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Dez bandas japonesas de math rock

O Japão não inventou o math rock, mas apropriou-se dele de forma original e converteu-se na potência n.º 1 do género.

Escrito por
José Carlos Fernandes
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O math rock é um género musical, surgido nos EUA na viragem dos anos 80-90. É dominantemente instrumental e assenta numa articulação rigorosa de padrões rítmicos invulgares e elaboradas malhas de guitarra e requer executantes de muito bom nível. É um género eminentemente colectivista e estritamente disciplinado, sem espaço para vedetismos (não há “solos”), em que todos os instrumentos trabalham para produzir um resultado impecavelmente coeso. Sendo frequente associar à psicologia do povo japonês uma tenaz ética de trabalho e um apagamento do indivíduo perante o colectivo, não é de admirar que o math rock tenha florescido tão exuberantemente nas terras do Sol Nascente.

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Dez bandas japonesas de math rock

Toe

Origem: 2000, Tóquio
Membros: Hirokazu Yamazaki (guitarra), Takaaki Mino (guitarra), Satoshi Yamane (baixo), Takashi Kashikura (bateria).
Discos: Songs, Ideas We Forgot EP (2003), The Book About My Idle Plot on a Vague Anxiety (2005), New Sentimentality EP (2006), For Long Tomorrow (2009), Hear You (2015), Our Latest Number EP (2018).

Qualquer abordagem ao math rock japonês tem de começar pelos Toe, uma banda que combina elaborados rendilhados de guitarra com uma bateria jazzística e hiperactiva. São eles a banda pioneira do género (na Ásia) e conquistaram ao longo de 17 anos de existência um estatuto semi-divino – inteiramente justificado. Os seus concertos ao vivo – amplamente documentados no YouTube – são de uma intensidade arrepiante, que os discos de estúdio não conseguem transmitir. A entrega dos músicos é total e a sintonia e circulação de energia dentro da banda é perfeita. É paradoxal que um género que por vezes é visto como frio e cerebral tenha nos Toe uma tradução tão emocional e visceral.

[“Goodbye”, de The Book About My Idle Plot on a Vague Anxiety, numa versão ao vivo que encerra, apoteoticamente, um concerto no The Regent, Los Angeles, 02.07.15]

Lite

Origem: 2003, Tóquio
Membros: Nobuyuki Takeda (guitarra), Kozo Kusumoto (guitarra), Jun Izawa (baixo), Akinori Yamamoto (bateria).
Discos: Filmlets (2007), Phantasia (2008), For All the Innocence (2011), Installation (2013), Illuminate (2014), Cubic (2016).

Tal como os Toe e ao contrário da maior parte do pop-rock asiático, os Lite têm realizado tournées pelo Ocidente e alguns dos seus discos têm tido colaborações de músicos ocidentais (Illuminate foi gravado por John McEntire, dos Tortoise e The Sea And Cake). Os Lite são um dos grupos de math rock em que é mais evidente a influência da música minimal-repetitiva – o início de “Bond” lembra o Electric Counterpoint que Steve Reich compôs para Pat Metheny.

[“Bond”, de Past, Present and Future EP (2012)]

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Mouse On The Keys

Origem: 2006, Tóquio
Membros: Akira Kawasaki (piano, teclados), Atsushi Kiyota (piano, teclados), Daisuke Niitome (bateria).
Discos: An Anxious Object (2009), Machinic Phylum (2012), The Flowers of Romance (2015), Out of Body EP (2017), Tres (2018).

Os Mouse On the Keys editaram um split EP com os Lite, estiveram associados aos Toe na editora Machu Picchu e actuam regularmente com estas e outras bandas de math rock, mas a sua música não assenta na fórmula usual 2 guitarras + baixo + bateria mas antes em 2 pianos + bateria e tem um cunho particular, que os aproxima das franjas mais enérgicas e frenéticas do moderno jazz europeu (Phronesis, GoGo Penguin, Neil Cowley Trio), uma inclusão que soa ainda mais justificada quando as peças incluem um trompetista ou saxofonista convidado. Mas como na música dos Mouse On The Keys estão sempre presentes os ritmos intricados e irregulares e as melodias angulosas do math rock, ficará ao critério do ouvinte a arrumação (se é que esta é mesmo necessária).

[”Leviathan”, de The Flowers of Romance]

Origem: 2004, Tóquio
Membros: Kono (guitarra), Hiro (guitarra), Matsuda (baixo), Tachibana (bateria).
Discos: Thus, the echoes free of interpretation speak the abyss of a sonic world (2005), That which resonates through the universe sings realistic sounds (2007), Furthermore, when the mind meets all senses, all matters converge to the ultimate music (2008), Intending promises outside of entangled voices and texts through hopes of apprehension (2010).

Nos Té os espaços melancólicos e meditativos são como os breves momentos de calma no olho do tufão, pois a sua natureza essencial é o turbilhão e a vertigem. Só é preciso dar um desconto aos títulos grandiloquentes e retorcidos (pelo menos assim soam quando vertidos para inglês) com que baptizam os discos e os temas e deixarmo-nos levar pelo vendaval.

