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The Starry Night
©Vincent Van Gogh

Dez versões de “Stella by Starlight”

O filme para que foi composta, em 1944, foi esquecido, mas a canção tornou-se numa das favoritas dos músicos de jazz.

Escrito por
José Carlos Fernandes
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A Casa Assombrada (The Uninvited) prometia causar um aperto no coração dos espectadores (“the heart-clucthing dread of a nameless horror!”), mas, 73 anos depois da estreia, dificilmente será capaz de fazer alguém engasgar-se com as pipocas. O enredo parecerá ingénuo aos olhos do espectador de hoje, “endurecido” por The Shining, Paranormal Activity, The Haunting, Insidious, The Amityville Horror, The Others, El Orfanato e seus derivados e sequelas: dois irmãos londrinos, Roderick (Ray Milland) e Pamela Fitzgerald (Ruth Hussey), adquirem Windward House, uma imponente mansão junto ao mar, na Cornualha, por um preço invulgarmente baixo, mas não tardam a perceber a razão da pechincha: correntes de ar glaciais, soluços entrecortados, perfumes sem explicação plausível, aparições fantasmagóricas. Para complicar tudo, a jovem Stella (Gail Russell), filha do antigo proprietário, sente-se irresistivelmente atraída pela mansão assombrada, a cuja maldição está ligada, sem o saber.

[Trailer de A Casa Assombrada (1944), realizado por Lewis Allen]

“Stella by Starlight” surge, em versão instrumental, como uma peça que Roderick toca ao piano para Stella e que ele define como “uma serenata”. A composição de Victor Young ganharia, dois anos depois, pela mão de Ned Washington, uma letra que não inclui referências a fenómenos sobrenaturais e fala de “Uma canção que um pisco canta/ Ao longo de anos de infindas primaveras/ O murmúrio de regatos ao cair do dia/ Que ecoa num retiro onde dois amantes se escondem”.

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Dez versões de “Stella by Starlight”

Charlie Parker

Ano: 1952
Álbum: Charlie Parker with Strings (Verve)

O acompanhamento almofadado de uma orquestra de cordas não é o contexto mais favorável ao talento de Charlie Parker, mas foram estas as gravações que, em vida, valeram mais reconhecimento ao saxofonista. Há duas precisões a fazer: 1) a sessão de Janeiro de 1952 em que foi gravada “Stella by Starlight” não fez parte da edição original desse álbum (que apenas incluiu sessões de 1949 e 1950); foi a reedição em CD em 1995 que acrescentou dez faixas provenientes da sessão de 1952 e de um concerto em 1950 no Carnegie Hall; 2) na sessão de 1952, como se percebe, Parker é acompanhado por uma orquestra completa, que inclui, além das cordas, metais e palhetas.

Chris Connor

Ano: 1954
Álbum: Sings Lullabys for Lovers (Bethlehem)

Chris Connor (o nome artístico de Mary Jean Lousenhizer) ganhou fama ao substituir June Christy como vocalista da orquestra de Stan Kenton, em Fevereiro de 1953, mas o ritmo das tournées com Kenton fê-la desistir ao fim de quatro meses e enveredar por uma carreira a solo, cujos primeiros discos foram dois LPs gémeos de 10’’ lançados em 1954 pela Bethlehem: Sings Lullabys of Birdland e Sings Lullabys for Lovers. Connor teria uma longa carreira, mas os anos Bethlehem (1954-55) e Atlantic (1956-61) são a parte que vale a pena reter.

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Stan Kenton

Ano: 1955
Álbum: Contemporary Concepts (Capitol)

O ex-empregador de Chris Connor não demoraria a registar uma versão de “Stella By Starlight”, com a sua big band, num arranjo de Bill Holman e com Charlie Mariano como solista no saxofone alto. O título Contemporary Concepts não é para ser levado a sério, já que o repertório é formado por standards bem conhecidos e a orquestra de Kenton não trazia a revolução – mas era uma máquina de swing de grande sofisticação.

Anita O’Day

Ano: 1957
Álbum: Anita Sings the Most (Verve)

Anita Sings the Most capta Anita O’Day – outra ex-cantora da orquestra de Stan Kenton – em pico de forma e em contexto jazzístico e intimista, com o grupo do pianista Oscar Peterson, com os habituais parceiros Herb Ellis (guitarra) e Ray Brown (contrabaixo) e o raramente ouvido John Poole (bateria). O seu “Stella By Starlight”, aviado em dois minutos precisos, é um modelo de concisão e elegância.

