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Buddy Rich
©Paul SpurkBuddy Rich

Sete bateristas que marcaram a história do jazz

No princípio, a bateria servia para marcar o tempo, mas as inovações trazidas por bateristas excepcionais foram alterando o seu papel e convertendo-o num par dos outros instrumentistas. Eis sete dos muitos nomes que fizeram essa revolução

Escrito por
José Carlos Fernandes
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Sete bateristas que marcaram a história do jazz

Gene Krupa (1909-1973)

Nasceu em Chicago, de um casal de imigrantes polacos profundamente católicos, que destinavam o filho ao sacerdócio. Acabou a fazer vida no pouco católico mundo dos clubes nocturnos e num instrumento mais conotado com batuques infernais do que com coros angelicais. Estreou-se a gravar em 1927, com 18 anos, ganhou fama, graças ao seu estilo extrovertido e espectacular, na banda de Benny Goodman, e as suas intervenções solistas em “Sing, Sing, Sing”, de 1937, são tidas como as primeiras da história do disco.

[“Sing, Sing, Sing”, pela banda de Benny Goodman, com Gene Krupa] Em 1941 já era suficientemente famoso para surgir como ele próprio no filme Ball of Fire, de Howard Hawks, ao lado de Gary Cooper e Barbara Stanwyck.

[“Drum Boogie”: Krupa demonstra o seu talento percussivo com fósforos e a respectiva caixa e Barbara Stanwyck canta (ou alguém o faz por ela), no filme Ball of Fire]

Em 1959, teve direito a um biopic, The Gene Krupa Story, com Sal Mineo no papel de Krupa, com um guião com sérios desvios em relação aos factos e que empola os problemas de Krupa com a dependência de marijuana. Claro que um filme como The Gene Krupa Story só foi possível numa época em que o jazz ainda era uma música de massas; seria impensável Hollywood fazer um biopic sobre um grande baterista de jazz de hoje, pois não há um que faça parte do imaginário do espectador médio.

[Trailer de The Gene Krupa Story]

Krupa não só foi um baterista sobredotado como foi ele que, em articulação com o fabricante de baterias Slingerland e o fabricante de pratos Zildjian, definiu os elementos constituintes da bateria-padrão, como a conhecemos ainda hoje. O estilo e o gosto de Krupa foram formados nos anos do hot jazz e do swing e, embora tenha permanecido activo até ao final dos anos 60, foi ficando desligado das evoluções que o jazz foi sofrendo – bebop, cool jazz, hard bop, free...

[O Gene Krupa/Eddie Shu Quartet toca o clássico “Caravan”, no programa televisivo “Dial M for Music”, década de 1960]

Buddy Rich (1917-1987)

Andrew Newman, o estudante de bateria que é a personagem central do filme Whiplash: Nos Limites (2014), escrito e realizado por Damian Chazelle, aspira a ser o novo Buddy Rich. Damian Chazelle nasceu em 1985, dois anos antes de Rich ter morrido, mas ou a sua cultura musical foi adquirida num antiquário ou Whiplash teve como público-alvo os maiores de 65 anos. Sim, Buddy Rich disputou durante muitos anos com Gene Krupa o lugar de baterista mais famoso do mundo, mas isso foi nas década de 1940-50 – os aspirantes a bateristas de hoje têm outros modelos. O que não impede que Rich seja um prodígio pelos padrões de qualquer época.

[As “drum battles” estavam na moda nas décadas de 1950-60. Esta, promovida pelo Sammy Davis Jr. Show, em 1966, opõe os dois bateristas mais célebres de então: Gene Krupa (à esquerda) e Buddy Rich (à direita)]

Rich nasceu em Brooklyn em 1917 e começou a tocar em público aos 18 meses no número de variedades dos pais. Nunca teve aulas de bateria, não sabia ler música e dizia nunca praticar. Aos quatro anos tocava na Broadway, aos 11 dirigia a sua própria banda. Atendendo a este padrão de precocidade, pode dizer-se que chegou à linha da frente do jazz “tardiamente”: tinha 21 anos quando foi contratado para a orquestra de Tommy Dorsey, que viria a tocar com Sinatra, que foi quem lhe emprestou dinheiro para montar a sua própria banda, em 1946. Tocou com Louis Armstrong, Ella Fitzgerald, Charlie Parker e Dizzy Gillespie e foi pioneiro nos diálogos interculturais, ao associar-se, em 1968, ao tocador de tabla Ustad Alla Rakha.

[Exibição de virtuosismo de Rich no Steve Allen Show, de que era convidado assíduo, em 1957]

Rich tocou quase até à morte – o que confere à sua carreira uma duração recorde de quase sete décadas – mas, tal como Krupa, era um baterista da era do swing e a sua música não reflectiu as evoluções que o jazz foi sofrendo e a coerência musical era muitas vezes sacrificada à exibição dos seus mirabolantes dotes percussivos.

