2011), o 17.º álbum de estúdio de Tom Waits.

“Hey Manhattan!”, dos Prefab Sprout

“Hey Manhattan!” espelha o deslumbramento do jovem artista que chega a Manhattan pela primeira vez e sonha com o reconhecimento pelas massas. O deslumbramento decorre menos da realidade material que desfila perante os seus olhos do que da história subjacente: “Passeando pela Quinta Avenida/ E pensando que Sinatra também andou por aqui”, “Olha, ali é The Carlyle/ É onde Kennedy costumava ficar” (John Kennedy tinha um apartamento neste hotel residencial, o que fez com que fosse conhecido como “A Casa Branca de Nova Iorque” – função hoje desempenhada pela Trump Tower). A canção é, pois, uma celebração da aura mitológica que emana do lugar: “Não somos capazes de desfazer estes mitos, eles estão aqui à nossa espera e nós vivemo-los até que eles se tornam reais”.

A canção faz parte do terceiro álbum da banda, From Langley Park to Memphis (1988), um título que evoca um salto do remoto e pacato County Durham, região do Noroeste de Inglaterra de onde provinham os Prefab Sprout (e onde fica Langley Park), para Memphis, no Tennessee, cidade que, do ponto de vista da música popular, possui também uma aura mitológica.

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“Nebraska”, de Bruce Springsteen

O estado do Nebraska fica mesmo no centro dos EUA e foi escolhido por Bruce Springsteen para título do seu sexto álbum, de 1982, que tem a particularidade de recorrer apenas a meios mínimos – quase sempre voz, guitarra e harmónica – e de ter sido registado em casa, num gravador de quatro pistas. As gravações tinham sido pensadas como demos a ser desenvolvidas pela E-Street Band, mas Springsteen acabou por gostar do resultado e publicou-as assim mesmo, sem elaborações nem artifícios – um back to basics.

Não é essa a única razão que faz de Nebraska um álbum incaracterístico na carreira de Springsteen: o tom épico, exuberante e positivo usual nele, dá lugar a ambientes soturnos, intimistas e monocórdicos e nas letras dominam as histórias de vidas destituídas de esperança, por vezes de criminosos encurralados em becos sem saída, como é o caso de “Nebraska”, a canção que abre o álbum, e que é uma narrativa na primeira pessoa de um spree killer adolescente que, num trajecto, na companhia da namorada, entre Lincoln, no Nebraska, e o Wyoming, matou uma dezena de pessoas e acabou por ser preso e condenado à cadeira eléctrica. A canção baseia-se na história real de Charles Starkweather, de 19 anos, e Caril Ann Fugate, de 14, que no intervalo de uma semana, em Janeiro de 1958, mataram dez pessoas nos estados de Nebraska e Wyoming, um evento que também serviu de inspiração ao filme Badlands, de Terrence Malick.

“Lisbon, OH”, de Bon Iver

Não, caro leitor, este título não exprime o deslumbramento sentido por Bon Iver (ou seja, Justin Vernon) quando pôs pela primeira vez os pés em Lisboa. Há 37 cidades com o nome Lisbon, todas de pequena dimensão, espalhadas por 26 estados dos EUA e o que é mais curioso é que nenhuma delas se situa nas áreas tradicionalmente associadas à emigração portuguesa. Vernon escolheu a Lisbon situada no Ohio, com 2821 habitantes e 4,38 km2, para baptizar esta faixa do seu segundo álbum, Bon Iver Bon Iver (2011), que inclui várias outras referências a topónimos norte-americanos A faixa é instrumental e ambiental, pelo que não fornece qualquer pista para a escolha do título por Vernon. Se se tratar de um retrato fidedigno de Lisbon, Ohio, será pura perda de tempo fazer um desvio para visitá-la.

 

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“San Bernardino”, dos Mountain Goats

Um jovem casal – o narrador e a companheira – atravessam o Sul da Califórnia pela Interstate 10 em direcção às zonas desérticas do interior e param num motel no condado de San Bernardino. No quarto de motel, após um parto difícil, nasce uma criança. Os pais não são casados e não têm dinheiro nem perspectivas de vida, mas amam-se e a criança recém-nascida garante-lhes que “nunca ficarão sós no mundo”. É uma das canções mais tocantes de Herectic Pride (2008), o 11.º álbum dos Mountain Goats, e deve muito ao precioso acompanhamento de violoncelos urdido por Erik Friedlander.

“Philadelphia (The City of Brotherly Love)”, dos We Are Augustines

William Penn, o fundador da colónia da Pennsylvania (que depois se tornaria num estado) e da cidade de Filadélfia (1644-1718) sentira na pele, desde novo, o que era a perseguição religiosa e a opressão exercida sobre as minorias. Aos 22 anos, juntou-se aos Quakers, uma seita religiosa que entendia que todos os homens tinham sido criados iguais, e as suas tomadas de posição acabaram por fazer com que fosse preso sob a acusação de blasfémia. Quando se estabeleceu no Novo Mundo, sonhava criar uma comunidade onde prevalecessem os valores da liberdade religiosa e da democracia e baptizou a principal cidade da colónia a partir da expressão grega para “amor fraternal”: “philos” + “adelphos”.

Os We Are Augustines eram de Brooklyn, mas isso não os impediu de compor esta canção épica dedicada a Filadélfia, que faz parte do seu álbum de estreia, Rise Ye Sunken Ships (2011).

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“True Dreams of Wichita”, dos Soul Coughing

As letras de M. Doughty costumam ser crípticas e surreais, mas pode arriscar-se que o assunto central desta canção é o obstáculo que a distância representa para as relações amorosas, que, neste caso, parecem ter um pólo em Brooklyn, Nova Iorque, e outro no Kansas, uma vez que se mencionam as cidades de Wichita e Topeka.

A canção faz parte de Ruby Vroom (19949, o álbum de estreia da banda.

“California”, dos Mazzy Star

Se a voz narcoléptica de Hope Sandoval sempre deu a impressão de não fazer inteiramente parte deste mundo, em “California” ela chega-nos, inequivocamente, de outra dimensão. Esta Califórnia a que ela diz pensar regressar não é um lugar real, fica na Twilight Zone, é uma construção etérea e onírica, embalada por murmúrios e ecos de sinos distantes.

A canção faz parte de Seasons of Your Day (2013), um excelente álbum de regresso à actividade, após um longo interregno.

Posto de escuta

  • Música

Simon & Garfunkel e The Beatles ou os contemporâneos Noel and the Whale e The Divine Comedy inspiraram-se na Primavera para criar algumas das melhores canções pop de sempre. Festeje a chegada da nova estação com os phones nas orelhas e o volume no máximo. 

  • Música

Mesmo para quem não é cloudspotter (os aficionados da observação de nuvens) o céu oferece todos os dias um desfile de prodígios e revelações. Basta que se disponha de sensibilidade e tempo – parece ser o caso de muitos escritores de canções.

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  • Música
  • Rock e indie

Por vezes os discos de estúdio soam demasiado polidos e assépticos e, por outro lado, os concertos ao vivo às vezes correm mal. As actuações “ao vivo em estúdio” conseguem, por vezes, reunir o melhor dos dois mundos: a espontaneidade, vibração e urgência do live e o rigor, detalhe, subtileza e intimismo das gravações de estúdio.

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