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Johann Sebastian Bach
©DRJohann Sebastian Bach

Oito visões das Suítes para violoncelo solo de Bach

O violoncelista Antônio Meneses toca na Gulbenkian as seis Suítes de Bach, uma obra tão rica que permite que cada intérprete crie a sua própria versão. Eis uma amostra do que nela viram oito violoncelistas diferentes

Escrito por
José Carlos Fernandes
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Desde que Pablo Casals as resgatou a um esquecimento de mais de dois séculos, as Suites a Violoncello Solo Senza Basso, de Johann Sebastian Bach, tornaram-se na montanha sagrada do repertório para violoncelo. Como explicou numa entrevista Jean-Guihen Queyras, um dos seus mais notáveis intérpretes, o facto de o violoncelo estar completamente só, sem o amparo do baixo contínuo, deixa “infinitas possibilidades de interpretação, por comparação com uma obra ‘normalmente’ harmonizada”.

As seis Suites para violoncelo solo terão sido compostas por Bach entre 1717 e 1723, quando estava ao serviço do príncipe Leopold de Anhalt-Cöthen. Dada a sua elevada exigência técnica supõem-se que poderão ter sido escritas para os dois excelentes violoncelistas então ao serviço do príncipe Leopold: Bernard Linigke e Carl Ferdinand Abel. A Suíte n.º 5 requer uma afinação não-convencional e, segundo muitos intérpretes e musicólogos, a Suíte n.º 6 foi composta para um violoncelo piccolo de cinco cordas, um instrumento raro, de menores dimensões que o violoncelo-padrão, que desapareceu de circulação no final do Barroco. Os intérpretes que aderem à “interpretação historicamente informada” costumam recorrer a um piccolo na Suíte n.º 6, os outros tocam todas as suítes com o mesmo instrumento.

As Suítes estavam muito esquecidas quando, em 1889, Pablo Casals, então com 13 anos, deu com uma velha edição numa loja de partituras em segunda mão – passaria os 13 anos seguintes a tocá-las diariamente, até julgar-se capaz de as apresentar em público. Passar-se-iam mais 34 anos até que, em 1936, se dispôs a começar a gravá-las – três anos depois, em 1939, conclui a empresa, tendo sido o primeiro violoncelista a fazer o seu registo integral. Foi esta gravação que contribuiu decisivamente para a popularidade das Suítes e desde então todos os violoncelistas de primeiro plano se têm sentido obrigados, mais tarde ou mais cedo, a enfrentar o desafio.

Bach por Antônio Meneses

O brasileiro Antônio Meneses (n. 1957), foi membro do histórico Beaux Arts Trio entre 1998 e a sua dissolução, em 2008, gravou o Duplo Concerto de Brahms com Mutter e Karajan, o Don Quixote, de Strauss, também com Karajan, e tem colaborado regularmente com Abbado, Blomstedt, Bychkov, Jansons e Muti e boa parte das grandes orquestras mundiais. Esta experiência habilita-o a subir ao cume mais elevado da literatura para violoncelo, numa ascensão que será feita em duas etapas, com as suítes n.º 1, 3 e 5 na segunda-feira, e as n.º 2, 4 e 6 na terça.

Fundação Gulbenkian, segunda-feira 9 e terça-feira 10, 21.00, 20€.

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Oito visões das Suítes para violoncelo solo de Bach

Pierre Fournier

Ano e editora: 1960-61, Archiv
Violoncelo: Charles Adolphe Maucotel, 1849

O francês Pierre Fournier (1906-1986) tinha um repertório vasto e tanto tocava obras do barroco como estreou obras dos seus contemporâneos Francis Poulenc, Bohuslav Martinu, Albert Roussel, Arthur Honegger e Frank Martin. Embora possuísse também um Matteo Gofriller de 1722 e um Jean-Baptiste Vuillaume de 1863, foi num violoncelo Maucotel de 1849 que realizou quase todas as gravações. A sua gravação das Suítes foi então considerada pela crítica como a mais relevante desde a versão de Casals.

[Prelúdio da Suíte n.º 3]

Anner Bylsma

Ano e editora: 1992, Sony Vivarte
Violoncelo: “Stradivarius Servais”, por Antonio Stradivari, 1701

O holandês Anner Bylsma (nascido como Anne Bijlsma em 1934) foi dos violoncelistas que mais reflexão consagrou às Suítes, tendo-lhes dedicado um livro, Bach, o mestre de esgrima, em que as analisa do ponto de vista estético e estilístico. Bylsma foi um dos pioneiros da interpretação historicamente informada, ao lado dos seus compatriotas Gustav Leonhardt e Frans Brüggen, e fez uma primeira gravação das suítes em 1979 para a RCA. Porém, a sua versão de 1992 para a Sony consegue suplantar a versão anterior, não só pela espontaneidade e equilíbrio da interpretação como pela sonoridade opulenta e grave do instrumento utilizado, proveniente da colecção de Stradivarius do Smithsonian Institute, um dos poucos violoncelos do luthier italiano a ter escapado ao processo de “emagrecimento” iniciado no século XIX.

