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Pedro Abrunhosa

Pedro Abrunhosa: “O amor é uma forma de resistência”

Pedro Abrunhosa editou recentemente um novo disco, "Espiritual". Falámos antes do concerto de terça-feira, no Capitólio

Luís Filipe Rodrigues
Escrito por
Luís Filipe Rodrigues
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Depois de cinco anos de silêncio discográfico, Pedro Abrunhosa está de volta com um novo álbum, Espiritual. E surge bem acompanhado, com convidados como Lucinda Williams, Lila Downs, Carla Bruni ou Ney Matogrosso, entre outros. Antes do concerto de terça-feira, no Capitólio, falámos sobre o novo disco e os novos populismos.

 

Tens uma data de convidados neste disco, incluindo seis duetos. Como é que estas pessoas todas aparecem aqui?

Tudo começa comigo a escrever uma música. E, quando ela está feita, há timbres que começo a imaginar ali. Penso logo: “aqui estou a ouvir a Lucinda Williams”; “aqui estou a ouvir a Carla Bruni”... Depois é uma questão de falar com as pessoas, e de elas aceitarem. Por exemplo, a Lucinda Williams. É uma lenda viva, e eu sou um grande fã dela. Mandei-
-lhe a música e, para meu espanto, passados 15 dias estava cá a canção gravada por ela.

Foi tudo muito natural, portanto.

Claro. E tive de me controlar, porque se não o disco ficava só com duetos. Queria muito ter convidado o Palma, e há aqui duas ou três canções que iam ficar maravilhosas com ele, mas não deu por causa disso. Foi pena.

Os convidados trabalham todos em géneros diferentes. Tens aqui malta do country, do jazz, do fado, da música francesa e da América Latina. Foi fácil meteres pessoas com referências tão diversas a cantarem a tua música?

Para mim, só há dois estilos de música, como dizia o Duke Ellington: a boa e a má. Acho que é uma coisa que nós todos de alguma maneira subscrevemos, portanto não há essa dificuldade. Até porque quando a música vai para as pessoas, ela vai já com a certeza de que vai ficar bem. Claro que já me enganei, como é lógico – eu não sou como aquele gajo que nunca se enganava e raramente tinha dúvidas, mesmo – mas geralmente, nas questões estéticas, sei o que funciona.

A canção com a Lila Downs chama-se “Amor em Tempo de Muros”. Estavas a pensar no Trump?

Se te responder a isso depois já não posso lá entrar [risos]. Repara que esta realidade, infelizmente, é cada vez mais transversal. Nós estamos aqui no nosso conforto ocidental e se se temos uma ferida vamos ao hospital, se temos fome vamos a uma loja, mas imagina uma família com dois filhos, cujo país de repente entra em guerra, por razões que não têm nada a ver com eles. Os filhos têm fome e eles querem dar-lhes de comer. Não os podemos ignorar. Da última vez que ficámos cegos perante isto houve um gajo chamado Hitler que matou seis milhões de judeus.

Viste aquelas imagens do exército americano a disparar gás lacrimogéneo contra mães com crianças de colo?

Claro que vi. Que palavras é que um gajo pode dizer perante essa merda. Não pode dizer palavras. Ou pega em armas, ou pega em arte. Eu pego em arte.

E não é só Trump. Os dois últimos candidatos presidenciais do partido democrata americano que perderam eleições, o Kerry e a Clinton, discursaram há pouco contra a emigração na Europa, contra os migrantes e os refugiados do Médio Oriente e de África. Também falas dessa questão no novo disco.

Sim. É a mesma postura. A questão não é só o Trump, são os movimentos neofascistas a renascer, é o populismo idiota, é tudo isto. Em vez de tomarem consciência de que vivemos numa comunidade, as pessoas entrincheiram-se na sua vizinhança e põem arame farpado à sua volta. Que é o que vai também acontecer com a França se nós não nos pomos a pau.

Mas como é que tu achas que uma pessoa pode responder a este ódio, cada vez mais transversal?

O ódio é sempre proporcional ao descontentamento, não é? Tem a ver com desproporção na distribuição da riqueza, tem a ver com corrupção, tem a ver com as pessoas se sentirem permanentemente intrujadas e abusadas, tem a ver com perceberem que trabalham de sol a sol para pagarem impostos que depois servem para cobrir situações estranhas, nomeadamente créditos bancários de terceiros, furos à banca que rondam os 17 mil milhões de euros – bancos que, como nós sabemos, têm tido um papel, alguns, muito importante no rombo financeiro que estamos a suportar. Este descontentamento reflecte-se na qualidade de vida, no acesso aos bens essenciais e no desemprego. E é cavalgado pelo discurso do ódio. Mas, respondendo à tua pergunta, perante isto, o que é que nós podemos fazer? Olha eu já tinha dado essa solução em 1994, com uma música.

“Talvez foder”.

Exacto [risos]. Temos de estar conscientes, de olhos abertos. É preciso termos visibilidade e darmos visibilidade a estas questões. Nós nos anos 20 vivíamos distraídos com o charleston e depois foi o que foi. Agora estamos distraídos demais outra vez. Estamos entretidos com o último cozinhado do chef, e a última música do não sei quem – pode ser a minha, pode ser outra qualquer. Esta superficialidade e esta globalização que ofusca tudo o resto, que nos distrai, são um problema. E uma das formas de resistência é o amor. Mas o amor como bem, como sentido ético. Porque os nossos actos afectam e reflectem-se nos outros.

O teledisco da “Amor em Tempo de Muros” foi gravado no México e sei que também andaram pela Califórnia. Porque é que fizeram questão de ir para lá rodar os vídeos?

Porque eu não conseguia obter aquele tipo de imagens noutro sítio qualquer. E porque a canção fala para aquele lugar. Deve ter sido o vídeo mais caro, mas valeu a pena. É uma bela peça cinematográfica, e ainda tem um caminho para fazer. No plano internacional, estamos a fazer um levantamento de festivais para concorrermos. Sabes que eu não fui com eles porque estava cheio de espectáculos, e não fiz falta nenhuma. Digo-te que cada vez mais gostava de desaparecer, de não aparecer nos vídeos. Isso chateia-me. E depois acho que é redundante. Portanto ainda bem que não fui. Quem me dera nunca mais ter de entrar em vídeos.

Está só nas tuas mãos.

Eu sei que estás nas minhas mãos. Mas o problema é que também está nas mãos da editora.

Conversa fiada

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