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Dez bandas de Hong Kong que precisa de ouvir

À sombra dos 350 arranha-céus de Hong Kong, há um formigueiro de bandas indie rock a lutar por um lugar ao sol.

Escrito por
José Carlos Fernandes
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Uma das cedências que a China foi forçada a fazer ao Império Britânico, em 1842, após ter sido derrotada na Primeira Guerra do Ópio, foi uma ilha de 79 quilómetros quadrados no estuário do Rio das Pérolas. A ilha de Hong Kong tinha na altura 3000 habitantes, distribuídos por uma dúzia de aldeias piscatórias. Como resultado da Segunda Guerra do Ópio (1856-1860), em que a China voltou a ser derrotada, o Império Britânico reclamou a expansão da colónia de Hong Kong para a Península de Kowloon. Em 1898, aproveitando-se da crescente debilidade do Império Chinês e alegando a necessidade de fazer face às ambições francesas na China, os britânicos ampliaram consideravelmente as suas possessões em torno da Península de Kowloon, fazendo com que a colónia de Hong Kong abrangesse uma área total de 1100 quilómetros quadrados. Em 1997, na data em que expirou o prazo de 99 anos de cedência dos Novos Territórios anexados em 1898, o Reino Unido entregou à República Popular da China toda a sua colónia de Hong Kong, que passou a ter o estatuto de Região Administrativa Especial, com um governo autónomo em relação ao da China continental.

Hong Kong tem hoje 7,5 milhões de habitantes (6777 por quilómetros quadrados, o que faz dela a quarta região mais densamente povoada do mundo) e um PIB de 360 mil milhões de dólares (uma vez e meia o PIB de Portugal). Fica em 16.º lugar no ranking mundial do rendimento per capita (48.000 dólares/ano) e em sétimo no índice de desenvolvimento humano (HDI) das Nações Unidas (acima da Suécia e da Dinamarca) e é a cidade do mundo com maior número de arranha-céus, com larga vantagem sobre Nova Iorque. Uma cidade com esta vitalidade não poderia deixar de ter uma Time Out Hong Kong.

Dada a sua história como interface entre Oriente e Ocidente e a relativa liberdade conferida pelo seu estatuto político-administrativo, é natural que Hong Kong seja a mais cosmopolita cidade da China e que a sua cena pop-rock seja efervescente. Porém, ainda que os produtos industriais do Extremo Oriente nos entrem pela vida dentro a todo o momento – mesmo que não sejamos clientes regulares de bazares chineses – a música parece ainda ter dificuldade em transpor barreiras geográficas.

Recomendado: O que fazer em Hong Kong, das vistas às noites de karaoke

Dez bandas de Hong Kong que precisa de ouvir

Phoon

Os Phoon começaram como a maior parte das bandas pop-rock: quatro colegas de escola que descobriram ter interesses, gostos e propósitos semelhantes. Estrearam-se com o single You!”, em 2016, fizeram a primeira parte dos americanos Diiv quando estes passaram por Hong Kong em 2017 e lançaram o seu primeiro mini-álbum, homónimo, em Agosto de 2018. Algumas das canções têm letra em cantonês, o que poderá atrapalhar a difusão internacional, mas “People in the Dark”, que encerra em tom épico o mini-álbum, mereceria estar nos tops de indie pop de Lisboa, Londres ou Nova Iorque

Discos: Phoon (2018)

[“People in the Dark”]

Eli

Os Eli existem desde 2009 e indicam como principal referência os Radiohead (dos primeiros tempos) e durante parte da sua carreira fizeram questão de incluir uma versão de “Creep” no alinhamento dos seus concertos. Porém, foram incorporando outras influências e em faixas, como “Sink” fazem antes pensar no grunge épico – mas sombrio e sujo – dos Alice in Chains. O álbum de estreia, Everlasting Illusion, surgiu em 2017, numa auto-edição limitada a 500 exemplares, de características únicas, uma vez que as capas foram pintadas à mão. Por enquanto, os Eli têm andado apenas pelo Sudoeste da Ásia (Taipei, Jakarta), mas uma canção como “Sink” era bem capaz de encher um estádio aqui ao lado.

[“Sink”]

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tfvsjs

Os tfvsjs, formados em 2003, são os veteranos da muito activa cena math rock de Hong Kong. O quinteto tem a particularidade de adensar a já de si complexa componente rítmica do género através do recurso a duas baterias e de ter associado a criação musical à restauração e à dinamização cultural através do tfvsjs Café (ver tfvsjs: Regalar o estômago, os ouvidos e os olhos). As influências de Toe (banda math rock japonesa que é um farol para boa parte do rock instrumental asiático) são audíveis e Zoi, o 2.º álbum, mais denso e sombrio que o anterior, foi misturado e masterizado por Takaaki Mino, guitarrista dos Toe.

Discos: Equal Unequals to Equal (2013), Zoi (2016).

[“Battle from the Bottom”, de Zoi]

Life Was All Silence

Os Life Was All Silence têm raízes math rock mas a sua música é um pouco menos tensa e intricada e investe mais na exploração de ambientes e texturas. O seu disco de estreia, The People, foi gravado na sala de ensaio da banda, com os membros da banda a assegurar a engenharia de som a e produção, e resultou de dois anos de intensa preparação (e a ajuda dos “veteranos” tfvsjs). Jay Tse, o teclista e guitarrista da banda, trabalha também como engenheiro de som, tendo gravado, entre outros discos, o álbum de estreia dos David Boring (ver abaixo).