[Prelúdio da Suíte n.º 1]

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Peter Bruns

Ano e editora: 1996, Opus 111
Violoncelo: Carlo Tononi, 1730

O alemão Peter Bruns (n. 1963) tem tocado como solista com a Staatskapelle Dresden, a Sinfónica de Berlim e a Akademie für Alte Music Berlin, com maestros como Gianandrea Noseda, Giuseppe Sinopoli ou Eliahu Inbal. Toca num violoncelo que pertenceu a Pablo Casals, intérprete com quem é, aliás, frequentemente comparado.

[Prélude, Allemande e Courante da Suíte n.º 2]

Pieter Wispelwey

Ano e editora: 1998, Channel Classics
Violoncelo: Barak Norman, 1710

O holandês Pieter Wispelwey (n. 1962), que foi aluno de Anner Bylsma, tem um repertório que vai de Bach à música do nosso tempo e embora recorra a violoncelos de época com corda de tripa, também usa instrumentos modernos com cordas de aço. Wispelwey realizou duas gravações integrais das Suítes para a Channel Classics, uma aos 28 anos (lançada em 1990) e outra aos 36 anos (lançada em 1998), e, ao aproximar-se dos 50, realizou um terceiro registo, lançado em 2011 pela Evil Penguin. Esta amostra diz respeito à segunda versão.

[Allemande da Suíte n.º 6]

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Bruno Cocset

Ano e editora: 2001, Alpha
Violoncelo: Quatro cópias modernas por Charles Riché, a partir de originais de Gasparo de Salò (1600), Antonio & Girolamo Amati (1600), Antonio Stradivari (1700) e Pietro Guarneri (1734)

O francês Bruno Cocset (n. 1963) foi aluno de Anner Bylsma e Jaap Schröder e passou por alguns dos mais reputados ensembles de música antiga – Les Arts Florissants, Il Seminario Musicale, Les Musiciens du Louvre, Le Concert des Nations – antes de ter fundado o seu próprio grupo, Les Basses Réunies, com o qual tem contribuído para a redescoberta de mestres barrocos como Jean Barrière e Domenico Gabrielli (um dos primeiros compositores a dar papel solista ao violoncelo). A sua gravação das Suítes tem a particularidade de recorrer a quatro violoncelos diferentes, escolhidos de forma a obter o máximo de adequação entre as características de cada instrumento e a natureza de cada Suíte.

[Suíte n.º4, numa interpretação diversa da do disco da Alpha]

Jean-Guihen Queyras

Ano e editora: 2007, Harmonia Mundi
Violoncelo: Gioffredo Cappa, 1696

Queyras nasceu no Canadá em 1967, começou a tocar violoncelo aos três anos, foi solista do Ensemble Intercontemporain, trabalhou com Pierre Boulez e notabilizou-se em repertório contemporâneo. Mas, diz Queyras, as Suites de Bach, “acompanham-me desde que tive um arco nas mãos pela primeira vez”. Ouvindo-o, suspeita-se que a proximidade é tal que Queyras e as Suites se tornaram um só. Os tempos são rápidos mas não há vestígio de atabalhoamento ou brusquidão. O som do violoncelo é cheio, denso e pujante, mas tal não exclui a delicadeza. A intensidade colocada em cada compasso não afasta uma sensação de descontracção e naturalidade. Tudo flui com elasticidade e leveza mas sem sacrificar a profundidade e nobreza das peças.

[Prelúdio da Suíte n.º 1]

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Ophélie Gaillard

Ano e editora: 2010, Aparté
Violoncelo: Francesco Goffriller, 1737

A francesa Ophélie Gaillard (n. 1974) trabalhou com alguns dos mais reputados maestros de música antiga, como Christophe Rousset, Emmanuelle Haïm e John Eliot Gardiner, antes de formar em 2005 o ensemble Pulcinella. Em 2000, Gaillard já tinha registado para a etiqueta Ambroisie, uma primeira versão das Suítes e regressou a elas uma década depois, numa leitura serena, clara e distendida, que toma o seu tempo e borda as frases com desvelo, sem que, por um instante que seja, se insinue lassidão ou torpor – antes profundidade e gravitas.

