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Dave Douglas
Photograph: Courtesy Banff CentreDave Douglas

Dave Douglas: 10 facetas de um génio camaleónico

Dave Douglas encerra o Jazz em Agosto deste ano com o seu quarteto High Risk – o concerto é obrigatório, mas vale a pena investigar as outras facetas de um dos mais importantes e versáteis jazzmen das últimas duas décadas e meia

Escrito por
José Carlos Fernandes
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O que esperar de um concerto do trompetista Dave Douglas? Coisas muito diversas, pois, desde que começou a gravar como líder, em 1993, o trompetista tem liderado projectos da mais diversa natureza, que vão do experimentalismo e do cruzamento com electrónica a homenagens, em moldes “conservadores”, a figuras históricas do jazz. Douglas nasceu em New Jersey em 1963, estudou no Berklee College of Music de Boston e, em 1987, com 24 anos, foi recrutado pelo veterano Horace Silver, que fora uma das figuras cimeiras do hard bop da Blue Note nas décadas de 50-60. No início dos anos 90, a carreira de Douglas sofreu acentuada inflexão: em 1993 juntou-se ao quarteto Masada de John Zorn (que gravaria uma dezena de discos de estúdio nos quatro anos seguintes) e lançou o seu primeiro disco como líder, Parallel Worlds, com o grupo que ficaria conhecido como String Quintet, dois passos que o projectaram para a linha da frente do jazz moderno. Porém, a criatividade e irrequietude de Douglas impedem-no de seguir uma via por mais de dois ou três discos, logo buscando novos desafios. Eis 10 entre os muitos projectos que desenvolveu desde 1993.

Dave Douglas: 10 facetas de um génio camaleónico

String Quintet

Músicos: Mark Feldman (violino), Erik Friedlander (violoncelo), Mark Dresser ou Drew Gress (contrabaixo), Mike Sarin (bateria)
Álbuns: Parallel Worlds (1993, Soul Note), Five (1995, Soul Note), Convergence (1998, Soul Note)

Não se espere a tradicional fórmula combo de jazz + cordas, pois o violino e o violoncelo não servem para providenciar um fundo acetinado, são instrumentos tão autónomos e interventivos como a trompete. As composições originais de Douglas coabitam com recriações de música tradicional birmanesa, música clássica do século XX (Webern, Stravinsky, Messiaen) e o legado do jazz (Duke Ellington, Thelonious Monk, Roland Kirk), num eclectismo que viria a tornar-se numa das marcas principais da carreira de Douglas e que não deve ser confundido com name-dropping e colagem atamancada, pois, por muito díspares que possam parecer à partida, as diferentes referências são habilmente integradas por Douglas na linguagem do quinteto.

[“Bilbao Song”, de Kurt Weill, no álbum Convergence]

Tiny Bell Trio

Músicos: Brad Shepik (guitarra), Jim Black (bateria)
Álbuns: The Tiny Bell Trio (1993, Songlines), Constellations (1995, hatHut), Songs for Wandering Souls (1999, Winter & Winter)

Um trio minimal na instrumentação mas com um som surpreendentemente rico, onde se mesclam jazz, música dos Balcãs e rock. A música pode ser viva e zombeteira, com arestas muito nítidas, mas também pode revelar-se subtil, onírica e melancólica. As apropriações vão de Schumann a Georges Brassens, passando por Herbie Nichols.

[“One Shot”, de Songs for Wandering Souls]

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Charms of the Night Sky

Músicos: Mark Feldman (violino), Guy Klucevsek (acordeão), Greg Cohen (contrabaixo)
Álbuns: Charms of the Night Sky (1998, Winter & Winter), A Thousand Evenings (2000, RCA Victor)

Um encontro nocturno, intimista, melancólico e embalador entre jazz e música de câmara. As apropriações incluem Herbie Hancock, uma ária da ópera Adriana Lecouvreur, de Francesco Cilea e “Goldfinger”, uma canção de John Barry para a banda sonora do terceiro filme de James Bond. Conta Douglas que a versão de “Goldfinger” por Shirley Bassey se entranhou de tal modo na sua cabeça que só lhe restava enlouquecer ou torná-la sua, fazendo um arranjo para os seus músicos.