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Max Roach

Ano: 1958
Álbum: Max on the Chicago Scene (EmArcy)

A carreira do baterista Max Roach na década de 1950 costuma ser lembrada pelo fogoso quinteto que fundou com o trompetista Clifford Brown, cuja trajectória foi brutalmente cortada pela morte de Brown e do pianista Richie Powell num acidente de viação em Junho de 1956. Não se deve, porém, deixar que o brilho deste quinteto ofusque as qualidades do grupo Max Roach + 4 que o baterista pôs de pé meses depois e se manteria activo até 1958. “Stella By Starlight” provém do álbum registado em Chicago em Junho de 1958, com Booker Little (outro trompetista talentoso com vida tragicamente curta), George Coleman (saxofonista que em 1963-64 faria parte do quinteto de Miles Davis), Eddie Baker (piano) e Bob Cranshaw (bateria).

Booker Ervin

Ano: 1963
Álbum: Freedom Book (Prestige)

Talvez por ter falecido com apenas 39 anos, em 1970, o saxofonista alto Booker Ervin não é dos nomes mais lembrados entre os músicos da décadas de 1950-60 e quando é recordado é sobretudo pela sua participação em discos essenciais de Charles Mingus, Horace Parlan e Randy Weston. Porém, o quarteto com Jaki Byard (piano), Richard Davis (contrabaixo) e Alan Dawson (bateria) que Ervin liderou entre 1963 e 1966 e com o qual registou uma dezena de álbuns para a Prestige, é uma formação que mereceria toda a tenção. Atente-se, neste “Stella By Starlight”, ao solo esdrúxulo e anguloso – para não dizer monkiano – de Jaki Byard e ao segundo solo de Ervin. E tudo é exemplarmente despachado em 2’50, num ano em começavam a surgir faixas que ocupavam todo um lado de um LP.

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Miles Davis

Ano: 1965
Álbum: Cookin' at the Plugged Nickel (Columbia)

“Stella By Starlight” tornou-se num tema recorrente no repertório de Miles Davis e foi sofrendo mutações à medida que a sonoridade dos seus grupos foi evoluindo. Esta versão faz parte das sessões de 1965 no clube Plugged Nickel, em Chicago, à frente do quinteto com Wayne Shorter (saxofone), Herbie Hancock (piano), Ron Carter (contrabaixo) e Tony Williams (bateria). “Stella By Starlight” está disponível no CD Cookin' at the Plugged Nickel, mas os fãs de Miles não dispensarão a caixa de sete CDs The Complete Live at the Plugged Nickel, que restitui na íntegra as duas noites de actuações.

Bill Evans

Ano: 1966
Álbum: A Simple Matter of Conviction (Verve)

O pianist Bill Evans (1939-80) foi outro jazzmen que acolheu “Stella By Starlight” no seu songbook e o tocou ao longo de toda a carreira. Esta versão provém do álbum que registou em 1966, com dois músicos com quem nunca gravara antes: o contrabaixista Eddie Gomez e o baterista Shelly Manne. Gomez tornar-se-ia num parceiro inseparável – só em 1979 cederia o lugar a Marc Johnson – mas este seria o único disco de Evans com Manne e é pena, porque o baterista traz ao trio uma vivacidade e um colorido ímpares. Usualmente, os bateristas dos trios de Evans assumem uma postura discreta e subtil (por vezes deixando o trio quase resumido a um duo), mas Manne, ao mesmo tempo que se sente desafiado por um contexto que não era usualmente o seu, também lança desafios a Evans que puxam este para fora da sua “zona de conforto” e fazem a música soltar faíscas.

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Keith Jarrett

Ano: 1985
Álbum: Standards Live (ECM) “Stella By Starlight” é também uma peça a que o Standards Trio do pianista Keith Jarrett, com Gary Peacock (contrabaixo) e Jack DeJohnette (bateria), regressa regularmente. Surge no álbum Yesterdays, registado ao vivo em 2001 em Tóquio, e em Standards Live, que documenta um concerto numa noite de Julho de 1985 em Paris. Convirá o ouvinte munir-se de alguma paciência pois os vagidos, queixumes e cantilenas de Jarrett são mais audíveis do que é usual.

Jean-Michel Pilc

Ano: 2001
Álbum: Welcome Home (Dreyfus)

Welcome Home é um álbum com trio do pianista Jean-Michel Pilc, com o contrabaixista François Moutin e o baterista Ari Hoenig, que mescla standards e composições de Pilc. A versão abaixo, num arranjo de Hoenig, provém de um concerto do mesmo trio em Marciac em 2002.

https://youtu.be/zNREsFUf47E

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