A Time Out na sua caixa de entrada

Procurar
Westerman
©DR

Um englishman em Lisboa (e Olhão)

Westerman construiu uma sonoridade com recortes autobiográficos, gravados num purgatório electropop. Falámos com ele.

Escrito por
Tiago Neto
Publicidade

Quando as respostas às nossas perguntas chegaram à caixa de e-mail, não vinham num ficheiro de áudio. Cada uma delas tinha sido respondida em texto, sem os aparentes constrangimentos que agora fazem com que tudo o que pára na folha tenha de ser escrito com urgência. E essa postura de Will Westerman acaba por ser transportada para a música, música essa que não é feita como um mero exercício estético, mas porque lhe reflecte o presente, os pedaços desse presente, porque de alguma forma se consegue rever nela.

Embora, caso alterasse o rumo, na forma como faz a música, ou no estilo em que a faz, isso não o transformasse noutra pessoa. “O artista pode ser consistente ao criar músicas radicalmente diferentes entre colecções ou mesmo entre faixas individuais de um disco – o desejo de desafiar e surpreender pode ser outra faceta da identidade”, diz. E é por isso que acredita que “a estética tem um peso superior ao que devia ter [na música]”, é uma coisa de apresentação, não é a substância. 

Na passada sexta-feira, depois de vários singles avançados e com um EP, Ark (2018), como apresentação, o músico britânico condensou toda a substância num disco, o primeiro longa duração, Your Hero Is Not Dead. Uma afirmação independente que se relaciona ao mórbido com uma inflexão positiva. “Escrevi o disco com o objectivo de documentar a luta para encontrar a luz sem desconsiderar as coisas sombrias. Queria fazer algo com compaixão no centro. É humanista.”

12 faixas, construídas em torno do sentido que o momento exigia, fosse ele de dor ou alegria. Westerman não quer ditar sensações a quem o ouve, e mesmo que já tenha dito que “gostaria que as pessoas pudessem viver no disco”, é preciso esmiuçar o contexto. “O meu trabalho é fazer algo para as pessoas tirarem as suas próprias conclusões”, esclarece. “Não acho muito justo ou importante dizer às pessoas como é que devem interpretar o meu trabalho depois de terminado. Espero, no entanto, que isso possa ser sentido, espero que haja uma conexão.”

Ao lado, na construção de Your Hero Is Not Dead teve Bullion, DJ e produtor britânico, actualmente a residir em Lisboa, que Westerman conheceu através do seu ex-manager. Uma relação que ele descreve como “uma circunstância muito agradável”, que diz ter sido “uma grande sorte”, e que chegou a fruição plena quando os dois viajaram até Olhão, no Algarve, para construir o disco. “Era lindo, quase completamente deserto. Sinto falta daquele lugar; era uma maravilhosa janela de tempo”. A janela transformou-se num período de reflexão em que diz estar agora, uma altura de perceber para onde quer ir.

Talvez o que se segue venha a explicá-lo ainda melhor, de forma mais profunda. Porque, mais do que um disco, Your Hero Is Not Dead foi também a terapia que encontrou para lidar com o Transtorno de Défice de Atenção que lhe diagnosticaram. Ou talvez se concentre na beleza de criar música instintivamente como missão; afinal, parte do quotidiano é filtrada para isso. “Gosto de tocar, pelo acto de tocar, mesmo que não faça nada com a música que me vai sair.”

Para conhecer há cinco singles: “The Line”, “Your Hero Is Not Dead”, “Waiting On Design”, Think I’ll Stay” e “Blue Comanche”, todos com ilustração do português Bráulio Amado, responsável também pela capa do disco. Sobre isso, Westerman não tem dúvidas: “É um tipo incrível, é um prazer enorme conhecê-lo e ter o prazer de o ver contribuir para isto que fizemos. É engraçado, parece haver uma linha que liga este disco a Portugal. É bom!"

Mais para ler e ouvir

  • Música

Do lado de lá do Atlântico o sucesso não é medido da mesma forma. Não é uma questão geográfica, social, política ou geracional. Num mercado que transpira tanto talento, em que o canibalismo artístico é omnipresente, em que as portas de entrada são pouco mais do que pequena parcela no enorme alinhamento necessário para alcançar o topo, e em que as hipóteses são paradoxalmente mínimas e vastas, talvez um Grammy seja uma boa bitola.

  • Música

Há, no som, uma força poderosíssima, nem sempre perceptível. Não porque não a possamos ouvir, ou que não nos incomode, mas porque aprendemos a aceitá-la, chegue ela da forma que chegar. Reconhecemos de igual modo o golpear das rodas metálicas de um comboio na ferrovia e o enrolar das ondas numa praia. A trepidação que um trólei faz na calçada e o som que uma árvore faz ao ser sacudida pelo vento.

Publicidade
  • Música

Há qualquer coisa de assoberbante na sensação de pertença. Como condição de existência, como factor determinante para os alicerces que os pés pisam; a pertença dá-nos uma bandeira, um pedaço de terra, um alfinete na história para que possamos sempre ordenar a narrativa, seja o ponto de partida no Reino Unido, em Angola ou em Portugal. Mas a música não tem pertença, se assim quisermos que seja. Não tem uma casa. Ou tem, várias.

Recomendado
    Também poderá gostar
    Também poderá gostar
    Publicidade