[Excerto de um concerto do quarteto Charms of the Night Sky em Frankfurt, 1999]

Quartet

Músicos: Chris Potter (saxofone), James Genus (contrabaixo), Ben Perowski (bateria)
Álbuns: Magic Triangle (1997, Arabesque), Leap of Faith (1998, Arabesque)

Um projecto ancorado na tradição hard bop mas com marcas óbvias de modernidade e em que a ausência de piano dá liberdade adicional aos músicos. Chris Potter, um saxofonista exímio mas pouco dado a afastar-se dos caminhos mais batidos, nunca soou, pese embora a sua prolífica carreira, tão inventivo e pertinente como neste quarteto.

[“Leap of Faith”, do álbum homónimo]

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New Quintet

Músicos: Chris Potter (saxofone), Uri Caine (piano eléctrico), James Genus (contrabaixo), Clarence Penn (bateria), por vezes expandido a sexteto por adição de Bill Frisell (guitarra). O quinteto conheceu uma segunda vida com John Irabagon (saxofone), Matt Mitchell (piano), Linda Oh (contrabaixo) e Rudy Royston (bateria)
Álbuns: The Infinite (2001, RCA Bluebird), Strange Liberation (2003, RCA Bluebird)
Com a segunda formação: Be Still (2012, Greenleaf), Time Travel (2012, Greenleaf) e Brazen Heart (2015, Greenleaf)

O “new” foi usado inicialmente para distinguir esta formação do “quinteto de cordas”, mas entretanto é designado apenas como Dave Douglas Quintet. É, como o quarteto, uma das formações mais “tradicionais” de Douglas – a referência principal em The Infinite é Miles Davis (a quem Douglas endereça um “infinito obrigado” nas notas de capa), e, mais especificamente, o quinteto de Miles por alturas de Filles de Kilimanjaro (1968). The Infinite inclui recriações de canções de Rufus Wainwright, Björk e Mary J. Blige. Em Strange Liberation, com a entrada da guitarra de Frisell, a atmosfera torna-se mais densa e aproxima-se do rock.

[“The Infinite”, do álbum homónimo, numa versão ao vivo em estúdio, em 2003, com Rick Margitza (saxofone) no lugar de Chris Potter]

Após um interregno de alguns anos, Douglas reactivou o quinteto com um line up completamente diferente e com o piano acústico a substituir o eléctrico.

[“Beware of Doug”, do álbum Time Travel, pela segunda formação do quinteto]

Nomad

Músicos: Michael Moore (saxofone, clarinetes), Peggy Lee (violoncelo), Marcus Rojas (tuba), Dylan van der Schyff (bateria)
Álbuns: Mountain Passages (2004, Greenleaf)

Esta banda de “jazz de montanha” nasceu de um convite lançado pelo festival de jazz Sound of the Dolomites, que se realiza em vários locais remotos a grande altitude na província de Trentino, Itália (o público precisa de trepar, literalmente, para chegar aos locais dos concertos). A música combina influências que vão do jazz de New Orleans à música tradicional do Trentino e do Tirol do Sul. Mountain Passages foi o álbum que inaugurou, em 2005, a editora de Douglas, a Greenleaf, onde passaria a editar todos os seus discos, bem como os de músicos a ele ligados.

[“Twelve Degrees Proof”, de Mountain Passages]

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Keystone

Músicos: Marcus Strickland (saxofone), Jamie Saft ou Adam Benjamin (piano eléctrico), Brad Jones (baixo eléctrico), Gene Lake (bateria), DJ Olive (turntables)
Álbuns: Keystone (2004, Greenleaf), Moonshine (2007, Greenleaf), Spark of Being (2010, Greenleaf)

A banda nasceu da ideia de criar música para os filmes de “Fatty” Arbuckle (1887-1943), uma vedeta do cinema mudo cuja carreira foi destruída por um escândalo envolvendo a morte de uma candidata a actriz numa festa num hotel em São Francisco, em 1921; o tribunal acabaria por ilibar Arbuckle, mas os danos para a sua imagem pública tinham sido irreversíveis e pouco ou nada filmou após o incidente. O nome Keystone alude à produtora de cinema onde Arbuckle fez os seus filmes mais célebres e o álbum Keystone é acompanhado por um DVD em que a música de Douglas está sincronizada com o filme Fatty and Mabel Adrift (1916). A música de Keystone, com forte componente electrónica, não pretende, claro, emular as bandas sonoras do cinema mudo, mas sim “evocar as atmosferas e cenários dos primeiros filmes de Arbuckle” e a sua mescla de “diversão, inocência, ternura, devoção [...], absurdo e um sentido de humor perverso”.

