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Daniil Trifonov
©Dario Acosta/Deutsche GrammophonDaniil Trifonov

Nove obras clássicas inspiradas pelo canto das aves

Cantus Arcticus, de Rautavaara, um “concerto para aves e orquestra” que pode ser ouvido na Fundação Gulbenkian, dá testemunho do inesgotável fascínio dos compositores pelo canto das aves

Escrito por
José Carlos Fernandes
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Cantus Arcticus pela Orquestra Gulbenkian

O Cantus Arcticus terá a companhia da Sinfonia n.º 2, de Jean Sibelius, e do Concerto para piano op.54, de Schumann, em que será solista Daniil Trifonov, pianista nascido em 1991 em Nizhny Novgorod e cujos discos – muito bem recebidos pela crítica – na Deutsche Grammophon têm contemplado Chopin, Liszt e Rachmaninov. A direcção será do maestro finlandês Hannu Lintu, que dirigiu as Filarmónicas de Turku e Tampere e está actualmente à frente da Sinfónica da Rádio Finlandesa.

Fundação Gulbenkian, sábado 20, 19.00, 25-40€

Nove obras clássicas inspiradas pelo canto das aves

Le Chant des Oiseaux, de Janequin

Ano: 1528
Ave: todo um aviário

O francês Clément Jannequin (c.1485-1558) foi um dos mais prolíficos e originais compositores de canções profanas da Renascença. A maioria das suas 250 canções, quase sempre a quatro vozes, são de temática amorosa, mas entre elas há também canções onomatopaicas que reproduzem criaturas, eventos ou episódios pitorescos da vida real. Le Chant des Oiseaux é uma de três canções de Janequin de temática ornitológica – as outras são Le Chant de l’Alouette e Le Chant du Rossignol – e o seu texto abre com uma celebração da Primavera, estação propícia aos amores: “Despertai, corações adormecidos/ O deus do amor chama-vos/ Neste primeiro dia de Maio/ As aves farão maravilhas/ Se quereis tirar-vos de cuidados/ Abri os vossos ouvidos”. Não estamos, porém, perante uma cândida e sonolenta aguarela campestre e em breve a letra revela o seu lado zombeteiro, com alusões a aventuras extra-conjugais (sendo o “cuco” uma metáfora para o marido traído).

Para quem imagine a música da Renascença como rígida e espartilhada, Janequin reserva grandes surpresas, de que é exemplo a forma como talha o texto de forma a criar efeitos onomatopaicos: “Frian frian frian.../ tar tar tar... tu velecy velecy/ Ticoun ticun... tu tu... coqui coqui/ Qui lara qui lara ferely fy fy/ Oy ty oy ty... trr. Tu/ Turri turri... qui lara/ Huit huit... oy ty oy ty...teo teo teo.../ Tycun tycun... Et huit huit... qui lara/Tar tar... Fouquet quibi quibi/ Frian... fi ti... trr. Huit huit...” E ainda há quem pense que a “vanguarda” e o “experimentalismo” foram inventados no século XX.

[Pelo Ensemble Clément Jannequin, com direcção de Dominique Visse (Harmonia Mundi)]

La Poule, de Rameau

Ano: 1728
Ave: galinha (Gallus gallus domesticus)

La Poule é a peça n.º 12 da colecção Nouvelles Suites de Pièces de Clavecin, publicada em 1728 por Jean-Philippe Rameau, um dos maiores vultos do Barroco francês. La Poule reproduz obsessivamente o cacarejo da galinha, que o compositor teve o cuidado de notar na partitura: “co-co-co-co-co-co-co-dai”.

[Por Hank Knox]

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Concerto para flauta RV 428 Il Gardellino, de Vivaldi

Ano: 1728
Ave: pintassilgo (Carduelis carduelis)

O Concerto RV 428 é o n.º 3 da colecção de seis concertos para flauta publicados em Amesterdão como op. 10 por Michel-Charles Le Cène e que tem a particularidade de ser uma das primeiras publicações de uma colecção de concertos para flauta. Tal como a maioria dos seus parceiros, o RV 428 é uma transcrição de um concerto de câmara pré-existente, neste caso o RV 90. O II andamento é um aprazível cenário pastoril, luminoso, sereno e distendido, que contrasta com o vigor dançarino do Allegro que se segue.

[II (Cantabile) e III (Allegro) andamentos, por Héloïse Gaillard (flauta de bisel sopranino e direcção) e o ensemble Amarillis (Ambroisie)]

Le Coucou, de Daquin

Ano: 1735
Ave: cuco (Cuculus canorus)

Le Coucou é a peça que abre o Livre de Pièces pour Clavecin publicado em 1735 por Louis-Claude Daquin (1694-1772), um dos grandes mestres do teclado do Barroco francês, que foi organista titular em algumas das mais prestigiadas igrejas de Paris, nomeadamente na catedral de Nôtre-Dame, e ascendeu em 1739 ao posto de organista de Luís XV, na Chapelle Royale. O seu Livre de Pièces pour Clavecin inclui peças que evocam sons da natureza (“o cuco”, “os ventos em fúria”) e episódios pitorescos (“os prazeres da caça”). Em Le Coucou, a ave está presente nas duas notas graves incessantemente repetidas.