Discos: The People (2014).

[“Damascus”, de The People]

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Thud

As escolas de artes visuais são verdadeiros viveiros de bandas de indie pop e Hong Kong não é excepção: os cinco membros dos Thud conheceram-se na qualidade de alunos do Hong Kong Design Institute. Praticam uma dream pop enfeitiçante, em que as guitarras tintinabulantes e os muros de distorção do shoegaze se combinam com aguadas de teclados e programações.

Discos: Floret EP (2015).

[“She’s a Loner”]

Prune Deer

Após um primeiro álbum, Solid Transparency, de toada meditativa e paisagens plácidas, próximas do post-rock – ainda que com uma ou outra faixa na área do math rock, como a excelente “Heatdeath” –, o quarteto trocou de baterista e abraçou integralmente a complexidade, tensão e energia nervosa do math rock no magistral álbum Chemistry. Tal como acontece com os tfvsjs, a cuidada e original apresentação dos discos é da responsabilidade da banda.

Discos: Solid Transparency (2015), Chemistry (2018).

[“CH3CHO”, de Chemistry, ao vivo em estúdio, no UCYC, Hong Kong, 2017]

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A New World If You Can Take It

A guitarra eléctrica é o instrumento-símbolo do rock, mas os A New World If You Can Take It (ANWIYCTI para os amigos) passam bem sem ela: o grupo é formado por um baterista e três baixistas (um dos quais se ocupa também de teclados e programações). O seu universo sonoro combina post-rock (e post-metal) e os ambientes sombrios do post-punk britânico do início dos anos 80 (a canção “X” faz pensar em “Atmosphere”, da Joy Division) e, quando instada a nomear influências, a banda menciona Kraftwerk e Depeche Mode. A verdade é que a sonoridade resultante da combinação de três baixos e bateria desafia a arrumação dos ANWIYCTI numa gaveta.

Discos: A New World If You Can Take It (2014)

[“The Truth”, ao vivo em estúdio, 2015]

More Reverb

O sexteto (duas guitarras, baixo, bateria e percussão) é formado por seis estudantes universitários e filia-se no lado mais planante, melancólico e atmosférico do post-rock – pense-se em Sigur Rós, Red Sparowes ou If These Trees Could Talk. A música pode reflectir o ambiente em que foi criada (a Joy Division só podia ter nascido numa cidade industrial decadente e sorumbática da Inglaterra de finais da década de 1970), mas também pode exprimir o desejo pelo que mais falta no sítio onde se vive: é o caso dos More Reverb, que, a partir de uma megalópole insone, frenética, superlotada e envolta em poluição, evocam pela música céus límpidos, horizontes desimpedidos, oceanos majestosos e montanhas que nenhum pé humano pisou.

Discos: Lay Down and Mosh (2017)

[“One Man”]

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GDJYB

Este quarteto de raparigas – Soft Liu (voz, guitarra), Soni Cheng (guitarra), Wing Chan (baixo) e Heihei Ng (bateria) – formado em 2014 descreve a sua área como “math folk” (outros preferirão “math pop”) e a língua em que cantam como “Honglish” (o inglês de Hong Kong). O uso do “Honglish” terá certamente ajudado a que as GDJYB tenham feito três ou quatro incursões em festivais extra-asiáticos – Austrália, EUA, Islândia – o que é mais do que a maioria das bandas de Hong Kong tem conseguido.

As suas canções possuem uma forte componente socio-política, que certamente não seria permitida a uma banda da China “continental”, e aludem à malaise da vida quotidiana (“Hong Kong Family Story”), à política internacional (“Why Don’t You Kill Us All”) e à repressão dos anseios dos jovens por liberdade pelas autoridades. Vamos a ver durante quanto mais tempo o estatuto especial de Hong Kong dentro da República Popular da China tolerará estas liberdades.

Discos: GDJYB EP (2014), Before Tomorrow (2016), edições apenas em formato digital

[“Hong Kong Family Story”, single de 2018]

David Boring

O quinteto apresenta a sua música, no Soundcloud, como “uma série de celebrações masoquistas que abordam a natureza obscena e nihilista da vida moderna”. No Bandcamp não se mostram mais joviais: descrevem-se como “o rosto aceitável da morbidez moderna. O nosso propósito não é entreter, pedimos antes que se juntem a nós numa celebração do sofrimento sem sentido”.

A banda foi buscar o seu nome à (também pouco jovial) graphic novel David Boring (2000), de Daniel Clowes, e as canções, feitas de guitarras adstringentes, baixo e bateria obsessivos e da voz psicótica de Laujan, revelam o mal-estar e as tensões sociais e ambientais que se ocultam sob o sucesso económico de Hong Kong e a sua formidável armada de arranha-céus feericamente iluminados.

Discos: Unnatural Objects and Their Humans (2017)

[“Machine #1”, de Unnatural Objects and Their Humans]

Música do outro lado do planeta

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