[Gigue da Suíte n.º 3; como se perceberá pela acústica, as imagens não correspondem ao som, que é o do registo de 2010 na Aparté e foi captado no auditório do IRCAM, em Paris]

István Várdai

Ano e editora: 2016, Brilliant Classics
Violoncelo: Domenico Montagnana, 1720

Não é o facto de o mercado estar saturado de registos das Suítes para violoncelo de Bach que desmotiva os recém-chegados de mostrar o seu particular entendimento da obra. Uma das mais recentes adições a tão vasta e honrosa galeria é o húngaro István Várdai (n. 1985), que tem tocado com maestros como Mikhail Pletnev e Ádám Fischer e tem tido por parceiros na música de câmara András Schiff, Gidon Kremer, Aleksandr Sitkovetsky ou Yuri Bashmet. Embora tenha usado um Montagnana de 1720 para este registo, Várdai toca também num Stradivarius de 1673 que já foi de Jacqueline du Pré e de Lynn Harrell e cujo actual proprietário é um mecenas anónimo que o emprestou ao violoncelista húngaro.

[Prelúdio da Suíte n.º 5]

Mais banda sonora

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Georg Philipp Telemann nasceu a 14 de Março de 1681 em Magdeburg, na Alemanha, e revelou cedo um enorme talento musical que a família se esforçou por contrariar – acabou por ter apenas instrução musical sumária, que compensou com um autodidactismo empenhado. Em 1710, submetendo-se à vontade da mãe, matriculou-se na universidade de Leipzig para estudar Direito, mas o apelo da música foi mais forte. Após ocupar postos em Leipzig, Sorau, Eisenach e Frankfurt, Telemann obteve o prestigiado cargo de director musical da cidade de Hamburgo, que desempenharia durante 46 anos, acumulando-o com a direcção da ópera local e vários outros compromissos e encomendas. Esta azáfama resultou numa obra vastíssima que cobre todos os géneros musicais e inclui 1700 cantatas (chegaram aos nossos dias 1.043), mais de 40 Paixões (sobreviveram 22), mais de 50 óperas (apenas sobreviveram 9 completas) e centenas de peças orquestrais e de música de câmara. Faleceu em Hamburgo há 250 anos. O programa do concerto da Orquestra Metropolitana de Lisboa, com direcção de Nicholas Kramer, junta três compositores barrocos alemães cujos destinos se cruzaram: Georg Philipp Telemann (1681-1767), Georg Friedrich Handel (1685-1759) e Johann Sebastian Bach (1685-1750), bem como o segundo filho de Bach, Carl Philipp Emanuel (1714-88), que faz a transição do barroco para o período clássico e teve Telemann por padrinho e sucedeu a este, após a sua morte, como director musical de Hamburgo.De Telemann ouvir-se-á a Suíte TW

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Independentemente do que se pense do que aconteceu em Fátima em 1917 (embuste, milagre, aparição, visão interior), da atitude em relação à fé católica ou a qualquer crença em divindades (adesão, rejeição, indiferença) e da expectativa em relação à visita papal (fervor extático, indiferença, saturação), uma coisa é certa e está para lá de qualquer subjectividade: a música sacra que irá ouvir-se nas cerimónias de Fátima nos próximos dias será de pífia qualidade e mediocremente executada. Se a solidez da Igreja Católica e Apostólica Romana fosse aferida exclusivamente pela excelência da música que acompanha os seus rituais, concluir-se-ia que, do século XVIII até hoje a instituição passou por um vertiginoso declínio, pois embora continuem, esporadicamente, a compor-se obras dignas, estas muito raramente são executadas. A selecção exclui, naturalmente, os compositores da Europa protestante, onde o culto mariano tem sido secundarizado e até dissuadido, e exclui Stabat Maters e Magnificats, para se concentrar em obras cujo cerne é o louvor de Maria.

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O Triplo Concerto de Beethoven não será dos mais apropriados a solistas com egos muito dilatados: não só têm de partilhar a ribalta com mais dois solistas como a relação entre eles é mais de cooperação do que de despique, pelo que é recomendável que os solistas tenham experiência alargada como intérpretes de música de câmara. Como se isto não bastasse, a orquestra não se limita a proporcionar um pano de fundo para a exibição dos solistas e é também um interveniente activo – a ponto de haver quem considere o Triplo Concerto como uma “sinfonia concertante”. Beethoven não distribuiu por igual o trabalho entre os solistas, o que indicia que os intérpretes para quem concebeu a obra teriam diferentes níveis de aptidão. A parte mais elaborada destina-se ao violoncelo, que neste concerto no CCB caberá ao bielo-russo Kyril Zlotnikov, que nasceu em Minsk e completou os estudos em Israel. Aí estabeleceu as conexões e amizades que o levaram a ser co-fundador do Jerusalem String Quartet, que tem vindo a gravar regularmente para a Harmonia Mundi desde 2002 e faz parte da elite dos quartetos de corda mundiais.     [Triplo Concerto por Daniel Barenboim (piano e direcção), Itzhak Perlman (violino), Yo Yo Ma (violoncelo) e Orquestra Filarmónica de Berlim]   Neste concerto de música clássica, o violino solista será confiado a Pedro Meireles, que já passou pela Royal Philharmonic Orchestra e pela New London Orchestra e agora é 2.º concertino na Orquestra Gulbenkian. A parte menos

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