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Música, Brasileira, Bebel Gilberto
©Heidi SolanderBebel Gilberto

Bebel Gilberto: “É muito difícil estar no Brasil neste momento”

Entre perdas pessoais e a crise política e pandémica do Brasil, Bebel Gilberto lançou um disco para curar a alma. Falámos com ela.

Escrito por
Ana Patrícia Silva
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Carioca de coração e nova-iorquina de nascença, Bebel Gilberto é sobrinha de Chico Buarque e filha de João Gilberto e Miúcha, mas nunca se acomodou na fama da família. A cantora e compositora conseguiu conquistar o seu espaço, construir a sua própria identidade musical e ganhar projecção internacional. Bebeu da fonte familiar da bossa nova, género do qual o seu pai foi pioneiro, e expandiu-a. No balanço lânguido do género incorporou uma gentileza electrónica, uma receita relativamente inexplorada quando lançou o álbum Tanto Tempo, no ano 2000.

O disco que edita este mês, Agora, lembra essa sofisticação suave e sensual. “Acho que esse som acabou me perseguindo de uma certa forma”, conta Bebel Gilberto à Time Out. “Quando não se tem preconceito com a música electrónica, fica mais fácil, e aí a gente se permite fazer novas experiências musicais. Só assim elas se tornam ainda mais ousadas e impossíveis.”

O novo disco foi criado em parceria com o produtor Thomas Bartlett, que já trabalhou com nomes como Norah Jones, Sufjan Stevens e St. Vincent. “Comecei a trabalhar nesse álbum sem saber que estava fazendo um disco. Estava chegando de Itália com muitas ideias, com melodias novas para futuras músicas em geral. De repente, percebemos que já tínhamos 17 músicas. Seleccionámos 11 canções e são elas que lustram este lindo álbum.”

O som evoca um clima de sonho, de fantasia e nostalgia, diluído em tonalidades delicadas. “Eu e o Thomas temos uma característica melancólica e somos também grandes fãs de trilhas sonoras de filmes antigos. Acho que tudo isso se reflectiu no disco. Eu trabalhei muito nos arranjos e todos os efeitos que estão nessas canções. Este trabalho foi muito prazeroso, trabalhar com Thomas é um luxo.”

Apesar disso, foi uma longa jornada de três anos para finalizar este disco. Pelo caminho, perdeu algumas das pessoas mais importantes da sua vida. Primeiro, a morte do melhor amigo, o compositor Mario Vaz de Mello. Depois, a mãe. Seis meses depois, morreu o pai, João Gilberto. Entregar-se à música foi decisivo para digerir a dor dessas perdas. “A música é sempre uma forma de alívio. O disco foi feito durante todo esse processo. Se parar para pensar, começo realmente a duvidar que possa ter passado por tudo isso com tanta serenidade. Nada como fazer 50 anos e levar algumas rasteiras, curando as cicatrizes da vida devagarinho. Isso só faz a gente mais forte.”

Depois de viver em Nova Iorque durante cerca de três décadas, e de partir à descoberta do mundo, Bebel Gilberto está de regresso ao Brasil. A altura não é a melhor, desabafa. “É muito difícil estar no Brasil neste momento, não dá para pensar com calma. O que mais me preocupa é a crise política que estamos vivendo, sem paz no país, em que é impossível pensar num futuro melhor. Sem confiança no Presidente e na política deste país, fica muito difícil imaginar o futuro. Mas neste momento eu estou aqui. Vivendo dia após dia, sem pensar no amanhã.”

Mais uma vez, a música é o seu refúgio. Agora, com um novo disco para mostrar ao mundo e com um novo amor (uma pequena shih-tzu de quatro meses), Bebel Gilberto encontrou um novo alento. “Está a ser maravilhoso poder divulgar o Agora com tranquilidade e tempo – é só nisso que eu penso. Os outros momentos que sobram são apenas para cozinhar e cuidar da minha pequena cachorrinha Ella, o meu maior amor!” Até nos momentos mais turbulentos, como os que viveu e os que atravessamos, Bebel consegue encontrar calma e transmitir tranquilidade através da música. A sua serenidade e leveza são um belo bálsamo para estes tempos.

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