[Rich, ca. 1970]

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Art Blakey (1919-1990)

Na primeira metade da década de 1940, tocou nas big bands de Fletcher Henderson e Billy Eckstine, na segunda metade esteve na génese do bebop com Thelonious Monk, Fats Navarro, Charlie Parker e Dizzy Gillespie. Em 1953 formou os Jazz Messengers com o pianista Horace Silver, que sairia pouco depois, deixando Blakey como líder.

[“A Night in Tunisia”, por Art Blakey & The Jazz Messengers, Bélgica, 1958: com Lee Morgan (trompete), Benny Golson (saxofone), Bobby Timmons (piano) e Jymie Merritt (contrabaixo)]

Blakey não só contribuiu decisivamente para a definição da bateria do bebop, como tinha um estilo fogoso e polirrítmico e o poder de tracção de uma locomotiva a todo o vapor, como foi um consumado líder de banda (embora não compusesse) e um descobridor de novos talentos, o que fez dos Jazz Messengers uma universidade para os jovens jazzmen – aí se formaram, ao longo de quase quatro décadas de actividade ininterrupta, estrelas como Lee Morgan, Freddie Hubbard, Wayne Shorter, Wynton e Branford Marsalis, Terence Blanchard ou Mulgrew Miller.

[A mais estupenda encarnação dos Jazz Messengers, com Freddie Hubbard (trompete), Curtis Fuller (trombone), Wayne Shorter (saxofone), Cedar Walton (piano) e Reggie Workman (contrabaixo), ao vivo no Festival Internazionale del Jazz de 1963, em Sanremo]

Em 1948-49, Blakey passou cerca de um ano a viajar por África e as experiências que aí viveu foram decisivas para que mais tarde fosse um dos primeiros jazzmen a explorar as raízes africanas do jazz e a fazer discos em colaboração com percussionistas africanos.

Kenny Clarke (1914-1985)

Clarke nasceu, como Art Blakey, em Pittsburgh e foi, com Blakey e Roach, um dos três “pais” da bateria bebop. A sua carreira como líder não teve tanta proeminência como as de Blakey e Roach, pelo que é hoje menos lembrado do que eles.

[Kenny Clarke, com Lucky Thompson (saxofone) e Buddy Catlett (contrabaixo), no clube Blue Note, Paris, 1960]

Mas foi ele quem, em meados dos anos 40, como membro da “banda da casa” da Minton Playhouse, ao lado de Thelonious Monk, Charlie Parker e Dizzy Gillespie, estabeleceu os elementos fundamentais que definiriam o bebop.

[Kenny Clarke, com um quarteto franco-americano com Roland Kirk (saxofone), René Urtreger (piano) e Pierre Michelot (contrabaixo), nos estúdios da SWF, Abril de 1961]

Esteve também, com John Lewis, Milt Jackson e Ray Brown, na génese do seminal Modern Jazz Quartet, que insuflaria no jazz influências da música erudita (dando origem à “Third Stream”), mas saiu em 1955 e estabeleceu-se em França. Seria na Europa que faria a maior parte da carreira, tocando com expatriados americanos e músicos locais. Em 1961, com o pianista belga Francy Boland, formou uma big band de all-stars que durou até 1972 e gravou 15 álbuns.

[“Griff’s Groove”, pela Kenny Clarke-Francy Boland Big Band, com Johnny Griffin (saxofone) como solista principal, no programa televisivo Battle of the Bands]

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Max Roach (1924-2007)

Roach nasceu em Newland, Carolina do Norte, e cresceu nos arredores de Brooklyn. Estreou-se a gravar em 1943, com 19 anos, numa sessão liderada por Coleman Hawkins e não tardou a afirmar-se ao lado de Bud Powell, Parker, Monk, Gillespie e outros pioneiros do bebop e foi o baterista do lendário concerto de 1953 no Massey Hall que reuniu Gillespie, Parker, Powell e Mingus. Em 1954 fundou um quinteto de sonho, com Clifford Brown, Harold Land (depois substituído por Sonny Rollins), Richie Powell e George Morrow, que terminaria, tragicamente, dois anos depois, com a morte de Brown e Powell numa acidente de viação.

[Quinteto de Max Roach no clube Alhambra, Paris, 1960]

Nos anos 60 emergiu como um das vozes mais enérgicas na luta pelos direitos civis dos afro-americanos, gravando, com a sua esposa, Abbey Lincoln, o disco-manifesto We Insist! Freedom Now Suite (1960).