[Por Trevor Pinnock, num cravo David Way (1983), a partir de um modelo de Hemsch]

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Concerto para órgão n.º 13 HVW 295 The Cuckoo and the Nightingale, de Handel

Ano: 1739
Ave: cuco (Cuculus canorus) e rouxinol (Luscinia megarhynchos)

Chegaram aos nossos dias 14 concertos para órgão de George Frideric Handel, 12 deles agrupados em duas colecções (op.4 e op.7), mais dois concertos avulsos (n.º 13 e 14) publicados em 1740. A maioria destes concertos teve como função original animar os intervalos entre os actos das oratórias de Handel, tendo o próprio compositor – um virtuoso do teclado – assegurado o papel solista (bem como a direcção, como era usual na época). O HWV 295 foi ouvido pela primeira vez na oratória Israel in Egypt (1739) e o seu cognome provém da emulação do canto das duas aves no II andamento.

[II andamento (Allegro), por Simon Preston (órgão) e The English Concert, com direcção de Trevor Pinnock (Archiv). O cuco entra aos 58’’]

The Lark Ascending, de Vaughan Williams

Ano: 1914-1920
Ave: cotovia (Alauda arvensis)

O poema The Lark Ascending, escrito por George Meredith em 1881, é uma celebração do canto de uma cotovia que se ergue nos céus, cuja pureza e vivacidade deveriam servir para despertar o melhor que há nos corações dos homens. Em Ralph Vaughan Williams (1872-1958) o poema de Meredith inspirou, em 1914, a composição de uma peça para violino e piano que arranjaria, em 1920, para violino e orquestra, sendo esta a versão que se tornou corrente.

[Excerto, por Nicola Benedetti (violino) e a Royal Liverpool Philharmonic Orchestra, com direcção de Vasily Petrenko, do álbum Fantasie (Decca)]

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Gli Ucelli, de Respighi

Ano: 1928
Ave: pomba, galinha, rouxinol e cuco

O compositor italiano Ottorino Respighi (1879-1936) revelou particular interesse pela música de épocas passadas (e em particular pelo barroco) e pelo canto das aves (deu indicações para que a execução do seu poema sinfónico I Pini di Roma fosse acompanhada, num trecho, por uma gravação do canto de aves). As duas vertentes confluem na suíte orquestral Gli Ucelli, composta por um “Preludio”, baseado numa peça do organista italiano Bernardo Pasquini (1637-1710), e quatro reinterpretações de composições de música antiga de inspiração ornitológica: “La Colomba”, a partir de “La Colombe”, do alaúdista francês Jacques Gallot (c.1625-1695), “La Gallina”, a partir de “La Poule”, de Rameau (ver acima), “L’Usignuolo”, a partir da transcrição do flautista holandês Jacob van Eyck (c.1590-1657) da canção tradicional “Engels Nachtegaeltje”, e “Il Cucù”, novamente a partir de Pasquini.

[“La Colomba”, pela Bournemouth Sinfonietta, com direcção de Tamas Vasary]

Le Merle Noir, de Messiaen

Ano: 1951
Ave: melro-preto (Turdus merula)

Nenhum compositor dedicou tanta atenção ao canto das aves como o francês Olivier Messiaen (1908-1992). Messiaen era ornitólogo amador e fez incontáveis caminhadas para ver e ouvir aves, cujos cantos anotou meticulosamente e incorporou nas suas obras. Messiaen já tinha inserido citações de várias aves em obras anteriores, mas Le Merle Noir, para flauta e piano, uma peça que lhe foi encomendada pelo Conservatório de Paris, foi a primeira cujo material assenta exclusivamente no canto de uma única espécie de ave, o melro-preto (que, diga-se de passagem, é uma das aves mais “citadas” por Messiaen nas suas obras).

[Por Kenneth Smith (flauta) e Matthew Schellhorn (piano) (Signum Classics)]

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Cantus Arcticus op.61, de Rautavaara

Ano: 1972
Ave: cotovia (Eremophila alpestris), cisne-bravo (Cygnus cygnus) e outros Em vez de transcrever o canto das aves, o finlandês Einojuhani Rautavaara (1928-2016) usou captações dos seus cantos para criar um “concerto para aves e orquestra”. No II andamento o “solista” é uma espécie nórdica de cotovia (numa versão desacelerada), de canto particularmente lamentoso, no III é o cisne-bravo (não confundir com o cisne branco ou Cygnus olor, conhecido em inglês por “mute swan” por ser menos ruidoso que os seus primos, embora não seja “mudo”). No I andamento intervêm várias espécies de aves.

[II andamento (Melankolia), pela Royal Scottish National Orchestra, com direcção de Hannu Lintu (Naxos)]

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