[“Just Another Murder”, de Keystone, e o trecho correspondente do filme Fatty and Mabel Adrift]

Moonshine é um registo ao vivo no Bray Jazz Festival, na Irlanda, da música que Douglas compôs inspirado no filme homónimo que Arbuckle e Buster Keaton rodaram (mas nunca terminaram) em 1917.
Spark of Being (uma trilogia que se reparte pelos CDs Soundtrack, Expand e Burst) foi criado para servir de banda sonora ao filme homónimo, de 2010, de Bill Morrison, que recria o Frankenstein de Mary Shelley através da montagem de imagens de arquivo das mais diversas proveniências.

[Trailer do filme Spark of Being]

Brass Ecstasy

Músicos: Vincent Chancey (trompa), Luis Bonilla (trombone), Marcus Rojas (tuba), Nasheet Waits (bateria)
Álbuns: Spirit Moves (2008, Greenleaf), United Front: Brass Ecstasy at Newport (2010, Greenleaf)

Após alguns anos mais focado em projectos envolvendo electrónica, Douglas voltou às origens do jazz, adoptando o formato brass band. As composições de Douglas rendem homenagem a grandes trompetistas de diversas gerações – Fats Navarro, Lester Bowie e Enrico Rava – e emparelham com a recriação de canções de Rufus Wainwright, Hank Williams e Otis Redding.

[“Bowie”, homenagem a Lester Bowie, em Spirit Moves]

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Douglas/Woeste Quartet

Músicos: Frank Woeste (piano eléctrico), Matt Brewer (contrabaixo) e Clarence Penn (bateria)
Álbuns: Dada People (2015, Greenleaf)

Uma parceria franco-americana – Frank Woeste e Dave Douglas – homenageia um artista franco-americano, Man Ray (1890-1976), figura central do dadaísmo e do surrealismo, bem como alguns dos seus amigos e parceiros de demanda artística (a fotografia na capa de Dada People mostra-o na companhia de Salvador Dali). Cultivou várias formas de expressão artística, tendo-se distinguido sobretudo na fotografia e nos readymades. A componente de improvisação que estes últimos comportam permite que se estabeleça um vínculo ao jazz, embora Douglas, em entrevista sobre este projecto, admita que é difícil transpor artes visuais em música e vice-versa. A música de Dada People não traz ao jazz as rupturas e sobressaltos que Man Ray e seus colegas trouxeram às artes plásticas, mas é viva, irónica e irrequieta q.b.

[Apresentação do projecto por Dave Douglas e Frank Woeste]

High Risk

Músicos: Shigeto (electrónica), Jonathan Maron (baixo) e Mark Guiliana (bateria)
Álbuns: High Risk (2014, Greenleaf), Dark Territory (2014, Greenleaf)

No Jazz em Agosto [Fundação Gulbenkian, domingo 6 de Agosto, 21.30, 20€], Douglas apresenta-se com o quarteto High Risk, cabendo a Ian Chang substituir o titular da bateria (é um desafio, pois Mark Guiliana é um dos mais criativos e originais bateristas do nosso tempo). Douglas tem vindo a revelar uma aguda percepção dos problemas que afligem o mundo e a usar a sua música como forma de reflectir sobre eles e despertar consciências. Isso é particularmente evidente neste quarteto que cruza jazz e electrónica e cujo primeiro disco, High Risk, é “dedicado a toda a comunidade dos activistas da luta contra as mudanças climáticas” e alerta: “é tempo de encontrar coragem para enfrentar um problema urgente”. Dark Territory é uma meditação sobre o ciberespaço e Douglas compara o antigo significado de “dark territory” na gíria ferroviária – um troço de linha sem sinalização nem controlo – com este “novo território muito mais vasto e com perigos bem maiores, pois os seus engenheiros são desconhecidos, os seus comboios são invisíveis e uma colisão pode causar estragos bem mais sérios”.

[“Tied Together”, de High Risk]

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Em 1961, o guitarrista Charlie Byrd fez parte de uma embaixada cultural que foi ao Brasil mostrar o jazz norte-americano e ficou fascinado com a bossa nova, um género então ainda com poucos anos de vida – Chega de Saudade, o álbum de estreia de João Gilberto, fora editado apenas dois anos antes. 

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