[O tema tem por título (tome-se fôlego) “The convulsive beauty in the sound is a wild and terrible shudder that grips the body and surpasses perception”. Soa terrivelmente pedante, mas “beleza convulsiva” e “frémito selvagem e terrível” são uma razoável descrição do que se ouve]

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Clean of Core

Origem: 2005, Chiba
Membros: Sunao Takeda (guitarra), Jenta Katou (baixo), Teruhito Takano (bateria).
Discos: Spectacle (2009), Paradox (2010).

Os eventos sucedem-se a velocidade vertiginosa e a tensão nunca afrouxa, de forma que é fácil esquecermo-nos de que ouvimos apenas uma guitarra, um baixo e uma bateria. O grupo diz-se influenciado por King Crimson, Yes, Battles e Lightning Bolt.

[“Orbit”, de Paradox]

Haisuinonasa

Origem: 2004, Tóquio
Membros: Shigari Terui (guitarra), Kazuki Moriya (teclados), Junichi Terui (baixo), Keisuke Nakamura (bateria).
Discos: About the City (2009), Imagination and the Children of the City (2010), Animal Body (2012), Reflection EP (2013), Henshin EP (2015).

Umas vezes são atmosféricos, noutras tecem um emaranhado polifónico de guitarra, teclados e baixo, de alta densidade e assombrosa precisão, como é o caso de “Logos”, um frenesim planeado com absoluta racionalidade. Nalgumas faixas há intervenção da voz, mas esta costuma ser usada como mais um instrumento.

[“Logos”, de Animal Body, numa colaboração, ao vivo, com o artista vídeo Keita Onishi, em 2013]

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How To Count One To Ten

Origem: Kyoto
Membros: Yuta Okuhara (guitarra, teclados), Yoseuke Minamizuka (guitarra), Taichi Yaguchi (guitarra), Mayuko Wada (baixo), Shunsuke Hayashi (bateria).
Discos: Blue Building Blocks (2012), Method of Slow Motion (2014).

O lado mais gentil e lírico do math rock, uma filigrana de guitarras cristalinas e atmosferas desanuviadas.

[“Parade”, de Blue Building Blocks]

e;in

Origem: Kyoto
Membros: Yodo Junichi (guitarra), Kanazawa Takayuki (guitarra), Kouno Takumi (baixo), Wakahara Naosuke (bateria).
Discos: Carpe Diem EP (2012), Season for Reading (2015), Post split EP (2016).

Os e;in (assim, mesmo, não é um erro dactilográfico) filiam-se na vertente irrequieta do math rock, com um incessante desfilar de paisagens, variadas mas sempre articuladas de forma coerente e com uma “narrativa” sustentada por uma sábia gestão da tensão. Numa faixa de menos de quatro minutos, como “Towards Tomorrow”, há ideias suficientes para um álbum inteiro e estão articuladas com uma lógica que impele a música inexoravelmente em frente.

[“Towards Tomorrow”, de Post]

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Mudy on the Sakuban

Origem: 2006, Nagoya
Membros: Hirokazu Furusawa (guitarra), Watifo Mori (guitarra), Yohei Yamakawa (guitarra), Park Yuki (baixo), Kohei Itoh (bateria).
Discos: VOI (2008), Kidnie (2009), Pavilion (2010), Mudy in Squall (2011).

Os Mudy on the Sakuban estão do lado mais tumultuoso do math rock, com três guitarras a criar texturas extraordinariamente densas e complexas. Um dos riscos que o math rock corre é o de todo o virtuosismo instrumental e toda a elaboração instrumental poderem soar como uma sucessão de exercícios mecânicos, dignos de admiração mas incapazes de arrebatar. O que distingue as boas bandas de math rock, como os Mudy on the Sakuban, é que o edifício musical é construído com apurado sentido dramático, de forma que a sucessão de eventos resulta não só lógica como inevitável.

[“Moody Pavilion”, de season for reading Pavilion]

Sajjanu

Origem: Tóquio
Membros: Nepperining Funazuma (guitarra), Maleman Stolz (guitarra), Gida Dolgandy Fune (bateria).
Discos: Pechiku! (2009), Californication II (2012), Trauma 13 (2015).

Os Mudy on the Sabukan até parecem cordatos quando comparados com os Sajjanu, um super-trio que reúne músicos de um virtuosismo esfuziante, com vínculos a outros grupos (Funazuma vem dos Massimo, Stolz dos Lagitagida e Fune dos ABKB, Sungoddess, Lagitagida e Green Milk From Planet Orange). Os Sajjanu representam o extremo mais feroz, frenético e corrosivo do math rock e a sua estética de colagem tresloucada e insolência punk tem afinidades com os nova-iorquinos Naked City (banda influenciada, entre mil outras coisas, pelo hardcore japonês), pelo que não é de estranhar que John Zorn tenha lançado o primeiro álbum, Pechiku!, na sua editora, a Tzadik. O trio conta por vezes com a colaboração do saxofonista Arnold Asakusanegger (certamente mais influenciado pelo Terminator do que por Stan Getz), o que aproxima um pouco mais os Sajjanu dos Naked City.

[Ao vivo em 2010]

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