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Benjamim
Fotografia de Vera MarmeloBenjamim

Benjamim: “Nós, músicos, temos que inventar o futuro”

Benjamim pousou as guitarras, apaixonou-se por um sintetizador e criou um disco novo. Falámos com o músico antes dos concertos em Lisboa, a 26 e 27 de Outubro.

Escrito por
Ana Patrícia Silva
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O novo disco de Benjamim começou com um sintetizador. Foi a brincar com um velhinho Roland Jupiter-6, com uma caixa de ritmos e um gravador de quatro pistas que encontrou a liberdade que precisava. Depois, inundou-o com a solidão, as loucuras da noite e o calor da sua banda.

Vias de Extinção lembra os tempos que já não existem e as coisas que já não podemos fazer, mas que aos poucos tentamos reconquistar. Como os concertos. Para ouvir este disco como deve ser – ao vivo e com todas as cores – apanhem-no no Teatro Maria Matos, em Lisboa (26 e 27 de Outubro), no Teatro Sá da Bandeira, no Porto (30 de Outubro), no Teatro Académico de Gil Vicente, em Coimbra (6 de Novembro), ou no Centro de Artes de Águeda (5 de Dezembro).

Foi um sintetizador que ditou o tom deste disco. O que te atraiu nele?
É um instrumento muito especial, extremamente expressivo, um clássico dos anos 80. Inspirou-me muito, tanto na construção tímbrica, como na construção melódica e harmónica do disco. Eu estava a tocar em casa sozinho e já me estava a imaginar ao vivo a poder tocar estas canções. Para mim, isso foi bastante mágico. Durante um bom período de tempo, o disco existiu numa caixa de ritmos e em dois sintetizadores, foi assim que comecei a construir a música, um processo um bocado arcaico. Mas isso também fez com que o processo se tornasse mais humano.

“Humano” não é uma palavra que muitos associem à electrónica.
Mas acho que é um disco bastante humano, não é aquela ideia de música electrónica mais matemática ou mecanizada. Os timbres, apesar de serem electrónicos, são moldados para uma ideia que na sua essência é humana, são canções sobre temas da vida comum, do quotidiano.

Compor com sintetizadores libertou-te?
Sim. Desde o início que comecei a querer tocar muitos instrumentos de uma só vez. Tenho crises de identidade em relação aos instrumentos, à minha música, ao meu papel na música. Como trabalho como produtor, às vezes torna-se difícil eu próprio me definir. Mas a verdade é que o piano é a pedra basilar daquilo que é a minha identidade musical. Foi o único instrumento que estudei seriamente, é com ele que tenho uma relação mais próxima. A partir do momento em que percebi que era viável ir para a estrada com os teclados, isso foi libertador. Deixei a guitarra de lado e agarrei nos teclados que ando a colecionar. Sempre fui fascinado por teclados. Tive a sorte de uma novela ter agarrado numa canção minha há uns anos e todo o dinheiro que eu recebi disso foi para comprar um piano. Ando a escrever coisas muito diferentes ao piano, sinto que estou a crescer enquanto músico e isso também é importante, sentir que não estou preso às coisas que fiz.

Cresceste com o som dos sintetizadores? Eras um gajo da electrónica ou nem por isso?
Inicialmente não, mas tento libertar-me dos meus preconceitos. Quando tinha 16-17 anos, era preconceituoso em relação à música. Ouvia rock, ouvia Bob Dylan, The Doors, Neil Young, aquilo que era “música a sério”. Achava que Daft Punk não era música a sério, mas isso mudou. Hoje todos os estilos de música me fascinam. Adoro dançar, gosto de sair à noite. A música electrónica faz parte do meu ADN, da minha cultura.

Como foi conjugar a raiz electrónica do disco com o som mais orgânico da banda?
Foi um processo mesmo fixe. Este disco deu-me mesmo imenso gozo fazer, sinto que também deu muito prazer à minha banda. Tenho uma banda do caraças, têm um talento monumental, por isso quis perceber como é que podia envolvê-los de maneira assertiva. Esse processo foi um pouco longo – testámos as canções em alguns concertos, ensaiámos e com o input deles as canções começaram a ganhar músculo, tornaram-se muito sólidas.