[O grupo de Max Roach e Abbey Lincoln apresenta a “Freedom Now Suite”]

Gravou em trio com Ellington e Mingus – Money Jungle (1962) foi, infelizmente, o único fruto deste encontro – e foi um dos primeiros bateristas a gravar faixas a solo – que ocupam metade de Drums Unlimited (1966). O passar dos anos não lhe acalmou a irrequietude e o apetite pela experimentação: fez duo com luminárias do free (como Cecil Taylor e Archie Shepp), com um artista vídeo e até com uma gravação do célebre discurso “I Have a Dream”, de Martin Luther King.

[Um peculiar diálogo entre uma bateria e Martin Luther King]

Associou-se a quartetos de cordas, a quintetos de sopros, a coros e a orquestras (nomeadamente a Sinfónica de Boston), fundou o ensemble de percussão M’Boom; compôs para o teatro e fez performances com bailarinos, break dancers e rappers.

[O projecto M’Boom, no festival de jazz de Middelheim, em 1973]

Elvin Jones (1927-2004)

Nasceu em Pontiac, Michigan, numa família fadada para o jazz – os irmãos mais velhos, Hank e Thad distinguiram-se no piano e na trompete. Tocou com Billy Mitchell e Charles Mingus, mas o momento de viragem na sua vida foi a entrada, em 1960, para o quarteto de John Coltrane, com McCoy Tyner (piano) e Jimmy Garrison (contrabaixo): nos seis anos seguintes, documentados em numerosos discos na Impulse!, Jones daria novos rumos à bateria jazz, que deixou a função de marcação de tempo para se tornar um interlocutor do saxofone.

[“My Favorite Things”, pelo quarteto de John Coltrane, com Tyner, Garrison e Jones, ao vivo na Bélgica, 1965]

Porém, a ânsia de quebrar barreiras de Coltrane acabou por revelar-se excessiva mesmo para músicos de espírito tão aventureiro como Tyner, que saiu do grupo em 1965, e Jones, que saiu no ano seguinte, após Coltrane ter integrado um segundo baterista na banda, Rashied Ali. Jones gravou como sideman com Tyner e Wayne Shorter e estreou-se como líder em 1961, com Together! e só parou em 1999, com The Truth: Heard Live at the Blue Note. Entre os vários projectos que liderou está a Elvin Jones Jazz Machine, uma banda de formação flutuante.

[“Doll of the Bride”, pela Elvin Jones Jazz Machine, ao vivo em 1991]

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Tony Williams (1945-1997)

Nasceu em Chicago numa família com antepassados africanos, portugueses e chineses. Aos 15 anos já era músico profissional, aos 17 entrou para o novo quinteto que Miles Davis constituiu em 1963 (que ficou conhecido como Segundo Quinteto) e moldou decisivamente o som deste, através dos seus polirritmos e do peculiar e vigoroso uso dos pratos, que abordava, por vezes, como se fossem tambores.

[“Agitation”, pelo quinteto de Miles Davis, com Wayne Shorter, Herbie Hancock, Ron Carter e Tony Williams (que, à data, tinha 18 anos), ao vivo em Estocolmo, 1963]

A intensa agenda do quinteto de Miles não impediu Williams de contribuir também para alguns dos discos mais ousados e conseguidos que Jackie McLean, Eric Dolphy, Andrew Hill, Sam Rivers, Grachan Moncur e Herbie Hancock criaram na década de 60 e de se estrear como líder com Life Time (1964) e Spring (1965). Em 1969, Williams deixou a banda de Miles Davis para se consagrar aos Lifetime, um projecto de fusão jazz-rock, com o guitarrista John McLaughlin e o organista Larry Young, a que se juntaria depois o baixista Jack Bruce.

[O Projecto Lifetime nasceu como trio em 1969, mas em 1971, quando deste concerto no Festival de Jazz de Montreux, tinha-se convertido num sexteto com três percussionistas]

Os Lifetime duraram, com muitas mudanças de formação, até 1975, altura em que surgiram os New Lifetime, que estiveram activos até 1980. Por esta altura, ao mesmo tempo que cultivava a enérgica fusão de jazz e rock, também regressou a um jazz mais clássico e cordato, com o quinteto V.S.O.P., que era, basicamente, o Segundo Quinteto de Miles Davis, mas com Freddie Hubbard no lugar de Miles.

Mais jazz

  • Música
  • Jazz

Em 1961, o guitarrista Charlie Byrd fez parte de uma embaixada cultural que foi ao Brasil mostrar o jazz norte-americano e ficou fascinado com a bossa nova, um género então ainda com poucos anos de vida – Chega de Saudade, o álbum de estreia de João Gilberto, fora editado apenas dois anos antes. 

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