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Velho Homem
Daniel SampaioVelho Homem

Dos fragmentos do quotidiano, surgiu um Velho Homem

Francisco Silva, vulgo Old Jerusalem, e Afonso Dorido, o Homem em Catarse, juntaram-se para gravar a ‘Espuma dos Dias’. Falámos antes da apresentação do álbum na ZDB.

Luís Filipe Rodrigues
Escrito por
Luís Filipe Rodrigues
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Esta história começa com um convite. A produtora e promotora portuense Amplificasom entrou em contacto com dois músicos com quem tinha uma relação de vários anos e desafiou-os a fazer uma residência juntos. Francisco Silva disse que sim; Afonso Dorido também. O primeiro, mais conhecido como Old Jerusalem, é um veterano cantor e compositor indie português, no activo há duas décadas e com obra editada pelas independentes Bor Land, Rastilho ou Gentle Records, mas também pela Sony Music Portugal. O segundo é um dos fundadores de indignu, acarinhada agremiação pós-rock barcelense, além de trabalhar sozinho enquanto Homem em Catarse, num registo mais meditativo e planante. Juntos, tornaram-se um Velho Homem e gravaram a Espuma dos Dias . Na sexta-feira, 1 de Dezembro, apresentam-se ao vivo na Galeria Zé dos Bois, em Lisboa.

“Estávamos já na segunda fase da pandemia, e surgiu essa oportunidade”, recorda Afonso. “Já conhecia o trabalho de Francisco, ambos tínhamos noção de quem o outro era e, quando nos sentámos pela primeira vez e começámos a expor ideias, sentimo-nos bem. Houve logo uma sinergia fixe no primeiro ensaio”, continua. Francisco Silva aprofunda o tema: “Isto acabou por ser um projecto tripartido, em que cada parte assumiu a sua função. Soubemos logo que queríamos fazer alguma coisa, todavia precisávamos de um rumo.” Encontraram-no quando decidiram “utilizar field recordings como base de trabalho”, de acordo com Francisco. “Resolvemos registar os momentos – os sons – da vida quotidiana de um conjunto de pessoas. E depois compor, a partir desses sons, as músicas.”

À medida que começaram a trabalhar no álbum, contudo, essa ideia foi sendo abandonada. “Decidimos não usar só ou cingir-nos à música e a musicalidade inerente dessas recolhas. Achámos que podíamos partir daí, mas ser mais livres de ir desenvolvendo as coisas musicalmente em paralelo”, expõe Francisco. “Começámos com um conceito muito bem definido, mas depois cada tema foi composto de uma forma diferente. Nuns, a música já existia antes e só mais tarde é que vimos que elemento ou recolha é que podia ajustar-se em termos de sonoridade ali; outros temas foram compostos praticamente a partir de um field recording; e outros ainda são uma mistura das duas coisas. Foi tudo muito orgânico.”

“A ‘Nocturno’, que encerra o disco, tem um som de chuva que realmente jogava muito bem com uma cascata de notas de guitarra que acabei por colar ali, e que na minha cabeça ficou logo associada àquele tema”, exemplifica o músico que conhecemos como Old Jerusalem. “A ‘Rebanho’ é outro bom exemplo da forma como captámos e quando captámos”, adiciona Afonso. “Tínhamos já uma linha de guitarra, ou pelo menos uma ideia, porque essa música, embora tenha dinâmicas, a nível harmónico gravita sempre nos mesmos acordes – aliás, essa ideia de repetição, de rotina, é transversal a todo o disco. E aconteceu eu ir a Boticas num fim-de-semana e encontrar um pastor. Aproveitei logo para captar o som do rebanho. Mesmo sabendo que havia algumas limitações, achei que podia encaixar bem ali. Mais tarde, quando já estávamos em estúdio, isso levou-nos a introduzir um piano no final da música.”

Apesar de Afonso Dorido e Francisco Silva terem sido desafiados para gravar a Espuma dos Dias ainda durante a pandemia, e lhes terem dado a chave da Sala Estúdio Perpétuo, no Porto, logo nessa altura, só gravaram as faixas no início deste ano. Foram compondo as canções e dialogando com calma, nos tempos mortos entre outros trabalhos e obrigações. A meio do processo de composição, tiveram um reforço de peso: o baixista Miguel Ramos, colaborador habitual de Manel Cruz e Jorge Palma, a quem se referem como a “cola” deste projecto. Foi ele que ajudou a construir a ponte entre a abordagem mais folk e acústica de Old Jerusalem e as meditações herdeiras do pós-rock de Homem em Catarse. “Oiço isto com duas colunas: há uma guitarra de um lado e uma guitarra do outro. E elas comunicam”, ilustra Afonso. “Para comunicarem ainda melhor, é muito importante o papel do Miguel Ramos no baixo, que acho que uniu os nossos dois mundos.”

A disposição que Dorido sugere é replicada ao vivo. A banda apresentou-se no passado dia 10 de Novembro, no Understage do Rivoli, um dos pólos do Teatro Municipal do Porto, precisamente com “uma guitarra do lado, outra guitarra do outro, baixo ao centro”, descreve. “É um trabalho muito orgânico, no sentido rítmico, até porque não temos nenhum instrumento de percussão verdadeiramente dito. Portanto o olhar é fundamental, a pulsação é fundamental, e normalmente é o baixo que dá o mote para a entrada das guitarras”, segue a explicar. “Chegámos à conclusão que o espectáculo fica muito mais sólido com o baixo. Não porque as guitarras não estejam sólidas, mas porque ele acaba por ligá-las.” Esta sexta-feira, 1 de Dezembro, no aquário da Galeria Zé dos Bois, estarão também os três. Não contem, porém, com Ana Deus, que declama um poema numa das raras faixas do disco em que se escutam vozes – tudo o resto é instrumental.

E após a ZDB? Os planos, no futuro imediato, passam por dar mais alguns concertos e continuar “a comunicar o disco”, nas palavras de Francisco Silva. Sobre um segundo álbum ou a continuidade desta união, no entanto, preferem não pronunciar-se. “O projecto surgiu como um one-off”, garante Francisco. “Mas a verdade é que o trabalho correu bem, deu-me gosto estar a desenvolvê-lo com o Afonso e com o Miguel. E, quando as coisas são assim, o futuro fica sempre em aberto. Da minha parte, não está excluída nenhuma hipótese”. Afonso partilha da mesma opinião: “Se acharmos que faz sentido e surgir uma nova oportunidade de colaborar, porque não? Não excluímos uma coisa nem outra.”

Zé dos Bois. Sex 1. 22.00. 8€

Continuamos à conversa

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