Como produtor do teu próprio disco, receias não conseguir distanciar-te o suficiente?
Sim, a toda a hora (risos). Há momentos em que eu percebo o quanto me faz falta ter alguém a ajudar-me, mas neste disco senti isso de uma maneira muito mais intensa. Quando estava a finalizar e gravar as vozes, foi quando entrou a quarentena, acabei por ficar completamente sozinho no estúdio. Isso foi muito complicado, não ter ninguém com quem partilhar as dúvidas. O disco que me deu imenso prazer a fazer, deu-me imensa angústia a acabar. É sempre complicado perceber se as minhas músicas são boas ou uma merda, a minha banda é também o meu filtro.

O que aprendeste sobre ti próprio enquanto estiveste isolado?
Eu vivi sozinho durante bastante tempo, a experiência de estar sozinho não é propriamente nova. O confinamento passei-o mais aqui com a minha avó. Ela mora no mesmo prédio que eu, vinha à hora do almoço, via o Joker na RTP e depois ia para casa dormir.

Isso é lindo.
Sim, mas ao mesmo tempo foi complicado, porque para fazer um disco destes tens que sentir o ambiente da coisa. No início da quarentena, a música tornou-se completamente irrelevante para mim, aquilo que eu estava a fazer era a coisa menos importante do mundo. Aliás, houve um período em que achei que não fazia sentido nenhum estar a fazer este disco. O que me motivou foi o instinto de sobrevivência. Porque de repente tinha a minha banda a duvidar se podia continuar a viver da música. Nessa altura não fazíamos ideia de quando é que íamos pisar um palco, foram dias mesmo assustadores. Mas tinha que pensar na sobrevivência da minha equipa. Como é que posso salvaguardar o meu futuro? Trabalhando, acabando as coisas que tenho para acabar. E tive muita sorte, porque a Sony assinou o meu contrato discográfico em plena pandemia.

Como é que encaras o futuro?
Eu estou sempre a pensar para além do horizonte. Tenho cuidado e estou consciente das limitações, mas de resto não penso na pandemia, não deixo que isso escravize a minha vida, os meus sonhos, as minhas ambições. Estou a gravar música nova, estou a ensaiar com a minha banda, estou a pensar em concertos novos, em remixes (o Rui Maia está a fazer uma muito fixe), tenho um disco perdido que nunca lancei – um disco de música electrónica muito mais instrumental, estou a ver o que é preciso acabar. Nós, músicos, somos inventores, nós temos que inventar o futuro, estamos sempre a inventar o futuro. Quero fazer colaborações, quero produzir mais discos, quero pensar em chutar a bola para a frente, não vou ficar deprimido nem vou ficar preocupado.

Benjamim - Vias de Extinção

© DR

  • 4/5 estrelas
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Os discos são documentos do seu tempo e este foi composto antes de o mundo desabar com uma pandemia. É muito vivido à noite, na boémia lisboeta, num tempo que já não existe, em que as pessoas dançavam e suavam juntas. Benjamim canta as memórias de uma vida desregrada e ressacada, da procura de um sentido, da consciência da mortalidade no meio de uma crise dos 30. Mais confortável a se exprimir, explora mais a voz, derrama e derrete vulnerabilidade. Ilumina a solidão com os néons dos sintetizadores. Como músico, produtor e compositor, Benjamim não tem interesse nenhum em repetir-se. E a sua música, pulsante de vida, ganha com isso. A partir de um sintetizador Roland Jupiter-6, explorou um universo mais electrónico na pop analógica, abraçando-o com o calor humano da sua banda. Vias de Extinção é um álbum com um coração grande. Cresce, desabrocha e dança numa catarse cósmica. Com canções caleidoscópicas, cheias de cores, memórias e pessoas, é um disco de quem ama a música sem preconceitos.

Conversa afinada

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